A produção de jet fuel e a dispensabilidade de novos aeroportos

por John Busby

Em 2002 o Departamento do Transporte do Reino Unido anunciou uma consulta acerca da capacidade das pistas dos aeroportos, assumindo que a utilização do transporte aéreo duplicará em 2015 e triplicará em 2030. Isto implica um crescimento anual exponencial no tráfego de aéreo de passageiros de 4,5% ao longo deste período. Uma tal expansão do tráfego aéreo dentro do Reino Unido corresponderia a um aumento semelhante do tráfego internacional. O tráfego interno no Reino Unido e em outros países cresceria de modo análogo à actividade internacional. O departamento concluía que os aeroportos deveriam ser expandidos e pistas adicionais construídas a fim de atender à procura prevista.

Os aeroportos de Heathrow e Stansted foram seleccionados como candidatos à expansão, mas Heathrow foi posto em suspenso devido a preocupações acerca dos níveis crescentes de poluição, especialmente do tráfego rodoviário provocado pelo aeroporto. Espera-se que em 2007 seja apresentado um pedido para construir uma segunda pista paralela em Stansted, a ser concluída em 2015. Enquanto isso, estão a caminho tentativas de por de lado as questões ambientais que envolveram a outra pista em Heathrow.

Protesto contra novo aeroporto. A oposição nacional à expansão global encarada pelo governo tem estado preocupada sobretudo com o aumentos das emissões de gases com efeito estufa, actualmente não moderado por qualquer imposto sobre o combustível de aviação. A oposição local, por sua vez, tem focado a destruição da paisagem que, a além da perda de terra agrícola, destruirá aldeias e sociedades inteiras. A oposição manifestada deixou de enfatizar que haverá insuficiente jet fuel disponível para permitir o crescimento previsto no tráfego aéreo.

O pico petrolífero e do gás

A Association for the Study of Peak Oil and Gas (ASPO) já efectuou cinco conferências internacionais nas quais tem sido apresentadas análises de peritos sobre as tendências da produção de petróleo e gás e a dimensão das reservas. A imprensa de negócios no seu conjunto preferido varrer para o lado estas descobertas.

Uma hipótese que caracteriza as reservas de combustíveis fósseis como tendo um pico de produção seguido por um declínio até que pouco reste para a sua extracção económica não é atractiva para comentadores que pretendem promover o crescimento económico.

Na sua newsletter mensal [1] a ASPO publica um gráfico da produção de petróleo e gás, o qual leva em conta descobertas anteriores, prevendo as tendências declinantes de ambos. Embora a síntese do jet fuel a partir do gás natural ou do carvão proporcione algum alívio, não há substituto potencial para a maior parte do jet fuel actualmente obtida a partir do petróleo bruto. Em qualquer caso, o gás natural e o carvão remanescentes serão requeridos para substituir em competição a miríade de produtos consumidores de energia que actualmente dependem do petróleo.

Gráfico 1.

O único outro combustível que é provável aumentar ou substituir o jet fuel derivado do petróleo é o hidrogéneo, o qual tem sido testado em motores a jacto. [2] Os problemas são

  • a fraca eficiência da produção de hidrogéneo a partir do gás natural ou pela electrólise;
  • agravada pela energia necessária para liquefazer o gás a alta pressão para armazenagem;
  • a concepção de aviões adequados.

    Além disso, a transição teria de ser universalmente aplicada pois de outra forma os aviões movidos a hidrogénio ficariam encalhados nos aeroportos onde não houvesse infraestrutura para o mesmo.

    A partir do gráfico da produção feito pela ASPO é possível estimar a quantidade de jet fuel remanescente no reservatório de combustíveis do mundo e o número de milhas aéreas que ele pode atender. Isto proporcionará uma verificação da realidade dos planos de expansão da aviação feitos pelo governo britânico.

    Jet fuel

    O jet fuel é produzido numa refinaria de petróleo. É mais leve do que o fuel oil mas mais pesado do que a gasolina e é classificado como um "destilado médio". Tipicamente, o petróleo bruto do Mar do Norte rende 37% de gasolina, 25% de diesel, 20% de querosene (jet fuel/óleo de aquecimento), 3% de GPL e 12% de fuel oil (resíduo pesado para centrais termoeléctricas). Um petróleo bruto pesado renderá uma proporção muito mais pequena de gasolina, diesel e querosene; e o maior resíduo de fuel oil exigirá novo processamento para transformá-lo em combustíveis mais leves e mais utilizáveis.

    Há uma redução no rendimento do jet fuel de 20% para 8-10% no momento em que a produção de petróleo bruto do Mar Norte está a acabar e tem de ser utilizado mais petróleo do Médio Oriente. Isto significa que a proporção de jet fuel em relação a outros produtos de refinaria é progressivamente reduzida a menos que o perfil de produtos da refinaria seja modificado através da instalação de equipamento adicional. Se mais combustível for consumido internamente, reduzindo a produção total enquanto se mantêm o rendimento do jet fuel, uma eficiência de refinaria reduzida exigirá a partir de agora uma maior proporção de petróleo do Médio Oriente a ser refinada.

    Consumo global de jet fuel


    Na Statiscal Review 2005 da BP [3] , com dados de 2004, os números referentes ao consumo de jet fuel estão obscuros por serem arrolados em estatísticas regionais para "destilados médios", os quais incluem querosene, jet fuel, diesel e óleos de aquecimento. Para obter um guia aproximado do consumo global de jet fuel, verifica-se que as linhas aéreas dos EUA consumiram 18,5 mil milhões de galões [70 mil milhões de litros] em 2004, a serem comparados com o consumo de destilados médios nos EUA de 6087 mil barris por dia no mesmo ano. Daí pode-se depreender que aproximadamente 20% da produção de destilados é constituída por jet fuel para a aviação civil.

    Os produtos petrolíferos globais elevaram a 77028 mil barris por dia em 2004, extraído de 80260 barris de petróleo bruto a uma eficiência média de refinaria de 96%. Os destilados médios totalizaram 27741 mil barris por dia e tomando 20% disto e convertendo o resultado dá um consumo de jet fuel para a aviação civil de 2,0 Gigabarris (mil milhões de barris), ou seja, 240 milhões de toneladas.

    O tráfego de passageiros previsto pela Airbus consumiria 180 milhões de toneladas em 2004, ao qual acrescenta-se o tráfego de carga a absorver outros 60 milhões de toneladas, ou 25% do total de 240 milhões de toneladas. Assim, um número de 250 milhões de toneladas, ou 2,1 Gigabarris para o transporte de carga e passageiros em 2005, parece uma estimativa razoável e que abrangerá cerca de 6,7% do volume de "todos os petróleos" de acordo com o gráfico da ASPO.

    Exigências de jet fuel da aviação civil

    Com a introdução do super-jacto de carreira Airbus A380, e de outros aviões eficientes em termos de combustível da Boeing, espera-se que a exigência de jet fuel para uma frota renovada gradualmente será reduzida em 2% ao ano, de modo que um aumento de 4,5% ao ano em tráfego de passageiros e de 5,9% no tráfego de cargas resultaria, respectivamente, num aumento de 2,5% e 3,9% no consumo anual de jet fuel. Combinando os dois isto significa um aumento exponencial na procura de combustível de 2,85% ao ano.

    Projecções da Airbus – os números [4]

    Tráfego de passageiros:
    A Airbus, fabricante europeu, prevê uma taxa anual global de crescimento do tráfego de passageiros de 4,5% a partir de 2000 a 3,2 x 10 12 passageiros-km/ano. Se sustentado isto elevar-se-ia para 12 x 10 12 passageiros-km/ano em 2030. O número acumulado de passageiros-km ao longo dos 30 anos totaliza 200 x 10 12 passageiros-km.

    Tráfego de carga:
    A Airbus prevê um aumento no tráfego de carga de 5,9% ao ano, ascendendo dos 120 x 10 9 tonelada-km em 2005 para 440 x 10 9 tonelada-km em 2023 e para 500 x 10 9 tonelada-km em 2030, totalizando 7000 x 10 9 tonelada-km.

    Assumindo:

  • uma oferta de jet fuel de 6,7% da produção de "todos os petróleos" e
  • levando em conta a crescente eficiência combustível devida à instalação progressiva de novos aviões,

    A oferta/procura de jet fuel pode ser plotada no gráfico abaixo:

    Gráfico 2.

    Ao longo dos primeiros 25 anos, com uma taxa de crescimento exponencial de 2,85%, o consumo de jet fuel ascende de 250 milhões de toneladas em 2005 para 500 milhões de toneladas/anos, isto é, apenas duplicou devido às melhorias previstas na eficiência do uso do combustível, ao passo que o tráfego aéreo triplicou.

    Isto equivale a um consumo nos 11 anos, desde 2005 a 2015, de 2930 milhões de toneladas ou 23 Gigabarris de jet fuel e nos 25 anos até e incluindo 2030 de 10375 milhões de toneladas ou 81 Gb de jet fuel. (uma tonelada de jet fuel tem um volume de cerca de 7,8 barris)

    Disponibilidade de jet fuel

    Retornando ao gráfico da ASPO:

  • em 2015 a produção de "todos os petróleos" caiu de um pico em 2010 de 33 Gb para 31 Gb;
  • em 2015 a projectada exigência de jet fuel será de 2,6 Gb, a qual é uma porcentagem atingível de 8,4% da produção petrolífera global.

    Mas em 2030 a produção petrolífera terá caído para 23,5 Gb, ao passo que a necessidade de jet fuel terá ascendido a 3,9 Gb ou 17% da produção total de petróleo.

    A procura por outros produtos petrolíferos tornará impossível que 17% da produção de petróleo seja destinada ao jet fuel.

    Uma taxa de crescimento exponencial de 4,5% no tráfego de passageiros e de 5,9% no tráfego de carga (de acordo com as previsões da Airbus) exigiria, mesmo com a eficiências no uso do combustível apregoadas, uma quantidade de jet fuel impossível de conseguir.

    Pistas de aviação

    Isto, com efeito, significa que ao longo dos 25 anos que vão até 2030, apenas cerca de 60% das expectativa do mercado de passageiros e 45% do de carga poderá ser cumprida, embora o défice de combustível venha a ser mais evidente mais no fim deste período. Bem atenção disto serão canceladas encomendas de aviões e as acrescidas eficiências de combustível que se prevê não poderão ser realizadas pois a proporção de aviões velhos ascenderá, exacerbando a escassez de combustível.

    As previsões do Departamento de Transportes do Reino Unido e da Airbus não consideram as implicações do recurso combustível inerentes às sua projectada expansão do tráfego aéreo. Este factor não considerado determina que o crescimento encarado do tráfego não pode ser realizado pois a produção de jet fuel será incapaz de atender à procura. Quanto mais alta a taxa de esgotamento das reservas limitadas de petróleo, mais cedo se dará o colapso do negócio da viagem aérea.

    A construção de pistas adicionais a fim de satisfazer um crescimento percepcionado nas viagens aéreas de passageiros levanta expectativas que não podem ser cumpridas. As pistas em Stansted e Heathrow, se chegarem a ser construídas, servirão como parqueamento de montes de aviões desnecessários.

    O dobre de finados da indústria da aviação comercial será assinalado pela aterragem progressiva das frotas aéreas, pois uma redução na oferta de jet fuel será o primeiro indicador do fim da era do petróleo.

    Os fabricantes de aviões

    A indústria aeronáutica é dominada por dois gigante, a Boeing [5] e a Airbus [6] . Se isto é claro para aqueles mais afectados pelo esgotamento do petróleo, haverá sinais de preocupação no seu planeamento?

    A Boeing tomou a primeira iniciativa ao reduzir a sua dependência da fabricação de aviões comerciais em favor de 'sistemas de defesa integrados'. Em 1993 a fabricação de aviões comerciais da Boeing compreendia 80% do movimento de vendas e os sistema de defesa integrados 20%. Em 2005 isto mudou para 41% e 59% respectivamente. A diversificação foi alcançada principalmente pela aquisição de companhias fornecedoras da defesa. As prioridades nacionais sempre assegurarão que o equipamento de defesa seja adequadamente escoado, de modo que a mudança de ênfase protege o negócio da Boeing contra a morte inevitável do sector da aviação comercial.

    Uma política semelhante foi adoptada com atraso pela BAe do Reino Unido, a qual recentemente vendeu a sua participação na Airbus à companhia holding, o Grupo EADS, e pretende concentrar-se nos sistemas de defesa.

    Os governos são compradores de último recurso e tenderão a apoiar os seus fornecedores "no interesse nacional" em tempos de dificuldade económica. Isto não significa que a Boeing não continuará a competir com a Airbus pelos restos do negócio da aviação comercial, enquanto a Airbus mantém os seus pedidos de subsídios dos países hospedeiros a fim de assegurar empregos e desenvolver o novo avião.

    A miopia da Airbus é demonstrada pela incorporação de uma proporção cada vez maior de compósitos de fibra de carbono na concepção dos seus componentes, incluindo mesmo as asas. As fibras e as resinas que compreendem os compósitos são essencialmente produtos petroquímicos. Assim, embora possam colaborar na melhoria da eficiência no uso do combustível, em primeira instância isto será uma utilização acrescida de petróleo.

    A política de transporte do Reino Unido

    Além das planeadas expansões de aeroportos e pistas, satisfazer a necessidade de controle de um tráfego aéreo três vezes maior que o actual significa que novos corredores de voo (flightpaths) e áreas de "amontoamento" ("stacking" areas) sobre a Grã-Bretanha estão a ser planeados. Mesmo que se pense que haverá mais tráfego aéreo, as implicações para a mudança climática são suavizadas pelas apregoadas melhoria da eficiência no uso do combustível. Mas ainda que as previstas melhorias de eficiência amadurecessem, a triplicação no aumento do tráfego produziria o dobro das actuais emissões.

    Felizmente o clima e o impacto sobre a nossa vizinhança será finalmente aliviado pelo enterro catastrófico da indústria, mas o efeito sobre economias locais, temporariamente impulsionadas pelas expectativas de crescimento, será igualmente catastrófico.

    Considerações sobre o pico petrolífero

    O conceito de pico petrolífero, ou o pico de qualquer coisa, não tem conseguido entrar na mentalidade do governo e da indústria. Documentos apresentados em cinco conferências internacionais da ASPO não encontraram ressonância nos media, nos jornais industriais ou nos ministérios. O comércio de carbono está baseado em fornecer créditos a emissores baixos obtidos por impostos sobre emissores elevados. Há uma falha em entender que quando a produção de combustíveis fósseis atenuar, da mesma forma o farão a combustão dos mesmos e a quantidade de emissões que carbono às quais poderia ser cobrado o imposto.

    Os produtores de electricidade convencional, por exemplo, serão confrontados com preços mais elevados do combustível e exigências de tributos a serem pagos aos seus competidores, ao mesmo tempo que terão dificuldade em obter os fornecimentos do combustível. Quando a produção de combustíveis fósseis declina, da mesma forma declinará a capacidade para proporcionar os créditos que rendem as fontes de energia renováveis e os produtores nucleares erradamente afirmarão que eles também merecem tais créditos.

    Picos na produção de gás e de carvão seguir-se-ão em 2020 e 2040-50 respectivamente, de modo que o primeiro impacto na percepção do público da vinda da crise será o declínio rápido do transporte aéreo e rodoviário, o que no caso do aéreo depende totalmente do petróleo e virtualmente o mesmo no caso do rodoviário.

    Deve-se lamentar que pareça impossível para políticos, homens de negócios e economistas apreenderem as consequências do esgotamento dos combustíveis fósseis. Os "peak oilers" têm de se esforçar mais.

    27/Março/2007

    Notas
    [1] Os gráficos actualizados aparecem em ficheiros PDF, todos os meses. O mais recente pode ser encontrado em
    http://www.peakoil.ie/newsletter/en/pdf/newsletter75_200703.pdf ou na ASPO http://www.aspo-ireland.org
    [2] Cryoplane: http:// www.haw-hamburg.de/pers/Scholz/dglr/hh/text_2001_12_06_Cryoplane.pdf
    [3] BP Statistical Reviews
    [4] Airbus Global Market Forecast 2001-2020
    [5] Boeing annual reports
    [6] http://www.airbus.com
    A notícia "Revelado novo plano para corredor aéreo britânico" pode ser encontrada em http://www.timesonline.co.uk/tol/news/uk/article1364880.ece


    Assine a petição on line para impedir a construção de qualquer novo aeroporto em Portugal:
    http://www.PetitionOnline.com/naoaerop/petition.html

    Ver também:
  • Peak Oil: A crise global que se aproxima e o declínio da aviação , de Alex Kuhlman.
  • Esgotamento do petróleo, tráfego aéreo e construção de novos aeroportos , de John Busby.
  • O Novo Aeroporto de Lisboa e a escassez de petróleo , de Demétrio Carlos Alves.

    O original encontra-se em
    sandersresearch.com/index.php?option=com_content&task=view&id=1168&Itemid=105
    Tradução de JF.


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 16/Abr/07