O monstro eléctrico ao vivo
por Clemente Pedro Nunes
[*]
Para promover politicamente a produção de electricidade a partir
de fontes renováveis intermitentes, foram criadas as
feed-in tariffs,
que garantem por lei duas vantagens fundamentais aos produtores de
electricidade de origem eólica: dão um preço
garantido
muito acima do preço de mercado e asseguram esse preço mesmo que
não haja consumo no momento da produção; dão
prioridade absoluta à energia eólica, produzida de forma
intermitente, em termos de entrada na rede.
Ora, tendo sido instalados em Portugal mais de 5600 MW de potência
eólica ao abrigo das
feed-in tariffs
e sendo a respectiva produção altamente instável (sendo
esta proporcional ao cubo da velocidade do vento, basta que se verifiquem
pequenas oscilações na respectiva velocidade para que se registem
variações de potência que podem atingir os milhares de MW),
o sistema eléctrico português, para evitar apagões nos
períodos de pouco vento, tem de dispor de centrais térmicas com
capacidade de produção dessa mesma ordem de grandeza e que
estão lá apenas para funcionar quando não há vento.
Mais: como nas horas de vazio o consumo é de 3900 MW, muito inferior aos
5600 MW de potência eólica já instalada, o sistema fica
altamente excedentário se houver vento, mesmo que, por mera
hipótese teórica, se pudessem desligar todas as centrais a
carvão e a gás natural e mesmo todas as centrais a biomassa e
todas as hidroeléctricas.
Ou seja, com o sistema existente os consumidores são obrigados, neste
caso, a pagar mais de 100 euros/MWh de electricidade eólica para depois
a vender a Espanha, muitas vezes a menos de 10 euros/MWh! Além disso,
têm ainda de pagar os custos fixos das centrais térmicas que
apenas servem para suprir a falta de vento. É o monstro eléctrico
na sua plenitude.
Nada melhor para ilustrar esta situação do que analisar o que se
passou em Portugal nos dias 9 e 10 de Maio deste ano.
E escolheram-se estes dias como
case study
porque foram anunciados pelas associações de produtores
eólicos como um sucesso de produção renovável
intermitente.
Consultando os
dados oficiais da REN
, vejamos o que se passou neste período. A produção
eléctrica renovável foi
francamente excedentária nos dias 9 e 10 de Maio, o que significa que os
consumidores estiveram a pagar 100 euros/MWh, graças às
feed-in tariffs,
para, depois, parte desta electricidade ser vendida a Espanha por menos de 10
euros/MWh!
Apesar do excesso renovável neste período, a Central de
Carvão de Sines arrancou às 6h da manhã de 9 de Maio e
manteve-se sempre a funcionar até à meia-noite de 10 de Maio,
provavelmente como precaução para eventuais
oscilações da produção eólica. E o
extraordinário é que entre as 00h e as 8h da manhã de 10
de Maio a Central de Sines injectou na rede muito menos do que o mínimo
técnico, nalgumas horas menos de 100 MW de potência, ou seja, a
central funcionou de forma extremamente ineficiente, pelo que se registou um
desperdício de energia e uma emissão desnecessária de CO2.
Além disso, a Central a gás natural da Tapada do Outeiro arrancou
às 10h da manhã de 9 de Maio para parar às 22h desse mesmo
dia, para voltar a arrancar pelas 17h de 10 de Maio e voltar de novo a encerrar
pelas 23h desse mesmo dia de 10 de Maio ou seja, esta central em menos
de 48 horas tem dois arranques e duas paragens! É difícil
imaginar uma situação de menor eficiência energética
e, simultaneamente, de maior desgaste dos equipamentos!
Este exemplo do resultado prático da aplicação das
feed-in tariffs
às eólicas intermitentes em Portugal revela bem as razões
tecnológicas e sistémicas pela qual a dívida
tarifária teima em não descer e se encontra actualmente nos 5200
milhões de euros.
"CAPITALISMO DECRETINO"
Pode-se dizer que o sistema das
feed-in tariffs
é o apogeu do "capitalismo decretino", aquele cujo sucesso se
baseia nos decretos-lei que o protegem.
Por isso se aguarda com expectativa o que o BE e o PCP irão fazer, agora
que fazem parte da solução governativa, para resolver este
problema que pesa fortemente nos orçamentos das famílias e muito
prejudica a competitividade das empresas portuguesas e, portanto, a
criação de empregos.
Esta situação é tanto mais significativa quanto em Espanha
o Governo de Mariano Rajoy disciplinou já o regime das
feed-in tariffs,
protegendo os consumidores e resolvendo o problema da dívida
tarifária.
22/Novembro/2016
[*]
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico, Universidade
de Lisboa
O original encontra-se em
O Público
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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