As Abu Ghraibs dos Estados Unidos

por Bob Herbert

Prisioneiro em Abu Ghrabi. A maior parte dos norte-americanos ficou chocada com o tratamento sádico dos detidos iraquianos na prisão de Abu Ghraib. Mas não deveríamos ter ficado. Não só os prisioneiros nos cárceres norte-americanos estão submetidos a um tratamento igualmente grotesco como, em 1996, o Congresso aprovou uma lei para garantir que na maioria dos casos fossem impedidos de receber alguma indemnização financeira pelos abusos.

Habitualmente tratamos os prisioneiros nos Estados Unidos como animais. Nós os maltratamos e os desonramos, tanto aos homens como às mulheres. E temos um registo péssimo quando se trata de proteger os prisioneiros de boa conduta, os débeis e os doentes mentais dos depravadores que os cercam.

Muito pouco norte-americanos levantaram suas vozes a fim de se oporem às nossas vergonhosas políticas penitenciárias. E estou convencido de que isto se deve fundamentalmente ao facto de que os presos não são vistos como seres humanos.

Stephen Bright, director do Southern Center for Human Rights, representou vários prisioneiros da Georgia, os quais haviam solicitado uma indemnização em fins dos anos 90 por haverem sofrido um tratamento que era muito semelhantes aos abusos realizados em Abu Ghraib. Um empreiteiro nomeado, Wayne Garner, estava encarregado do sistema penitenciário nessa altura, uma vez que fora contratado em 1995 pelo governador Zell Miller, o qual é agora senador dos Estados Unidos.

Garner considerava-se um homem severo. Numa acção federal apresentada pelos prisioneiros do centro foram citadas as suas palavras quando disse que, ainda que houvesse alguns presos que "realmente desejavam melhorar o seu comportamento... havia outros 30 a 35 por cento que não. E eu vou estar ali para amoldá-los".

A MOLDAGEM

Em 23 de Outubro de 1996, oficiais da Patrulha Táctica do Departamento Correccional da Georgia revistaram os dormitórios dos presos na prisão estatal Dooly, uma instalação de média segurança localizada em Unadilla, Georgia. Isto fazia parte de uma série de revistas minuciosas e brutais nas prisões de todo o estado, as quais tinham por objectivo mostrar aos prisioneiros que havia entrado em vigor um regime novo e mais severo.

O que se seguiu, segundo a queixa, foi simplesmente mórbido. Os oficiais abriram as celas e ordenaram aos presos, todos homens, que saíssem e se despissem. Diante da presença de mulheres que pertenciam ao pessoal da prisão, e que por vezes riam, vários presos estiveram submetidos a revistas extensas totalmente desnecessárias das cavidades do seu corpo. Ordenou-se aos presos que levantassem os genitais, que se pusessem de cócoras, que se inclinassem e os mostrassem

A um dos presos que se suspeitava ser homossexual disseram-se que se alguma vez falasse acerca da forma como fora tratado seria encerrado e golpeado até "não desejar mais ser homossexual". Um oficial que estava mirando fixamente outro preso nu disse: "Aposto que sabes bailar sapateado". Obrigaram o preso a bailar, e a seguir revistaram as cavidades do seu corpo.

Um dos presos num dormitório identificado como J-2 foi esbofeteado e ordenaram-lhe que se inclinasse e se exibisse perante o seu companheiro de cela. A equipe de rusga aparentemente achou isso divertidíssimo.

Segundo a queixa, o mesmo Garner, comissionado do Departamento Correccional, estava presente na revista à prisão Dooly.

Nenhum dos presos referidos na queixa foi acusado de comportamento inadequado durante a revista. A queixa alegava que os direitos constitucionais dos presos haviam sido violados e solicitava indemnização pela dor, pelo sofrimento, pela humilhação e pela degradação a que haviam sido submetidos.

Nem em sonhos conseguiriam!

A lei para reformas os processos nas prisões, destinada em parte a limitar as queixas "frívolas" feitas pelos presos, foi aprovada pelo Congresso e assinada por Bill Clinton em 1996. Ela proíbe especificamente a concessão de indemnizações financeiras a prisioneiros "por prejuízos emocionais ou mentais enquanto estejam na prisão sem uma prévia evidência de dano físico".

Sem uma prova de que haviam sofrido danos físicos sérios, os presos do caso da Georgia não tiveram sorte. Os tribunais sentenciaram contra eles.

Esta é a política dos Estados Unidos da América.

Bright enfatizou: "Hoje estamos falando de indemnizar os prisioneiros no Iraque por um tratamento degradante, como naturalmente deveria ser feito. Contudo, não permitimos a indemnização dos prisioneiros nos Estados Unidos, os quais sofrem o mesmo tipo de degradação e humilhação".

A mensagem em relação ao tratamento dos prisioneiros nos Estados Unidos foi clara ao longo de anos: Tratem-nos como quiserem, são apenas animais.

O tratamento dos detidos no Iraque não é, longe disso, uma aberração. Eles também são tratados como animais, é simplesmente uma extensão lógica da forma como tratamos os prisioneiros aqui no nosso país.

O original encontra-se em The New York Times , edição de 31/Mai/2004.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

12/Jun/04