O mini-plano de Vieira da Silva de combate à evasão e fraude dos patrões
– O novo corte de 100 milhões € nas prestações sociais
– A gestão da ADSE em beneficio dos grupos privados de saúde

por Eugénio Rosa [*]

O ministro Vieira da Silva apresentou, com pompa e circunstância, o seu "Plano de combate à fraude e evasão contributiva e prestacional – 2016" e, depois, multiplicou-se em declarações e entrevistas aos jornais e TV sobre esse plano, perante jornalistas que, na sua maioria, não conheciam a situação real da Segurança Social, o que facilitou a campanha de promoção do plano e do ilusionismo do ministro.

COM O SEU PLANO, VIEIRA DA SIVA PRETENDE COBRAR MAIS 51 MILHÕES € DE UMA DIVIDA DE 10.293,2 MILHÕES € EM 2016 QUE ESTÁ A AUMENTAR MAIS DE 1.000 MILHÕES€/ANO

Para se poder ficar com uma ideia do que é o plano de Vieira da Silva observem-se os dados do quadro seguinte, que são oficiais pois constam do relatório que acompanha o orçamento do Estado de cada ano, sobre o aumento das dividas das empresas à Segurança Social.

Quadro 1.

Entre 2006 e 2014, que é o ultimo ano em que existem dados disponíveis, a divida das empresas à Segurança Social passou de 2.188 milhões € para 10.293,2 milhões € (3.258 milhões são descontos feitos nos salários dos trabalhadores que depois não foram entregues pelas entidades patronais à Segurança Social) , o que significou um aumento médio anual de 1.013,2 milhões €. Comparemos então este crescimento exponencial da divida à Segurança Social no período com o " Plano de combate à fraude e evasão contributiva e prestacional 2016 " de Vieira da Silva. E para agravar a situação, Vieira da Silva confunde, no seu "plano" , cobrança de divida com combate à evasão e fraude contributiva. A cobrança da divida refere-se a contribuições declaradas à Segurança Social pelas empresas, que depois estas não entregam os respetivos valores (portanto, divida já conhecida) . Fraude e evasão contributiva diz respeito a contribuições que as empresas não declaram nem entregaram à Segurança Social e, por isso, esta para as detetar tem de desenvolver um grande esforço, primeiro, para as identificar e, depois, para as receber. No quadro 2, estão os dados do plano apresentado por Vieira da Silva disponíveis em www.portugal.gov.pt/...

Quadro 2.

Portanto, Vieira da Silva pretende aumentar, em 2016, a cobrança da divida apenas em 51 milhões € numa divida que já tinha atingido 10.293,2 milhões em 2014, que está a crescer mais de 1000 milhões € por ano. É ridículo um valor daquela natureza para não dizer outra coisa. Para além disso, revela falta de realismo a decisão de afetar 18 equipas distritais de gestores às grandes empresas, que diz que não é para aumentar a cobrança (é só para apoiar), quando a Segurança Social luta com a falta de trabalhadores para recuperar as dividas (a direção de Braga tem apenas seis trabalhadores para tratar 220 mil processos de divida).

NÃO HÁ NADA NO PLANO DE VIEIRA DA SILVA DE COMBATE REAL À EVASÃO E FRAUDE CONTRIBUTIVA À SEGURANÇA SOCIAL LEVADA ACABO PELOS PATRÕES

No seu "plano", Vieira da Silva prevê a arrecadação de mais 50 milhões € de contribuições resultante da declaração oficiosa de remunerações (as empresas não declaram ou declaram incorretamente e então o ministério faz uma espécie de declaração oficiosa que corrige a declaração não feita ou mal feita).

Para se ficar com ideia clara do ridículo que é a obtenção de 50 milhões € no combate à evasão e fraude contributiva, basta fazer umas contas simples. Em 2015, segundo o INE, os "Ordenados e salários" pagos no país totalizaram 60.272,9 milhões €. Se deduzirmos a este valor as remunerações dos trabalhadores da Função Pública que descontam para a CGA – 11.369 milhões € - restam 48.904 milhões €. Se a este valor aplicarmos a taxa de 34,75% (11% dos trabalhadores e 23,75% das entidades patronais) obtém-se 16.994 milhões €. Era esta a importância que, em princípio, a Segurança Social devia ter recebido em 2015 de contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais. No entanto, segundo o relatório do Orçamento do Estado para 2016, a Segurança Social cobrou, em 2015, apenas 14.042 milhões €, ou seja, menos 2.952 milhões € do que devia ter recebido. São contribuições à Segurança Social que, na maioria, os patrões não declararam nem entregaram. Esta é uma realidade que passa ao lado do ministro Vieira da Silva e do seu plano, ou que ele não quer ver para não "ofender" os patrões. E isto é grave porque a falta de receita suficiente vai ser uma justificação que ele utilizará certamente em 2017, como fez em 2016, para não fazer qualquer melhoria real das pensões (em 2016, aumentou as pensões até 629€ em 0,4% , ou seja, entre 90 cêntimos e 2,5€ por mês, isto é, entre 3 e 8 cêntimos por dia, e as de valor superior continuaram congeladas; a previsão em 2017, com o mesmo critério, é apenas uma subida entre 9 e 24 cêntimos).

O ALVO DO PLANO DE VIEIRA É O SUBSIDIO DE DOENÇA, DE DESEMPREGO, O RSI E O CSI

Com o argumento de se estar a gastar muito com o subsidio de doença, Vieira da Silva quer cortar 60 milhões € na despesa com o subsidio de doença, e pretende também cortar mais 40 milhões € no rendimento social de inserção (RSI), no complemento solidário de idoso (CSI) e no subsidio social de emprego (ver quadro 2). E pretende conseguir isso através de uma maior "fiscalização" e de uma maior exigência na chamada "prova da condição de recursos". Em suma, pretende obter um corte na despesa com as prestações recebidas por trabalhadores e outras classes desfavorecidas (60M€) num valor superior ou ao aumento da cobrança de divida à Segurança Social (51M€) ou ao valor que pretende obter no combate à evasão e fraude contributiva dos patrões por contribuições não declaradas (50M€). E isto depois dos enormes cortes feitos nas prestações sociais pelo governo PSD/CDS que determinou um corte brutal nos rendimentos dos mais pobres que os dados do INE do quadro 3 revelam.

Quadro 3.

Contrariamente ao que afirmava o governo PSD/CDS, os mais atingidos pela violência da politica de consolidação orçamental sem qualquer sensibilidade social da "troika" e de Passos Coelho/Portas foram os mais pobres. Como revelam os dados do INE, o 1º decil da população (os 10% mais pobres) no período 2007/2010 tiveram um aumento de 4,1% no seu rendimento enquanto, entre 2010 e 2014, sofreram um corte de 18% nos seus rendimentos um valor muito superior aos cortes que tiveram outros grupos da população . Ora é também em relação a prestações sociais recebidas por este grupo que Vieira da Silva quer fazer poupanças. Será que os que apoiam este governo poderão estar de acordo com um mini-plano desta natureza que poupa os patrões que devem muitas centenas de milhões € à Segurança Social para não ofender os seus interesses, mas que inclui como um objetivo fundamental mais uma redução de 100 milhões € na despesa com prestações sociais?

UMA GESTÃO NA ADSE QUE BENEFICIA OS GRANDES GRUPOS PRIVADOS DE SAÚDE

Atualmente a ADSE é financiada exclusivamente pelos trabalhadores e aposentados da Função Pública, por isso eles têm o direito de saber como é aplicado o dinheiro que descontam para a ADSE. O próprio Tribunal de Contas, no relatório de auditoria à ADSE reconhece o direito aos beneficiários de fiscalizar a ADSE e de intervir na sua governação. Mas o que tem acontecido é precisamente o contrário, ou seja, uma gestão opaca caraterizada por uma total falta de transparência. O conselho consultivo da ADSE, que tem representantes dos sindicatos dos trabalhadores da Função Pública, já não se reúne há muitos anos por decisão do governo e do diretor da ADSE, o que levanta mais duvidas sobre a gestão da ADSE. Por tudo isto o quadro 4 é importante para a transparência da ADSE.

Quadro 4.

Esta tabela de pagamentos é importante que os financiadores da ADSE conheçam (é um seu direito), pois mostra com clareza a forma como o seu dinheiro está ser aplicado/repartido pelos prestadores de saúde. Ela também levanta questões, que só uma fiscalização feita por representantes legítimos dos beneficiários, poderá esclarecer, e que são nomeadamente as seguintes: Por que razão se verifica na ADSE, a nível do regime convencionado, uma concentração tão grande de pagamentos num conjunto tão reduzido de entidades (em 2015, cerca de 71% dos pagamentos da ADSE do regime de convencionado foram feitos apenas a 26 grupos privados de saúde)? Por que razão o grupo Luz Saúde (ex-BES saúde, agora controlado por estrangeiros) concentra cerca de 23% de todos os pagamentos do regime convencionado da ADSE (75 milhões €)? Por que razão a sua faturação à ADSE aumentou, entre 2014 e 2015, de 60,4 milhões € para 75 milhões € (+24,2%)? Que preços praticam estes grupos? Por que razão não se diversifica a prestação de serviços de saúde, reduzindo a dependência em relação aos grandes grupos privados? Por que razão grupos privados de saúde que são altamente beneficiados com o tipo de gestão da ADSE ameaçaram interromper a prestação de serviços por uma pequena alteração nos preços de um numero pequeno de serviços (este é o efeito negativo de uma grande dependência)? etc, etc. São questões fundamentais a nível de gestão e de uma boa utilização dos dinheiros que interessa rapidamente esclarecer e, se necessário, corrigir. Mas isso é só possível mudando o sistema de governação da ADSE e introduzindo o controlo e a fiscalização eficaz dos trabalhadores e aposentados da Função Pública através dos seus representantes. Os dados do quadro têm o mérito também de mostrar a urgência disso.

21/Maio/2016
[*] edr2@netcabo.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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