Acicatado pelo Pico Petrolífero
Num recente comentário em UBC Reports (
A Peek Past Peak Oil,
06/Abril/2006, em
www.publicaffairs.ubc.ca/ubcreports/2006/06apr06/peakoil.html
), o Professor Dowlatabati declarou que atingir o pico da
produção de
petróleo convencional
(Peak Oil)
simplesmente marcará outra
encruzilhada energética que será caracterizada por uma
transição ininterrupta para fontes de petróleo não
convencionais. Uma abundância de oferta será desenvolvida e os
preços retrocederão em direcção ao custo marginal
de produção das areias petrolíferas e do carvão,
que se diz estar dentro da amplitude dos US$ 20 a US$ 40 por barril. Na minha
visão, esta previsão pode ser prontamente refutada simplesmente
com análises feitas "nas costas de um envelope" e considero
que a futura realidade será muito diferente. Mais provavelmente
estaremos a enfrentar uma escassez substancial da oferta de petróleo
dentro de uma década.
"O pico da produção mundial de petróleo apresenta aos
EUA e ao mundo um problema de administração de risco sem
precedentes". "O pico criará um grave problema de
combustíveis líquidos para o sector dos transportes".
"A mitigação exigirá um esforço intenso ao
longo de décadas". Estas são apenas algumas das
conclusões contidas num relatório de 2005 do Departamento da
Energia dos EUA intitulado
Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation, and Risk Management,
de Robert L. Hirsch
[1]
. O relatório Hirsch não estabeleceu explicitamente o
timing
do pico, mas concluiu que um programa drástico de
mitigação iniciado 20 anos antes do pico "daria a
possibilidade de evitar uma escassez mundial de combustíveis
líquidos". Trata-se, antes, de conclusões fortes que exigem
consideração séria.
Infelizmente, nenhum país industrializado (excepto talvez a
Suécia) iniciou ainda um programa sério de
mitigação, nem tão pouco parece que tenhamos algo como 20
anos de tempo para nos prepararmos para o pico da produção
petrolífera. Em Março de 1998, Colin Campbell e Jean
Laherrère publicaram o seu artigo de referência
The End of Cheap
Oil
[2]
e concluíram que "a produção global de
petróleo convencional começará a declinar mais cedo do que
a maior parte das pessoas pensam, provavelmente dentro de 10 anos". A sua
previsão parece que vai directamente ao assunto. Hoje, os preços
de referência do petróleo bruto estão a aproximar-se dos
US$ 75 por barril, próximo da sua altura histórica, corrigida da
inflação, de US$ 80 em 1980. A procura global está a
superar a oferta.
Como parte do esforço para chegar às minhas próprias
conclusões acerca da validade do Peak Oil, eu, tal como outros,
analisámos os dados da produção global de petróleo
utilizando o "modelo da curva logística" desenvolvido pelo
geólogo Dr. M. King Hubbert, do famoso Pico de Hubbert, que em 1956
previu correctamente para cerca de 1970 o pico da produção
petrolífera nos 48 estados americanos. Aplicado à
produção global, o modelo de Hubbert indica um pico
teórico no ano de 2008, considerando uns poucos anos antes e depois. De
acordo com esta análise, já atingimos o Pico de Hubbert.
Com base no modelo de Hubbert, prevê-se que a oferta total actual de
cerca de 85 milhões de barris por dia permanece mais ou menos constante
até cerca de 2012, e a partir daí decline a uma taxa de cerca de
2% ao ano. Nesse ínterim, a procura global por petróleo
está a crescer a uma taxa anual da ordem dos 2%. E aí é
que são elas. Enquanto a oferta de petróleo convencional parece
horizontal
(flat)
e pode em breve começar a declinar, a procura por combustíveis
líquidos continua a crescer. Isto significa que por volta de 2015
poderíamos estar a enfrentar uma escassez global de uns 22
milhões de barris por dia, o que representa o fosso entre a procura
global e a oferta de petróleo convencional. Para colocar isto em
perspectiva, um défice de 22 milhões de barris por dia seria
maior do que o actual consumo de petróleo dos EUA.
A questão: poderá a produção de fontes não
convencionais tais como as areias betuminosas de Alberta ou os
combustíveis sintéticos que utilizam a tecnologia
carvão-para-líquidos (coal-to-liquids, CTL) aumentar para algo
que cheque a aproximar-se do défice da oferta de 22 milhões de
barris por dia em 2015? A resposta parece ser um rotundo não. De
maneira nenhuma. A previsão de aumento da produção das
areias betuminosas de Alberta na década até 2015 é de um
acréscimo de 1,7 milhão de barris por dia
[3]
. Apesar de isto ser um número considerável (e um grande
negócio para Alberta), ele representa apenas cerca de 8% da escassez
projectada. A possível contribuição dos CTL é mais
difícil de determinar porque actualmente poucos projectos à
escala mundial. A companhia petroquímica sul-africana Sasol actualmente
opera as únicas fábricas de CTL em escala comercial do mundo e
produz 150 mil barris por dia de combustível sintético. Com
vastas reservas de carvão, a China está a insistir agressivamente
em projectos CTL em parceria com companhias ocidentais que incluem a Sasol.
Mesmo assim, prevê-se que a produção total CTL na China
cresça para apenas 100 mil barris por dia em 2010 e a seguir para 600
mil barris por dia em 2020
[4]
. Nos EUA, um pequeno projecto de carvão-para-diesel, de 5000 barris
por dia, foi anunciado recentemente
[5]
, o primeiro da América do Norte. Assim, com base nos projectos
actualmente listados, na melhor das hipóteses as areias betuminosas de
Alberta e o CTL podem render talvez uns 3 milhões de barris por dia em
2014, deixando-nos um défice de 19 milhões de barris por dia.
Hirsch
[1]
considerou o gas-to-liquids e a recuperação de petróleo
avançada, bem como a oferta não convencional, e concluiu que sob
um programa drástico concertado talvez 12 milhões de barris por
dia de nova oferta pudessem ser desenvolvidos dentro de 10 anos. Isto ainda
representa apenas um pouco mais do que a metade do défice projectado.
Assim, onde é que isto nos deixa? Ainda há uma descrença
generalizada ou uma subestimação da importância real do
Pico Petrolífero. Fico com a conclusão inevitável de que
se a oferta global total de petróleo atingir o pico em algum momento
entre hoje e cerca de 2010, nenhuma combinação de fontes
não convencionais será suficiente para compensar o
declínio futuro e muito menos para continuar a crescer a oferta.
Obviamente, o crescimento projectado da procura não será
realizado, e a procura será trazida de volta ao equilíbrio com a
oferta primária através de preços mais elevados.
Quão elevados serão os preços? Porque o preço
é agora determinado pelas forças do mercado e pela dinâmica
da oferta e procura, não pelos custos marginais de
produção, não temos mais as ferramentas para prever o
preço. Estou a apostar que provavelmente veremos US$ 199 por barril bem
antes de 2015, e poderíamos muito bem ver tal preço a qualquer
momento diante mesmo de um distúrbio geopolítico na oferta.
Os "peak oilers" são tipicamente caracterizados como um grupo
pessimista de "profetas da desgraça". Se bem que possa haver
alguma verdade nisto, acredito que muita oportunidade e razões para
optimismo. Ao invés de focar apenas sobre o que considero tentativas
fúteis e custosas de continuar a aumentar a oferta de
combustíveis líquidos, os esforços deveriam ser
redirigidos para o lado da eficiência da procura (fazer mais com menos);
da conservação (simplesmente fazer menos); da
concepção compacta; de comunidades urbanas transitáveis;
na ênfase para o transporte público incluindo o eléctrico
leve sobre trilhos; na mudança para biocombustíveis e outras
fontes de energia renováveis; na relocalização da
produção de alimentos orgânicos; e assim por diante. Todas
estas são acções muito desejáveis que serão
necessárias não só para mitigar os efeitos do Peak Oil
como também para reduzir emissões de gases com efeito estufa e
reduzir nossa pegada ecológica, desenvolvendo ao mesmo tempo uma
sociedade mais suportável e sustentável. É encorajante
ver tais esforços a serem feitos aqui na UBC tal como esboçado no
recente "A questão da sustentabilidade" do UBC Reports. De
facto, se o Pico Petrolífero nos ajudar a acelerar estes
esforços, ele poderia revelar-se uma das melhores coisas que poderia nos
acontecer.
Notas
1-
selectra.co.uk/...
2-
Scientific American,
March 1998, p. 78-83
3- Canadian Crude Oil Production and Supply Forecast 2005-2015. Canadian
Association of Petroleum Producers, July 2005.
www.capp.ca/default.asp?V_DOC_ID=689
4- Energy Information Administration, International Energy Outlook, 2005. Report
#:DOE/EIA-0484 (2005).
www.eia.doe.gov/oiaf/ieo/coal.html
5- "Pumping Coal";
Scientific American,
March 2006, p. 20-22
[*]
Professor associado do Departmento de Engenharia Civil
O original encontra-se em
http://www.publicaffairs.ubc.ca/ubcreports/2006/06jun01/06jun01letter.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|