O ocaso da era do petróleo
Vários acontecimentos recentes, tais como os persistentes altos
preços da gasolina, avisos sem precedentes da Secretaria da Energia e
das grandes companhias petrolíferas, a breve pretensão da China
em relação à American Unocal Corporation, sugerem que
estamos a ponto de entrar
no
Ocaso da era do petróleo,
uma época de escassez crónica de energia e estancamento
económico, assim como de crises e conflitos constantes. O
petróleo não desaparecerá durante este período,
ainda estará disponível no posto de gasolina mais próximo
para aqueles que puderem pagá-lo, mas não será barato nem
abundante como foi durante os últimos 30 anos. A cultura e o estilo de
vida que associamos com os bons tempos da Era do petróleo,
automóveis grandes e SUVs que bebem muita gasolina, extensos bairros
suburbanos, grandes centros comerciais, férias a conduzir através
do campo, etc, deixarão lugar para um modelo de vida mais sóbrio
baseado numa rigorosa dieta de gasolina. Se bem que os norte-americanos
continuarão a consumir uma proporção diária do
petróleo mundial muito maior que os outros, terão que competir
fortemente com os consumidores de outros países, incluindo a
China e a Índia, para ter acesso ao abastecimento cada vez mais escasso.
O conceito de "ocaso" do petróleo deriva daquilo que se
conhece quanto à equação da oferta e da procura mundial.
Os peritos em energia há muito que reconheceram que a
produção mundial de petróleo chegará algum dia a um
momento máximo (o "pico") de produção
diária, seguido de uma queda cada vez mais brusca de fornecimento. Mas
enquanto o conceito básico de pico de produção ganhou uma
aceitação mundial significativa, ainda existe muita
confusão
acerca do seu carácter real. Muita gente que manifesta familiaridade com
o conceito tende a ver o pico de produção como um pináculo
definido, com uma produção mundial a crescer até um cume
num mês, caindo bruscamente no seguinte; e se voltarmos o olhar uns cem
anos para trás, as coisas podem parecer assim. Mas para aqueles de
nós que estão neste momento do tempo, experimentaremos esse pico
de produção como algo mais parecido a um patamar rochoso, um
período de tempo amplo, talvez várias décadas, durante o
qual a produção de petróleo mundial permanecerá
nos mesmo níveis actuais ou semelhantes, mas que não
conseguirá a elevada produção considerada
necessária para satisfazer as futuras procuras mundiais. Os resultados
serão altos preços permanentes, intensa competição
internacional pelos fornecimentos disponíveis, e escassez
periódica provocada por tensões políticas e sociais nos
países produtores.
A ERA DO PETRÓLEO FÁCIL TERMINOU
O ocaso da era do petróleo, como o denominei, é muito
provável que se caracterize por uma crescente politização
da política do petróleo e pelo constante uso da força
militar para ganhar o controle dos fornecimentos disponíveis. Isto
é assim porque o petróleo, entre todas as matérias-primas
comerciais, é considerado como um material estratégico; algo
tão vital para o bem estar da economia de uma nação que se
justifica o uso da força para assegurar sua disponibilidade. Que os
países estejam preparados para ir à guerra pelo petróleo
não é um fenómeno propriamente novo. Conseguir
petróleo estrangeiro foi um factor significativo na Segunda Guerra
Mundial e na Guerra do Golfo de 1991, para dar dois exemplos; mas é
provável que cada vez mais chegue a fazer parte do nosso mundo num
período de crescente competição e diminuição
do abastecimento.
Esta nova era não começará com um único incidente
bem definido e sim, antes, com uma série de acontecimentos que
sugerirão a transição de um período de relativa
abundância para um período de perpétua escassez. Estes
acontecimentos tomarão uma forma tanto política como
económica: por um lado, o aumento dos preços da energia e
fornecimentos contratados, e por outro, mais crises diplomáticas e de
forças militares. Recentemente fomos testemunhas de exemplos
significativos de ambas.
No aspecto económico, os sinais mais importantes foram dados pelo
crescente preço do petróleo bruto e pelos avisos da
diminuição da produção no futuro. O barril do
bruto custa agora pouco mais de US$ 60, aproximadamente o dobro do que custava
há um ano, e muitos peritos acreditam que o preço subirá
muito mais se a situação do abastecimento continuar a
deteriorar-se. "Entrámos numa nova era dos preços do
petróleo", disse o perito em energia Daniel Yergin numa entrevista
em Abril à revista
Time
.
Se os mercados permanecem tão ajustados como na actualidade,
"veremos muito mais volatilidade, e poderemos ver os preços subirem
até US$ 65 ou US$ 80".
Os
analistas da Goldman Sachs
são até mais pessimistas, sugerindo que o petróleo pode
chegar a um preço de até US$ 105 por barril num futuro
próximo. "Acreditamos que o mercado do petróleo entrou nas
primeiras etapas do que chamamos o período do super-pico",
informaram em Abril, com preços elevados mantendo-se por um
período de tempo de vários anos.
Naturalmente, anteriormente o mundo já experimentara vários picos
de preços, o mais notável em 1973-74 após a Guerra de
Outubro entre o Egipto e Israel e o embargo do petróleo árabe,
bem como em 1979-80 após a Revolução Iraniana, mas agora
é mais provável que os preços altos se mantenham
indefinidamente do que baixem como no passado. Isto é assim porque a
nova produção (em lugares como o Mar Cáspio e na Costa
Ocidental Africana) não chega suficientemente rápida ou com a
força suficiente para compensar a diminuição da
produção de poços mais velhos como os da América do
Norte ou do Mar do Norte. Além disso, é cada vez mais
evidente que produtores incondicionais como a Rússia ou a Arábia
Saudita esgotaram muitos dos seus poços mais prolíficos e
já não são capazes de aumentar a
produção de maneira significativa.
Até há pouco, considerava-se uma heresia que dirigentes da
indústria petrolífera ou corpos governamentais como Departamento
de Energia dos EUA reconhecessem a possibilidade de uma redução a
curto prazo dos fornecimentos de petróleo. Mas vários
acontecimentos recentes assinalam a ruptura do consenso dominante.
A 8 de Julho, o secretário da Energia, Samuel Bodman, declarou a
repórteres do diário
Christian Science Monitor
que a era do petróleo barato e abundante podia ter terminado.
"Pela primeira vez na minha vida", declarou, "os principais
fornecedores de petróleo, como a Arábia Saudita, estão
exactamente no limite quanto à sua capacidade para satisfazer a
crescente procura mundial de energia". Apesar do grande aumento na
procura internacional, destacou Bodman, "os mais importantes produtores do
mundo não são capazes de aumentar substancialmente sua
produção, e por isso deveríamos esperar uma
tendência para a alta nos preços das gasolina".
"Estamos perante uma nova situação", declarou.
"É muito provável que pelo menos num prazo curto tenhamos que
enfrentar um regime de preços diferente do que temos visto até
agora".
Uma semana mais tarde, o gigante petrolífero
Chevron
publicou um anúncio no
New York Times,
no
Wall Street Journal
e em outras publicações importantes para assinalar a sua
preocupação com o iminente aperto energético.
"Uma coisa é clara", dizia o anúncio, "a era do
petróleo fácil terminou". Isto foi uma admissão
extraordinária feita por uma importante companhia petrolífera. O
anúncio continuava dizendo "que muitos dos poços de
gás e de petróleo do mundo amadureceram" e que "novos
descobrimentos de energia estão ocorrendo em lugares onde é
difícil a extracção, fisicamente, economicamente e
inclusive politicamente". De forma igualmente reveladora, o
anúncio indicava que o mundo consumirá aproximadamente um
trilião de barris durante os próximos 30 anos, tanto
petróleo por explorar como o que se crê que jaz nas reservas
mundiais conhecidas e "provadas".
A ONDA EXPANSIVA DO PETRÓLEO
Estes e outros relatórios recentes de fontes comerciais e industriais
sugerem que a redução antecipada da produção
mundial de petróleo terá graves consequências
económicas. Se os preços subirem até US$ 100 por barril,
como sugeria a Goldman Sachs, uma recessão económica mundial
é quase inevitável. Ao mesmo tempo, uma diminuição
da produção terá seguramente consequências
políticas e militares significativas, como sugeriram outros
acontecimentos recentes.
O mais notável deles, naturalmente, foi o grande alvoroço
provocado pela oferta de 18,5 mil milhões de dólares por parte da
Chinese National Offshore Oil Corporation (CNOOC)
para a aquisição da Unocal, companhia com base nos EUA que
anteriormente era conhecida como Union Oil Company of California. A Unocal
é proprietária de substanciais reservas de petróleo e
gás na Ásia e fora originalmente cortejada pela Chevron que havia
oferecido 16,5 mil milhões de dólares pela mesma em
princípios deste ano. O facto de uma empresa chinesa estar preparada
para fazer uma oferta mais alta do que uma poderosa firma norte-americana para
controlar uma importante companhia petrolífera com base nos EUA é
imensamente significativo em termos puramente económicos.
Uma vez
abandonada pelos chineses
, devido à feroz oposição política
norte-americana. O facto é que se a transação se houvesse
consumado teria representado a maior já feita por uma companhia chinesa
nos EUA. Mas a oferta desencadeou um intenso debate político e a
resistência de Washington devido aos laços que unem a CNOOC ao
governo chinês (pertence ao estado em 70%) e porque a principal
matéria-prima implicada, o petróleo, é considerado vital
para a economia estadunidense e não tão abundante como se supunha
a princípio. Temendo que a China ganhasse o controle sobre valiosas
fontes de petróleo e gás que alguma dia seriam
necessários para os EUA ou para aliados asiáticos,
políticos conservadores
procuraram bloquear a aquisição da Unocal por parte da COONC
transformando o assunto em caso de segurança nacional.
"Isto é um assunto de segurança nacional", disse o
antigo director da CIA R. James Woolsey
quando testemunhou perante o Comité de Defesa do Senado em Julho
último. A China está a seguir uma estratégia nacional de
dominação dos mercados energéticos e domínio
estratégico do oeste do Pacífico, uma estratégia,
argumentou, que poderia ser reforçada de maneira muito importante com a
aquisição da Unocal por parte da COONC. Vista desta perspectiva,
a oferta da CNOOC foi considerada uma ameaça aos interesses de
segurança dos EUA e por isso podia ter sido bloqueada pelo Congresso ou
pelo Presidente.
A ideia de bloquear uma transação mercantil de um importante
associado do comércio exterior dos EUA choca-se com a doutrina
económica reinante do livre comércio e da
globalização. Entretanto, ao invocar considerações
de segurança nacional, o presidente recebe o poder de proibir a
aquisição de uma companhia estadunidense de acordo com o Acto de
Produção de Defesa de 1950, uma medida da Guerra Fria concebida
para impedir a transferência de tecnologias avançadas para a
União Soviética e os seus aliados. Isto é precisamente o
que se propunha a fazer a grande maioria da Câmara dos Representantes. A
30 de Junho, a Câmara adoptou uma resolução declarando que
a absorção da Unocal por parte da CNOOC podia "prejudicar a
segurança nacional dos EUA" e por esta razão devia ser
proibida pelo Presidente nos termos da lei de 1950. Esta perspectiva chegou a
projecto de lei de diversos assuntos de energia adoptados pelo Congresso antes
das férias de verão. Citando aspectos potenciais de
segurança nacional nesta matéria, o projecto de lei impunha uma
revisão federal obrigatória de 120 dias da oferta da CNOOC,
assegurando efectivamente a sua liquidação.
Mais evidência da crescente amálgama de temas dentre energia e
política de segurança nacional pode ser encontrada no
Relatório de 2005 do Pentágono
sobre o poder militar chinês, emitido em 20 de Julho. Enquanto em anos
anteriores este relatório centrava-se principalmente na aparente
ameaça da China contra a ilha de Formosa, a edição deste
ano presta muito mais atenção às implicações
militares da crescente dependência da China em petróleo e
gás natural importados. "Esta dependência de recursos e
energia estrangeiros... está a desempenhar um importante papel na
configuração da estratégia e da política
chinesa", salienta o relatório. "Tais
preocupações são um factor importante nas
relações de Pequim com Angola, Ásia Central,
Indonésia e Médio Oriente (incluindo Irão), Rússia,
Sudão e Venezuela... A crença de Pequim de que necessita estas
relações especiais para assegurar o seu acesso à energia
poderia configurar sua estratégia defensiva e planificação
de força no futuro".
A versão desclassificada do relatório do Pentágono
não explica que passos daria Washington em resposta a estes
acontecimentos, mas as implicações são óbvias. Os
EUA têm que reforçar o seu próprio exército em
regiões chave produtoras de petróleo para afastar qualquer
intenção da China de domínio ou controle destas
áreas.
A seriedade com que os políticos vêm esta evolução
dos acontecimentos relacionados com a energia revela-se ainda mais em outro
facto recente: O primeiro "jogo de guerra" de alto nível
baseado numa crise de petróleo no estrangeiro. Conhecido como
"Onda de choque petrolífero"
,
("Oil Shockwave"),
este extraordinário exercício foi presidido pelos senadores
Richard Lugar de Indiana e Joe Lieberman de Connecticut e contou com a
participação de figuras proeminentes, como o antigo director da
CIA Robert M. Gates, o antigo comandante geral do Exército P. X. Kelley
e o antigo conselheiro de economia nacional Gene B. Sperling. Segundo os seus
patrocinadores, o jogo destina-se a determinar que passos os EUA
adoptariam para mitigar o impacto de uma interrupção de envio
e de produção estrangeiros, como pode ocorrer devido a uma guerra
civil na Nigéria ou a um aumento do terrorismo na Arábia Saudita.
A resposta: "praticamente nada". "Uma vez interrompido
o
fornecimento de petróleo", concluíram os participantes,
"há muito pouco que possa ser feito num prazo curto para proteger a
economia dos EUA do seu impacto, incluindo preços de gasolina superiores
a 5 dólares por galão (3,78 litros) e uma aguda pioria no
crescimento económico, que potencialmente implica uma
recessão".
Não surpreende pois que o resultado deste exercício tenha
produzido um grande alarme entre os participantes. "A
simulação serve como um aviso claro de que inclusive uma
redução relativamente pequena no fornecimento de petróleo
resultaria em tremendos problemas de segurança nacional e
económicos para o país", disse Robbie Diamond de Assegurando
o Futuro Energético da América
(Securing America's Energy Future),
um dos principais patrocinadores do evento. "Este tema merece
atenção imediata".
ENTRANDO NA ERA DAS GUERRAS POR RECURSOS
Pelo que se conhece do exercício "Onda de choque
petrolífero", ele não considerava o uso da força
militar para enfrentar os acontecimentos imaginados. Mas se a história
recente é uma indicação, esta seguramente será a
opção que os políticos dos EUA contemplarão no caso
de uma crise real.
De facto é uma política oficial dos EUA, consagrada na
"Doutrina Carter" de 23 de Janeiro de 1980, usar a força
militar quando for necessário resistir a qualquer ataque hostil que
impeça o fluxo de petróleo do Médio Oriente.
Este princípio foi invocado pela primeira vez pelo presidente Reagan a
fim de permitir a protecção de petroleiros kuwaitianos por
forças dos EUA durante a Guerra Irão-Iraque de 1980-88 e pelo
presidente Bush pai para autorizar a protecção da Arábia
Saudita por forças dos EUA durante a primeira Guerra do Golfo de
1990-91. No mesmo princípio básico repousa o embargo militar e
económico ao Iraque desde 1991 até 2003, e quando esta postura
não alcança os resultados previstos de uma "mudança
de regime", utilizam a força militar para provocá-lo.
Uma dependência semelhante na força seria indubitavelmente o
resultado de pelo menos um dos acontecimentos chave imaginados no
exercício da "Onda de choque do pico petrolífero":
ataques terroristas na Arábia Saudita que levem a uma
evacuação maciça de trabalhadores estrangeiros dos campos
de petróleo e a uma paralisação da produção
saudita. É inconcebível que Bush ou o seu sucessor se abstenham
de usar a força militar nessa situação, tendo em conta a
presença histórica de tropas dos EUA dentro do país e em
particular em torno dos campos petrolíferos sauditas.
Ao determinar o cenário para a sua crise simulada, a "Onda de
choque do pico petrolífero" identificou uma série de
condições que proporcionam uma antecipação viva do
que podemos esperar durante o Ocaso da era do petróleo:
Preço do barril de petróleo que exceda os US$ 150
Preços da gasolina de US$ 5 por galão ou superiores.
Uma subida do índice de preços no consumidor de mais de uns
12%.
Uma longa recessão.
Uma baixa de mais de 25% no índice de bolsa Standard & Poor 500
Uma crise com a China acerca de Formosa.
Uma tensão crescente com a Arábia Saudita sobre a
política dos EUA para com Israel.
Não se pode prever neste momento que experimentemos ou não estas
condições precisas, o que é incontestável é
que uma redução da produção mundial de
petróleo produzirá cada vez mais acontecimentos graves desta
classe e, num mundo mais tenso e desesperado, quase com certeza existirá
a ameaça de guerras por recursos de todas as classes. Esta não
será uma situação temporária da qual possamos
esperar recuperar-nos rapidamente. Será um estado de coisas
semi-permanente.
Finalmente, é claro, a produção mundial de petróleo
não estará simplesmente estancada como no Ocaso da Era do
Petróleo, começará sim um declínio gradual e
irreversível que conduzirá ao fim da Era do Petróleo. O
difícil e perigoso que possa resultar esta Era, e a rapidez que
chegará ao seu fim dependerá de um factor chave: A rapidez com
que comecemos a reduzir nossa dependência do petróleo como
principal fonte de energia e comecemos a transição rumo a
combustíveis alternativos. Esta transição não se
pode evitar, ela chegará estejamos ou não preparados para ela. A
única maneira que temos de evitar suas consequências mais
dolorosas é começar rapidamente a lançar as bases de uma
economia pós-petróleo.
05/Ago/05
[*]
Catedrático de Estudos sobre Paz e
Segurança Mundial no Colégio Hampshire e autor de
Blood and Oil: The Dangers and Consequences of America's Growing Dependence on Imported Petroleum
(Owl Books) bem como
Resource Wars, The New Landscape of Global Conflict
.
O original em inglês encontra-se em
http://www.zmag.org/content/showarticle.cfm?ItemID=8454
, a tradução em castelhano em
http://www.zmag.org/spanish/0905klare.htm
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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