Apocalipse dentro em breve
Os perigos reais de um holocausto nuclear
por Robert S. McNamara
Este importante artigo foi escrito pelo antigo secretário da Defesa dos EUA,
Robert McNamara. Foi publicado na
Foreign Policy
e refere-se aos perigos actuais de um holocausto nuclear. Este evento poderia ser
desencadeado, sem qualquer aviso prévio, por uma única pessoa: o
presidente dos EUA.
FRASES EM DESTAQUE
"Os Estados Unidos nunca endossaram a política do 'não
primeiro uso', nem durante os meus sete anos como secretário [da Defesa]
nem desde então. Temos estado e continuamos a estar preparados para
iniciar a utilização de armas nucleares por decisão
de uma pessoa, o presidente tanto contra um inimigo nuclear ou
não nuclear sempre que acreditarmos ser do nosso interesse assim
fazer".
Lançar armas contra um oponente equipado com o nuclear seria suicida.
Fazer isso contra um inimigo não nuclear seria militarmente
desnecessário, moralmente repugnante e politicamente
indefensável".
"Não há maneira de conter efectivamente um ataque nuclear
impedi-lo de infligir enorme destruição de vidas civis e
de propriedade, e não há garantia contra a escalada ilimitada uma
vez verificado o primeiro ataque nuclear. Não podemos evitar o
sério e inaceitável risco da guerra nuclear até que
reconheçamos estes factos e baseemos os nossos planos militares e
políticas sobre este reconhecimento".
A Nuclear Posture Review [da administração Bush] recebeu pouca
atenção da parte dos media. Mas a sua ênfase sobre armas
nucleares de ofensiva estratégica merece um vigoroso exame
público. Embora qualquer redução proposta seja benvinda,
é duvidoso que os sobreviventes se houver algum da permuta
de 3200 ogivas nucleares (os números dos EUA e da Rússia
projectados para 2012), com um poder destrutivo de aproximadamente 65 mil vezes
daquele da bomba de Hiroshima, pudessem detectar alguma diferença entre
os efeitos de uma tal troca e outra que resultasse do lançamento das
actuais forças americanas e russas que totalizam cerca de 12 mil ogivas
nucleares.
Além de projectar a instalação distante de grande
número de armas nucleares estratégicas no futuro, a
administração Bush está a planear uma extensa e
dispendiosa série de programas para manter e modernizar a força
nuclear existente ... Alguns membros da administração apelaram a
novas armas nucleares que pudessem ser utilizadas como destruidores de bunkers
contra abrigos subterrâneos ...
"A administração Bush também anunciou que não
tem intenção de solicitar ao Congresso que ratifique o Tratado
Abrangente de Banimento de Testes (Comprehensive Test Ban Treaty, CTBT), e,
apesar de nenhuma decisão de testar ter sido tomada, a
administração ordenou aos laboratórios nacionais que
começassem a investigar novas concepções de armas
nucleares e que preparassem os sítios de testes subterrâneos em
Nevada para testes nucleares se necessário no futuro. De forma clara, a
administração Bush assume que as armas nucleares farão
parte das forças militares americanas pelo menos nas próximas
várias décadas".
Robert McNamara está preocupado. Ele sabe quão próximos
estivemos da guerra. Os seus conselhos ajudaram a
administração Kennedy a impedir a catástrofe nuclear
durante a Crise Cubana dos Mísseis. Hoje, ele acredita que os Estados
Unidos não devem mais confiar em armas nucleares como ferramenta de
política externa. Fazer isso é imoral, ilegal e horrendamente
perigoso.
Já é tempo mais do que tempo, na minha opinião
de os Estados Unidos acabarem com a sua confiança, estilo Guerra
Fria, nas armas nucleares como ferramenta de política externa. Com o
risco de parecer simplista e provocador, eu caracterizaria a actual
política de armas nucleares dos EUA como imoral, ilegal, militarmente
desnecessária e horrendamente perigosa. O risco de um lançamento
acidental ou por inadvertência é inaceitavelmente alto. Longe de
reduzir estes riscos, a administração Bush tem assinalado que
está comprometida a manter o arsenal nuclear americano como um esteio do
seu poder militar um comprometimento que está simultaneamente a
desgastar as normas internacionais que limitou a difusão de armas
nucleares e de material de cisão durante 50 anos. Grande parte da
actual política nuclear americana tem estado em vigor desde antes de eu
ser secretário da Defesa, e apenas tem-se tornado mais perigosa e
diplomaticamente destrutiva nos últimos anos.
Hoje, os Estados Unidos têm instaladas aproximadamente 4500 ogivas
nucleares de ofensiva estratégica. A Rússia tem cerca de 3800.
As forças estratégicas da Grã-Bretanha, França e
China são muito mais pequenas, com 200 a 400 armas nucleares no arsenal
nuclear de cada estado. Os novos estados nucleares, Paquistão e
Índia, têm menos de 100 armas cada um. A Coreia do Norte agora
afirma ter desenvolvido armas nucleares, e as agências de
inteligência americanas estimam que Pyongyang têm material de
cisão suficiente para 2 a 8 bombas.
Quão destrutivas são estas armas? A ogiva média americana
tem um poder destrutivo de 20 vezes aquele da bomba de Hiroshima. Das 8000
ogivas americanas activas ou operacionais, 2000 estão em alerta para
disparo imediato
(hair-trigger),
prontas para serem lançadas até 15 minutos após
advertência. Como estas armas serão usadas? Os Estados Unidos
nunca endossaram a política de "não primeiro uso", nem
durante os meus sete anos como secretário nem desde então.
Estivemos e continuamos a estar preparados para iniciar a
utilização de armas nucleares pela decisão de uma
só pessoa, o presidente tanto contra um inimigo nuclear como
não nuclear sempre que acreditemos ser do nosso interesse fazer isto.
Durante décadas as forças nucleares americanas têm sido
suficientemente fortes para absorver um primeiro ataque e a seguir infligir
dano "inaceitável" ao oponente. Esta tem sido e (enquanto
enfrentarmos um adversário potencial armado com o nuclear) deve
continuar a ser o fundamento da nossa dissuasão nuclear.
No meu tempo como secretário da Defesa, o comandante do US Strategic Air
Command (SAC) transportava consigo um telefone seguro, não importa onde
fosse, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. O telefone do
comandante, cujo quartel-general estava em Omaha, Nebraska, estava ligado ao
posto de comando no subsolo do North American Defense Command, enterrado
profundamente na Montanha Cheyenne, no Colorado, e ao presidente dos EUA onde
quer que ele estivesse. O presidente tinha sempre à mão os
códigos de lançamento nuclear numa pasta transportada para o
presidente o tempo todo por um oficial militar americano.
As ordens do comandante do SAC eram para responder ao telefone não
depois do fim do terceiro toque. Se tocasse, e ele fosse informado de que um
ataque nuclear de mísseis balísticos inimigos parecesse estar a
caminho, eram-lhe concedidos 2 a 3 minutos para decidir se a advertência
era válida (ao longo dos anos, os Estados Unidos receberam muitas
advertências falsas), e se assim fosse, como os Estados Unidos deveriam
responder. Eram-lhe dados então aproximadamente 10 minutos para
determinar o que recomendar, para localizar e aconselhar o presidente, permitir
ao presidente que discutisse a situação com dois ou três
conselheiros próximos (presumivelmente o secretário da Defesa e o
presidente da Joint Chief os Staff), e para receber a decisão do
presidente e passá-la de imediato, juntamente com os códigos, aos
sítios de lançamento. O presidente tinha essencialmente duas
opções: Ele podia decidir aguentar o ataque e adiar até
um momento posterior qualquer decisão de lançar um ataque
retaliatório. Ou ele poderia ordem um ataque retaliatório
imediato, a partir de um menu de opções, lançando com isso
armas americanas que fossem dirigidas a activos militar-industriais do
oponente. Os nossos oponentes em Moscovo presumivelmente tinha e têm
arranjos semelhantes.
Toda a situação parece tão bizarra que está
além do que se possa crer. Num dado dia qualquer, tal como nos nossos
negócios, o presidente está preparado para tomar uma
decisão dentro de 20 minutos que poderia lançar uma das mais
devastadoras armas do mundo. Declarar guerra exige um acto do Congresso, mas
lançar um holocausto nuclear exige uma deliberação de 20
minutos do presidente e dos seus conselheiros. Mas é com isto que temos
vivido durante 40 anos. Como muitas poucas mudanças, este sistema
permanece em grande medida intacto, incluindo a "pasta", a companhia
constante do presidente.
Eu consegui mudar algumas destas políticas e procedimentos perigosos.
Meus colegas e eu começámos a controlar conversas de armas;
instalámos salvaguardas para reduzir o risco de lançamentos
não autorizados, acrescentámos opções aos planos de
guerra nucleares de modo que o presidente não tivesse de escolher entre
uma resposta tudo ou nada, e eliminámos os mísseis
vulneráveis e provocatórios na Turquia. Gostaria de ter feito
mais, mas estávamos em meio à Guerra Fria e as nossas
opções eram limitadas.
Os Estados Unidos e os nossos aliados da NATO enfrentavam uma forte
ameaça convencional dos soviéticos e do Pacto da Varsóvia.
Muitos dos aliados (e alguns em Washington também) sentiam fortemente
que preservar a opção americana de lançar um primeiro
ataque era necessário para o objectivo de manter os soviéticos
à distância. O que é chocante é que hoje, mais de
uma década após o fim da Guerra Fria, a política nuclear
básica dos EUA não tenha sido mudada. Ela não se adaptou
ao colapso da União Soviética. Os planos e procedimentos
não foram revistos para fazer com que os Estados Unidos ou outros
países menos propensos a premir o botão. No mínimo,
deveríamos remover todas as armas estratégicas do alerta
"pronto a disparar"
("hair-trigger"),
como tem recomendado alguns, inclusive o Gen. George Lee Butler, o
último comandante do SAC. Esta simples mudança reduziria muito o
risco de um lançamento nuclear acidental. Ela também assinalaria
a outros estados que os Estados Unidos estão a dar passos para finalizar
a sua confiança nas armas nucleares.
Prometemos trabalhar de boa fé rumo à eliminação
final de arsenais nucleares quando negociámos em 1968 o Tratado de
Não Proliferação Nuclear (NPT). Em Maio, diplomatas de
mais de 180 países vão-se reunir em Nova York para rever o NPT e
avaliar se os membros estão a cumprir o acordo. Os Estados Unidos
estão focados, por razões compreensíveis, em persuadir a
Coreia do Norte a regressar ao tratado e a negociar constrangimentos mais
profundos às ambições nucleares do Irão. Aqueles
estados devem ser convencidos a manter as promessas que fizeram quando
assinaram originalmente o NPT que não construiriam armas
nucleares em troca do acesso a utilizações pacíficas da
energia nuclear. Mas a atenção de muitos países,
incluindo alguns potenciais novos estados com armas nucleares, também
está sobre os Estados Unidos. Manter tão grande números
de armas, e mante-las a ponto de disparar ao primeiro alerta, são sinais
poderosos de que os Estados Unidos não estão a trabalhar
seriamente para a eliminação do seu arsenal e levanta
questões perturbadoras tal como porque de qualquer outro estado deveria
restringir suas ambições nucleares.
UMA ANTEVISÃO DO APOCALIPSE
O poder destrutivo das armas nucleares é bem conhecido, mas dado o facto
de os Estados Unidos continuarem a nelas confiar, convém recordar o
perigo que apresentam. Um relatório de 2000 do International Physicians
for the Prevention of Nuclear War descreve os efeitos prováveis de uma
única arma de 1 megatonelada dúzias das quais estão
contidas nos stocks russos e americanos. Ao nível zero, a
explosão cria uma cratera de 300 pés (91,44 m) de profundidade e
1200 pés (365,76 m) de diâmetro. Dentro de um segundo, a
própria atmosfera entra em ignição numa bola de fogo de
mais de meia milha de diâmetro (800 m). A superfície da boa de
fogo irradia aproximadamente três vezes a luz e o calor de uma
área comparável da superfície do sol, extinguindo em
segundos todas a vida abaixo de si e irradiando para fora à velocidade
da luz, causando severas queimadoras instantâneas a pessoas dentro de uma
a três milhas (1,6 a 4,8 km). Uma onda de propulsão de ar
comprimido alcança uma distância de 4,8 km em cerca de 12
segundos, eliminando fábricas e edifícios comerciais.
Resíduos transportes por ventos de 400 km/h infligem danos letais por
toda a área. Pelo menos 50 por cento das pessoas na área morrem
imediatamente, antes que quaisquer lesões da radiação ou
do desenvolvimento da tempestade de fogo.
Naturalmente, o nosso conhecimento destes efeitos não é
inteiramente hipotético. Armas nucleares, com aproximadamente um
sétimo da potência daquela de 1 megatonelada aqui descrita, foram
utilizadas duas vezes pelos Estados Unidos em Agosto de 1945. Uma bomba
atómica foi lançada sobre Hiroshima. Cerca de 80 mil pessoas
morreram imediatamente; aproximadamente 200 mil morreram depois.
Posteriormente, uma bomba de dimensão semelhante foi lançada
sobre Nagasaki. Em 7 de Novembro de 1995, o presidente da municipalidade de
Nagasaki recordou as suas memórias do ataque em testemunho perante o
Tribunal Internacional de Justiça
(International Court of Justice).
"Nagasaki tornou-se uma cidade de mortos, onde não podia ser ouvido
nem mesmo o som dos insectos. Após um momento, incontáveis
homens, mulheres e crianças começaram a reunir-se por um gole de
água nas margens do Rio Urakami nas proximidade, seu cabelo e
vestuário queimados e sua pele queimada descolando-se em pedaços
como farrapos. Implorando por ajuda eles morreram um depois do outro na
água ou em pilhas sobre as margens. Quatro meses após o
bombardeamento atómico, 74 mil morreram e 75 mil haviam sofrido
lesões, isto é, dois terços da população da
cidade havia sido vítima desta calamidade que caiu sobre Nagasaki como
uma antevisão do Apocalipse".
Por que tantos civis tinham de morrer? Porque os civis, que foram
aproximadamente 100 porcento das vítimas de Hiroshima e Nagasaki, foram
infelizmente "co-localizados" com alvos militares e industriais
japoneses. O seu aniquilamento, embora não fosse o objectivo daqueles
que lançaram as bombas, era um resultado inevitável da escolha
daqueles alvos. Convém notar que durante a Guerra Fria os Estados
Unidos confirmadamente tinham dúzidas de ogivas nucleares apontadas
só sobre Moscovo, porque ela continha muitos alvos militares e demasiada
"capacidade industrial".
Presumivelmente, os soviéticos de modo análogo apontavam muitas
cidades americanas. A declaração de que as nossas armas
nucleares não alvejam populações per se era e continua a
ser totalmente enganosa no sentido de que o chamado dano colateral de grandes
ataques nucleares incluiria dezenas de milhões de mortes de civis
inocentes.
Isto, em poucas palavras, é o que fazem as armas nucleares: Elas
indiscriminadamente explodem, queimam e irradiam com uma velocidade e
determinação que são quase incompreensíveis. Isto
é exactamente o que países como os Estados Unidos e a
Rússia, com armas nucleares prestes a disparar ao primeiro alerta,
continuam a ameaçar a cada minuto de cada dia neste novo século
XXI.
NENHUMA MANEIRA DE VENCER
Tenho trabalhado sobre questões relacionadas com estratégia
nuclear e planos de guerra dos EUA e da NATO ao longo de mais de 40 anos.
Durante esse período nunca vi uma folha de papel que esboçasse um
plano para Estados Unidos ou a NATO iniciarem a utilização de
armas nucleares com algum benefício para os Estados Unidos ou a NATO.
Fiz esta declaração frente a audiências, inclusive
ministros da Defesa da NATO e responsáveis militares superiores, muitas
vezes. Nem um alguma vez refutou-a. Lançar armas contra um oponente
equipado com o nuclear seria suicídio. Fazê-lo contra um inimigo
não nuclear seria militarmente desnecessário, moralmente
repugnante e politicamente indefensável.
Cheguei a estas conclusões logo depois de me tornar secretário da
Defesa. Embora acredite que os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson
partilhassem meu ponto de vista, era impossível para qualquer de
nós fazer tais declarações publicamente porque eram
totalmente contrárias à política estabelecida da NATO.
Depois de deixar o Departamento da Defesa, tornei-me presidente do Banco
Mundial. Durante os meus 13 anos de gestão, desde 1968 até 1981,
eu estava proibido, como empregado de uma instituição
internacional, de comentar publicamente sobre questões de
segurança nacional dos EUA. Após a minha retirada do banco,
comecei a reflectir sobre como eu, com sete ano de experiência como
secretário de Defesa, posso contribuir para um entendimento das
questões com as quais comecei minha carreira no serviço
público.
Naquele momento, muito estava a ser dito e escrito sobre como os Estados Unidos
poderia, e porque deveriam, ser capazes de combater e vencer uma guerra nuclear
com os soviéticos. Esta visão implicava, naturalmente, que armas
nucleares tinham utilidade militar, que elas podia ser usadas em batalha com
ganho final para quem tivesse a força maior ou as usasse com maior
perspicácia. Tendo estudado estas visões, decidi vir a
público com alguma informação que sabia que seria
controversa, mas que senti que era necessária para injectar realidade
dentro destas discussões cada vez mais irreais acerca da utilidade
militar de armas nucleares. Em artigos e discursos, critiquei a
suposição fundamentalmente enviesada de que armas nucleares
poderiam ser utilizadas de alguma forma limitada. Não há maneira
de conter efectivamente um ataque nuclear impedi-lo de infligir enorme
destruição sobre vidas civis e propriedade, e não
há garantia contra a escalada ilimitada uma vez ocorrido o primeiro
ataque nuclear. Não podemos evitar o sério e inaceitável
risco da guerra nuclear até que reconheçamos estes factos e
baseemos nossos planos e políticas militares neste reconhecimento.
Mantenho estes pontos de vista ainda mais fortemente hoje do que o fiz quanto
pela primeira vez falei contra os perigos nucleares que as nossas
políticas estavam a criar. Sei por experiência directa que a
política nuclear americana hoje cria riscos inaceitáveis a outras
nações e para nós próprios.
O QUE CASTRO NOS ENSINOU
Entre os custos de manter armas nucleares está o risco para mim
um risco inaceitável do uso das armas tanto por acidente como em
resultado de maus julgamentos ou erros de cálculo em tempos de crise. A
crise cubana dos mísseis demonstrou que os Estados Unidos e a
União Soviética e na verdade o resto do mundo
estiveram a uma curtíssima distância do desastre nuclear em
Outubro de 1962.
Na verdade, de acordo com antigos líderes militares soviéticos,
no auge da crise, as forças soviéticas em Cuba possuíam
162 ogivas nucleares, incluindo pelo menos 90 ogivas tácticas. Naquele
mesmo tempo, o presidente cubano Fidel Castro pediu ao embaixador
soviético em Cuba que enviasse um telegrama ao primeiro-ministro
soviético Nikita Khruschev declarando que Castro o encorajava a reagir a
um ataque americano com uma resposta nuclear. Claramente, havia um alto risco
frente a um ataque americano, que muitos no governo americano estavam
preparados para recomendar ao presidente Kennedy, de que as forças
soviéticas em Cuba teriam de decidir-se a utilizar as suas armas
nucleares ao invés de perde-las. Só uns poucos anos atrás
soubemos que cada um dos quatro submarinos soviéticos que rastreavam
navios da U.S. Navy próximo de Cuba carregavam torpedos com ogivas
nucleares. Cada um dos comandantes dos submarinos tinha a autoridade
necessária para lançar os seus torpedos. A
situação eram ainda mais terrífica porque, como me contou
o principal comandante, os submarinos estavam sem comunicação com
as suas bases na União Soviética, e eles continuaram as suas
patrulhas durante quatro dias depois de Khrushchev ter anunciado a retirada dos
mísseis de Cuba.
A lição, se ela tivesse ficado clara antes, foi apresentada numa
conferência sobre a crise efectuada em Havana em 1992, quando
começámos pela primeira vez a saber da parte de antigos oficiais
soviéticos acerca dos seus preparativos para a guerra nuclear no caso de
uma invasão americana. Perto do fim daquela reunião, perguntei a
Castro se ele teria recomendado que Khrushchev utilizasse as armas frente a uma
invasão americana e, em caso afirmativo, como ele pensava que os Estados
Unidos responderiam. "Nós partimos da hipótese de que se
houvesse uma invasão de Cuba, a guerra nuclear irromperia",
respondeu Castro. "Estávamos nós certos acerca disto?
Seria o preço pelo qual desapareceríamos". Ele continuou:
"Teria eu estado pronto a utilizar armas nucleares? Sim, eu teria
concordado com o uso de armas nucleares". E ele acrescentou: "Se o
sr. McNamara ou o sr. Kennedy tivessem estado no nosso lugar, e tivessem o seu
país invadido, ou o seu país vindo a ser ocupado... acredito que
teriam utilizado armas nucleares tácticas".
Espero que o presidente Kennedy e eu não nos teríamos comportado
como Castro sugeriu que teríamos. Sua decisão teria
destruído o seu país. Tivéssemos nós respondido de
um modo semelhante o dano para os Estados Unidos teria sido impensável.
Mas os seres humanos são falíveis. Na guerra convencional, erros
custam vidas, por vezes milhares de vida. Contudo, se os erros fossem afectar
decisões relativas à utilização de forças
nucleares, não haveria curva do aprendizado
(learning curve).
Elas resultariam na destruição de países. A
combinação indefinida de falibilidade humana e armas nucleares
carrega um risco de catástrofe nuclear demasiado elevado. Não
há nenhuma maneira de reduzir o risco para níveis
aceitáveis, além de eliminar primeiramente a política de
alerta
hair-trigger
e depois eliminar ou quase eliminar as armas nucleares. Os Estados Unidos
deveria mover-se imediatamente para instituir estas acções, em
cooperação com a Rússia. Esta é a
lição da Crise Cubana dos Mísseis.
UMA OBSESSÃO PERIGOSA
Em 13/Novembro/2001 o presidente George W. Bush anunciou que havia dito ao
presidente russo Vladimir Putin que os Estados Unidos reduziriam "ogivas
nucleares instaladas operacionalmente" de aproximadamente 5300 para um
nível entre 1700 e 2200 ao longo da década seguinte. Esta
escalada para trás aproximar-se-ia da amplitude de 1500 a 2200 que Putin
havia proposto para a Rússia. Contudo, a Nuclear Posture Review da
administração Bush, mandatada pelo Congresso dos EUA e emitida em
Janeiro de 2002, apresenta uma história bastante diferente. Ela assume
que armas nucleares estratégico-ofensivas em muito maiores
números do que 1700 a 2200 serão parte das forças
militares americanas durante as próximas várias décadas.
Embora o número de ogivas instaladas venha a ser reduzido para 3800 em
2007 e para entre 1700 e 2200 em 2012, as ogivas e muitos dos veículos
lançadores instalados serão mantidos numa reserva "de
resposta"
("responsive")
a partir da qual eles poderiam seriam movidos em retorno à força
operacionalmente instalada. A Nuclear Posture Review recebeu pouca
atenção dos media. Mas a sua ênfase sobre armas nucleares
estratégico ofensivas merecer rigoroso exame público. Embora
qualquer redução proposta seja benvinda, é duvidoso que os
sobreviventes se houver algum de uma troca de 3200 ogivas (os
números americanos e russos projectados para 2012), com um poder
destrutivo aproximadamente 65 mil daquele da bomba de Hiroshima, pudessem
detectar uma diferença entre os efeitos de um tal intercâmbio e
outro que resultaria do lançamento das actuais forças americanas
e russas totalizando cerca de 12 mil ogivas.
Além de projectar a instalação de grande número de
armas nucleares estratégicas no futuro distante, a
administração Bush está a planear uma extensa e
dispendiosa série de programas para manter e modernizar a força
nuclear existente e começar estudos para novos veículos de
lançamento, assim como novas ogivas para todas as plataformas de
lançamento. Alguns membros da administração também
apelaram a novas armas nucleares que pudessem ser utilizadas como destruidoras
de bunkers contra abrigos subterrâneos (tal como os abrigos que Saddam
Hussein utilizava em Baghdad). Novas instalações de
produção de materiais de cisão precisariam ser
construídas para apoiar a força expandida. Os planos destinados
a integrar uma defesa nacional de mísseis balísticos dentro da
nova tríade de armas ofensivas para aumentar a capacidade do país
a usar o seu "poder de projecção de forças"
através da melhoria da nossa capacidade para contra-atacar o inimigo. A
administração Bush também anunciou que não tem
intenção de pedir ao congresso que ratifique o Tratado Abrangente
de Banimento de Testes (Comprehensive Test Ban Treaty, CTBT), e, embora nenhuma
decisão de testar tenha sido tomada, a administração
ordenou aos laboratórios nacionais que começassem a investigar
acerca de novas concepções de armas nucleares e a preparar os
sítios de testes subterrâneos no Nevada para testes nucleares se
necessário no futuro. Claramente, a administração Bush
assume que as armas nucleares serão parte das forças militares
americanas durante pelo menos as próximas várias décadas.
A participação de boa fé em negociações
internacional sobre desarmamento nuclear incluindo a
participação no CTBT é uma obrigação
legal e política de todas as partes do NPT que entraram em vigor em 1970
e foram estendidas indefinidamente em 1995. O programa nuclear da
administração Bush, juntamente com a sua recusa em ratificar o
CTBT, será encarado com razão, por muitos países, como o
equivalente a um rompimento americano do tratado. Ele diz aos países
com armas não nucleares: "Nós, com a força militar
convencional mais forte do mundo, exigimos armas nucleares em perpetuidade, mas
vocês, a enfrentarem oponentes potencialmente bem armados, nunca
será permitido nem mesmo uma arma nuclear".
Se os Estados Unidos continuarem a sua actual postura nuclear, ao longo do
tempo, a proliferação substancial de armas nucleares quase
certamente se seguirá. Algumas, ou todas, de nações como
o Egipto, Japão, Arábia Saudita, Síria e Taiwan muito
provavelmente iniciarão programas de armas nucleares, aumentando tanto o
risco da utilização das armas como o desvio de armas e de
materiais de cisão para as mãos de estados patifes ou
terroristas. Diplomatas e agências de inteligência acreditam que
Osama bin Laden fez várias tentativas de adquirir armas nucleares ou
materiais de cisão. Foi amplamente relatado que Sultan Bashiruddin
Mahmood, antigo director do complexo do reactor nuclear do Paquistão,
encontrou-se com bin Laden várias vezes. Fosse a al Qaeda adquirir
materiais de cisão, especialmente urânio enriquecido, a sua
capacidade para produzir armas nucleares seria grande. O conhecimento de como
construir um simples dispositivo nuclear, como aquele que
lançámos sobre Hiroshima, agora é generalizado. Peritos
têm pouca dúvida de que terroristas pudessem construir um
dispositivo primitivo se adquirissem o urânio enriquecido
necessário. Na verdade, tal como no verão, numa reunião
da Academia Nacional de Ciências, o antigo secretário da Defesa
William J. Perry disse: "Nunca tive mais receio de uma
detonação nuclear do que agora. Há uma probabilidade de
mais de 50 por cento de ataques nucleares dentro de uma década".
Eu partilho dos seus temores.
UM MOMENTO DE DECISÃO
Estamos num momento crítico da história humana talvez
não tão dramático como aquele da Crise Cubana dos
Mísseis, mas um momento não menos crucial. Nem a
administração Bush, nem o Congresso, nem o povo americano, nem os
povos de outros países debateram os méritos de políticas
alternativas às armas nucleares de longo curso para os seus
países ou o mundo. Eles não examinaram a utilidade militar das
armas, o risco da utilização por inadvertência ou acidente,
as considerações morais e legais relacionadas com o uso ou a
ameaça do uso das armas; ou o impacto das actuais políticas
sobre a proliferação. Tais debates estão muito atrasados.
Se eles forem efectuados, acredito que concluirão, como eu e um
crescente número de líderes militares sénior, e peritos
civis em segurança: Devemos mover-nos rapidamente rumo à
eliminação ou quase eliminação de
todas as armas nucleares. Para muitos, há uma forte
tentação de aferrar-se às estratégicas dos
últimos 40 anos. Mas assim fazer seria um erro que conduz a riscos
inaceitáveis para todos os países.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|