A 3ª versão do PEC vai agravar ainda mais as desigualdades em
Portugal
RESUMO DESTE ESTUDO
Em Dezembro de 2006, o governo apresentou na Assembleia da República uma
nova versão do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC3), a juntar
às duas que já tinha apresentado desde que assumiu
funções (PEC1 e PEC2), sendo todas elas dominadas pela
obsessão do défice.
A análise destas três versões, leva à
conclusão que, de versão para versão, a politica que este
governo está a seguir só poderá levar ao agravamento cada
vez maior das condições de vida da maioria da
população e ao aumento das desigualdades na
repartição do rendimento e da riqueza, que já são
muito graves em Portugal.
Assim, a nível de crescimento das receitas dos impostos, o valor
previsto de versão para versão é cada vez menor. E isto
porque o governo recusa-se a eliminar os privilégios fiscais que gozam
fundamentalmente os grandes grupos económicos em Portugal que, se
acabassem, contribuiria para um aumento significativo das receitas
preferindo os impostos que atingem fundamentalmente os trabalhadores e outras
camadas desfavorecidas da população que, devido à
redução significativa do seu poder de compra, geram
acréscimos de receitas fiscais cada vez menores. Dentro do mesmo
objectivo, aumentou a taxa de 1% para 1,5% a pagar pelo trabalhadores para a
ADSE e criou uma nova taxa a ser paga pelos aposentados também para a
ADSE. No PEC2, apresentado em Dezembro de 2005, a previsão das receitas
fiscais para 2007 era de 2.695 milhões de euros, enquanto no PEC3,
apresentado em Dezembro de 2006, é já de 495 milhões de
euros, ou seja, 5,4 vezes menos, o que mostra bem, por um lado, a
redução verificada no poder de compra da maioria da
população mais atingida pela politica fiscal deste governo e, por
outro lado, a falta de qualidade das previsões governamentais num
período tão curto. Em contrapartida agravou a
contribuição dos trabalhadores e dos aposentados para a ADSE que
custará a estes entre 100 e 120 milhões de euros por ano. O
agravamento das desigualdades é tão elevada e tão chocante
que Richard Eckaus, um professor norte americano de economia, que esteve
recentemente em Portugal num debate organizado pela Gulbenkian e foi
condecorado por Cavaco Silva, defendeu uma maior justiça fiscal no
nosso País.
Para compensar a quebra da receita prevista e cumprir o objectivo do
défice, o governo pretende reduzir significativamente as despesas com os
serviços públicos. E pretende fazê-lo fundamentalmente nas
despesas com os trabalhadores da Administração Pública e
através de cortes significativos nas despesas com as
funções sociais do Estado (segurança social e
saúde), agravando assim a situação da maioria da
população. A nível das despesas com os trabalhadores da
Administração Pública este governo pretende reduzi-las em
950 milhões de euros em 2007; em 1.150 milhões de euros em 2008;
em 1.340 milhões de euros em 2009; e, em 2010, em 1.510 milhões
de euros. Em relação à segurança social, o governo
pretende fazer um corte de 325 milhões de euros em 2007, sendo 90
milhões de euros no Regime Geral e 235 milhões de euros no regime
da CGA; em 2008, o corte previsto é já de 810 milhões de
euros, sendo 205 milhões de euros no Regime Geral e 605 milhões
de euros no regime da CGA; em 2009 e em 2010, o corte sobe, respectivamente,
para 1.130 milhões de euros e 1.305 milhões de euros, sendo no
último ano de 430 milhões de euros no Regime Geral da
Segurança Social e 875 milhões de euros no regime da CGA. Para
além das alterações já introduzidas no Estatuto de
Aposentação, em Janeiro de 2007 o governo anunciou a sua
intenção em aplicar o chamado "factor de
sustentabilidade", que determinará, se for implementado, ou mais
uma redução nas pensões ou o aumento da idade de reforma a
todos os trabalhadores da Administração Pública. Em
relação à redução das despesas com a
saúde dos portugueses que pretende impor, a previsão do governo
é de 100 milhões de euros em 2007, de 170 milhões de euros
em cada um dos três anos seguintes. E a parte de leão nesta
redução resulta da diminuição na
comparticipação no preço dos medicamentos que
atingirá em cada ano 115 milhões de euros, que será paga
pelos portugueses.
Fica assim claro que a politica que se encontra materializada nas diversas
versões do PEC e, nomeadamente, na 3ª versão de Dez.2006,
vai agravar ainda mais as já graves desigualdades em Portugal, na
medida em que, por um lado, mantém os elevados privilégios
fiscais de que goza uma minoria e, por outro lado, reduz ainda mais o
nível de vida dos trabalhadores da Administração
Pública e dos outros portugueses que resultará de cortes
importantes quer nas remunerações dos trabalhadores quer nas
despesas do Estado com a segurança social e a saúde.
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Richard Eckaus, professor norte-americano de economia do MIT, que tem
acompanhado e estudado a Economia Portuguesa, e que participou recentemente num
debate organizado pela Fundação Galoust Gulbenkian e foi
condecorado por Cavaco Silva com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D.
Henrique, numa entrevista que deu a um diário português afirmou:
"Portugal tem a distribuição de rendimento mais desigual na UE. Mas há formas de alterar isso e uma delas é a introdução de mais progressividade no imposto sobre o rendimento. Penso que esse tipo de medidas é muito importante porque para Portugal é fundamental garantir uma maior igualdade no sistema"
(DN - Economia 22/12/2006).
Uma opinião coincidente com aquela que temos vindo a defender há
já bastante tempo, pois a situação actual grande
desigualdade na repartição da riqueza e do rendimento que
se tem agravada nos últimos anos, para além de ser socialmente
intolerável constitui também um importante obstáculo
à superação da actual crise e a uma taxa de crescimento
económico elevada e sustentada. No entanto, foi preciso um economista
norteamericano vir dizer isso para que obtivesse a anuência de Victor
Constâncio (veja-se o
Jornal de Negócios
de 19/12/2006) e para tal medida ter projecção nos media
portugueses pois os defensores do pensamento único em Portugal
são incapazes de ter pensamento próprio.
No entanto, esse não é o caminho que o governo de Sócrates
teima em seguir. A prová-lo está a recusa do actual governo em
acabar com os privilégios fiscais de que goza uma minoria em Portugal.
São exemplos comprovativos o escândalo da isenção
total das mais valias geradas pelas OPA´s sobre a PT e o BPI assim como a
isenção recente dada pelo governo à REN. Só esta
última isenção determinou uma perda de receita fiscal
avaliada em 80 milhões de euros, que seria quase suficiente para evitar
o agravamento da carga fiscal sobre os reformados que resultou da
redução da dedução fiscal de 7500 euros para 6.400
euros aprovada pela Lei do OE2007 .
Em relação às OPA´s, interessa lembrar que de acordo
com a alínea a) do nº2 do artº 10 do Código do IRS
não estão sujeitas a pagamento de IRS as mais valias resultantes
de "acções detidas pelo seu titular durante mais de 12
meses". E segundo o nº2 do artº 11 do Estatuto de
Benefícios Fiscais as mais-valias realizadas pelas Sociedades Gestoras
de Participações Sociais (SGPS) e por Sociedades de Capital de
Risco (SRC), desde que detidas por um período não inferior a um
ano, também estão isentas de pagamento de imposto. Isto significa
que tanto as pessoas singulares como as colectivas (empresas), pois estas
últimas têm sempre a possibilidade de criar facilmente uma SGPS,
desde que tenham as acções na sua posse por um período
superior a um ano não pagam qualquer imposto pelas mais-valias obtidas.
A OPA sobre a PT lançada pela SONAE e a OPA sobre o BPI lançada
pelo BCP, se se concretizarem, vão gerar para os actuais detentores de
acções mais valias que estimamos em 10.000 milhões de
euros que não pagarão qualquer imposto. Se o governo e o PS
tivessem aceite a proposta feita pelo PCP, durante o debate do OE2007, para
eliminar aquele privilégio fiscal de que beneficiam fundamentalmente os
grandes grupos económicos em Portugal, o que determinaria que passassem
a pagar uma taxa de imposto de apenas 10%, que é a taxa aplicável
às mais-valias de acções detidas menos de um ano pelos
seus proprietários, o Estado arrecadaria mais 1.000 milhões de
euros de receita fiscal em 2007, o que evitaria uma parcela importante dos
pesados sacrifícios que o governo de Sócrates pretende impor aos
trabalhadores, aos reformados e até a um grande número de
deficientes.
No entanto, o governo, ao invés de procurar reduzir o défice
atraves de medidas que acabem com os grandes privilégios fiscais de que
gozam fundamentalmente os grandes grupos económicos, prefere manter
esses privilégios e sobrecarregar ainda mais os trabalhadores e outros
sectores desfavorecidos da população com mais sacrificios.
A provar isso está a 3ª versão do chamado Pacto de
Estabilidade e Crescimento: 2006/2010 (PEC3) apresentado pelo governo em
Dezembro de 2006 na Assembleia da República, que foi aprovado pelo PS e
depois enviado para Bruxelas, ainda mais gravosa para os trabalhadores,
reformados e deficientes que as anteriores versões.
QUEBRA CONTINUADA NO AUMENTO DE RECEITAS E AUMENTO SIGNIFICATIVO DA
REDUÇÃO DAS DESPESAS COM SALÁRIOS E COM AS
FUNÇÕES SOCIAIS DO ESTADO
O governo apresentou em Dezembro de 2006 uma nova versão do chamado
Programa de Estabilidade e Crescimento (é a 3ª versão
PEC3 desde que assumiu funções). E a primeira
conclusão que imediatamente se tira, comparando esta versão com
as anteriores, é que a nível de aumento de receitas, nomeadamente
de impostos, as previsões constantes da última versão
são consideravelmente inferiores às das versões
anteriores, enquanto a nivel de redução das despesas, que envolve
fundamentalmente a redução das despesas com as
remunerações dos trabalhadores da Administração
Pública e com as funções sociais do Estado
(segurança social e saúde) a tendencia é de aumento
conseguida através de grandes cortes de despesa. O gráfico que se
apresenta a seguir mostra de uma forma visual, portanto mais facilmente
apreendida, o aumento da receita e a redução da despesa prevista
nas três versões do PEC (Junho de 2005, Dezembro de 2005 e
Dezembro de 2006).
Como se conclui rapidamente do gráfico, a linha que representa o aumento
de receita (receitas fiscais) reflecte uma tendência de
diminuição de PEC para PEC, enquanto a linha que representa a
redução da despesa (cortes na despesa) a tendência é
de aumento de versão para versão.
Assim, no PEC1, apresentado em Junho de 2005 pelo governo de Sócrates, a
previsão de aumento de receita era, para o ano de 2007, de 2.815
milhões de euros; no PEC2, apresentado pelo mesmo governo em Dezembro de
2005, a previsão de aumento de receita era de 3.100 milhões de
euros, mas no PEC3, apresentado em Dezembro de 2006, a previsão de
aumento da receita é apenas de 715 milhões de euros. A nivel de
redução de despesa não se verifica semelhante quebra.
Assim, também para o ano de 2007, a previsão de
redução de despesa era no PEC1 de 1.830 milhões de euros,
no PEC2 de 2.275 milhões de euros e no PEC3 de 1.880 milhões de
euros. Em relação a 2008 verifica-se uma situação
muito semelhante: (1) Em relação ao aumento de receita ele evolui
da seguinte forma: PEC1: 3.355 milhões de euros; PEC2: 3.568:
milhões de euros; PEC: apenas 1.163 milhões de euros; (2) Em
relação à redução das depesas: PEC1: 2.655
milhões de euros; PEC2: 3.137 milhões de euros; PEC3: 2.800
milhões de euros. Evolução análoga verifica-se nos
dois nos seguintes constantes da previsão do governo. Por exemplo: Em
2010, a previsão de aumento de receita é apenas de 1.195
milhões de euros, enquanto a previsão de redução da
despesa atinge 3.940 milhões de euros, ou seja, 3,3 vezes mais do que o
aumento das receitas.
É evidente que a quebra verificada na previsão do aumento de
receitas resulta, por um lado, da redução acentuada do poder de
compra da maioria população provocada pela politica do governo de
obsessão do défice e, por outro lado, da recusa do governo de
Sócrates em acabar com os grandes privilégios fiscais de que
continua a gozar uma minoria em Portugal, cuja eliminação daria
certamente elevada receita ao Estado. Para compensar, o governo de
Sócrates prefere, por um lado, aumentar e mesmo criar novas taxas para a
ADSE e, por outro lado, fazer grandes cortes na despesa pública,
nomeadamente nas despesas com os trabalhadores da Administração
Pública e com as funções sociais do Estado
(segurança social e saúde).
CORTES SIGNFICATIVOS NAS DESPESAS COM AS REMUNERAÇÕES DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E COM A SEGURANÇA SOCIAL E A
SAÚDE
O quadro que se apresenta a seguir com as previsões constantes das
três versões do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC1, PEC2
e PEC3) relativas a aumento de receitas e redução das despesas,
que se encontram desagregadas por rubricas, permite ficar a saber que
sectores da população serão mais afectados pela politica
de obsessão do défice do governo de Sócrates.
Em relação ao aumento das receitas, a quebra que se verifica de
versão para versão, e nomeadamente na 3ª versão
apresentada em Dezembro de 2006, regista-se a nível de todos os
impostos. Por ex., no PEC2 apresentado em Dezembro de 2005 a previsão
das receitas fiscais para 2007 era de 2.695 milhões de euros, enquanto
no PEC3, apresentado em Dezembro de 2006, é já de 495
milhões de euros, ou seja, 5,4 vezes menos, o que, por um lado, mostra
bem a redução do poder de compra da maioria da
população que é mais atingida pela politica fiscal do
governo, o qual se recusa em acabar com os grandes privilégios fiscais
que goza uma minoria em Portugal, e cuja eliminação daria elevada
receita ao Estado e, por outro lado, revela a falta de qualidade das
previsões governamentais num curto período de um ano. A
única receita que aumenta em 2007 é a que resulta da subida de
0,5% no desconto nas remunerações dos trabalhadores da
Administração Pública e da criação de um
novo desconto de 1% sobre as pensões dos aposentados para a ADSE. Mesmo
o aumento de receita resultante do combate à evasão e fraude
contributiva a nível da Segurança Social limita-se, em 2007, a
uns ridículos 60 milhões de euros, em 2008 a 125 milhões
de euros e, em 2009, a 150 milhões de euros, o que mostra bem a falta de
empenho como este governo encara este combate fundamental para garantir a
sustentabilidade financeira da Segurança Social.
Em relação à redução das despesas, que
é o instrumento preferido para obter a redução do
défice orçamental, este governo pretende obtê-la
fundamentalmente à custa das remunerações dos
trabalhadores da Administração Pública, e com cortes
significativos nas despesas com a segurança social e com a saúde.
Assim, a nível das despesas com os trabalhadores da
Administração Pública este governo pretende reduzi-las em
950 milhões de euros em 2007; em 1.150 milhões de euros em 2008;
em 1.340 milhões de euros em 2009; e, em 2010, em 1.510 milhões
de euros. Em relação à segurança social, o governo
pretende fazer um corte de 325 milhões de euros em 2007, sendo 90
milhões de euros no Regime Geral e 235 milhões de euros no regime
da CGA; em 2008, o corte previsto é já de 810 milhões de
euros, sendo 205 milhões de euros no Regime Geral e 605 milhões
de euros no regime da CGA; em 2009 e em 2010, o corte já sobe,
respectivamente, para 1.130 milhões de euros e 1.305 milhões de
euros, sendo neste último ano de 430 milhões de euros no Regime
Geral da Segurança Social e 875 milhões de euros no regime da
CGA. Finalmente, a redução das despesas com a saúde dos
portugueses, a previsão do governo é de 100 milhões de
euros em 2007, de 170 milhões de euros em cada um dos três anos
seguintes. E a parte de leão nesta redução resulta da
diminuição na comparticipação no preço dos
medicamentos que atingirá em cada ano 115 milhões de euros, o que
significa que esta importância será acrescida àquilo que
já pagam os portugueses com medicamentos. A introdução de
portagens nas SCUTS custará aos portugueses, segundo as previsões
do governo constantes da última versão do PEC, 25 milhões
de euros em 2007; 110 milhões de euros em 2008; 120 milhões de
euros em 2009; e, em 2010, 125 milhões de euros.
No campo da redução da despesa com reflexos graves nas
condições de vida dos trabalhadores e dos reformados interessa
ainda referir mais uma anunciada já em Janeiro de 2007. Para além
das alterações já introduzidas no Estatuto de
Aposentação que vão determinar que 88% dos trabalhadores
que entraram para a Administração Pública antes de 1 de
Setembro de 1993 (cerca de 449.000) tenham de trabalhar mais de 40 anos ou para
além dos 65 anos de idade para poderem receber a pensão completa,
agora este governo pretende aplicar também a estes trabalhadores o
chamado "factor de sustentabilidade", o que determinará, se
for aprovado, que eles quando se aposentarem ou recebem uma pensão ainda
mais reduzida ( entre 5% e 18%, dependendo do ano em que se aposentarem, sendo
tanto maior quanto mais tarde for) ou terão de trabalhar para
além dos 65 anos para não sofrerem uma nova redução
na sua pensão.
Em resumo, de versão para versão, o Programa de Estabilidade e
Crescimento do governo Sócrates agrava as desigualdades na medida em
que, por um lado, recusa eliminar os grandes privilégios fiscais que
goza uma minoria em Portugal (uma maior equidade fiscal é até
defendido por um professor de economia norte-americano condecorado por Cavaco
Silva) e, por outro lado, opta por aumentar ainda mais os sacrifícios
que já são pedidos à maioria da população
através de importantes cortes nas remunerações e nas
pensões da Administração Pública e também
dos trabalhadores do sector privado (antecipação da entrada em
vigor da nova formula de cálculo das pensões,
aplicação do "factor de sustentabilidade") e com cortes
importantes também nas despesas com as funções sociais do
Estado (segurança social e saúde). Fica assim mais uma vez clara
a opção de classe do governo de Sócrates e os interesses
que defende.
13/Janeiro/2007
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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