Apocalipse dentro em breve
Os perigos reais de um holocausto nuclear

por Robert S. McNamara

Este importante artigo foi escrito pelo antigo secretário da Defesa dos EUA, Robert McNamara. Foi publicado na Foreign Policy e refere-se aos perigos actuais de um holocausto nuclear. Este evento poderia ser desencadeado, sem qualquer aviso prévio, por uma única pessoa: o presidente dos EUA.


FRASES EM DESTAQUE

"Os Estados Unidos nunca endossaram a política do 'não primeiro uso', nem durante os meus sete anos como secretário [da Defesa] nem desde então. Temos estado e continuamos a estar preparados para iniciar a utilização de armas nucleares — por decisão de uma pessoa, o presidente — tanto contra um inimigo nuclear ou não nuclear sempre que acreditarmos ser do nosso interesse assim fazer".

Lançar armas contra um oponente equipado com o nuclear seria suicida. Fazer isso contra um inimigo não nuclear seria militarmente desnecessário, moralmente repugnante e politicamente indefensável".

"Não há maneira de conter efectivamente um ataque nuclear — impedi-lo de infligir enorme destruição de vidas civis e de propriedade, e não há garantia contra a escalada ilimitada uma vez verificado o primeiro ataque nuclear. Não podemos evitar o sério e inaceitável risco da guerra nuclear até que reconheçamos estes factos e baseemos os nossos planos militares e políticas sobre este reconhecimento".

A Nuclear Posture Review [da administração Bush] recebeu pouca atenção da parte dos media. Mas a sua ênfase sobre armas nucleares de ofensiva estratégica merece um vigoroso exame público. Embora qualquer redução proposta seja benvinda, é duvidoso que os sobreviventes — se houver algum — da permuta de 3200 ogivas nucleares (os números dos EUA e da Rússia projectados para 2012), com um poder destrutivo de aproximadamente 65 mil vezes daquele da bomba de Hiroshima, pudessem detectar alguma diferença entre os efeitos de uma tal troca e outra que resultasse do lançamento das actuais forças americanas e russas que totalizam cerca de 12 mil ogivas nucleares.

Além de projectar a instalação distante de grande número de armas nucleares estratégicas no futuro, a administração Bush está a planear uma extensa e dispendiosa série de programas para manter e modernizar a força nuclear existente ... Alguns membros da administração apelaram a novas armas nucleares que pudessem ser utilizadas como destruidores de bunkers contra abrigos subterrâneos ...

"A administração Bush também anunciou que não tem intenção de solicitar ao Congresso que ratifique o Tratado Abrangente de Banimento de Testes (Comprehensive Test Ban Treaty, CTBT), e, apesar de nenhuma decisão de testar ter sido tomada, a administração ordenou aos laboratórios nacionais que começassem a investigar novas concepções de armas nucleares e que preparassem os sítios de testes subterrâneos em Nevada para testes nucleares se necessário no futuro. De forma clara, a administração Bush assume que as armas nucleares farão parte das forças militares americanas pelo menos nas próximas várias décadas".

Robert McNamara está preocupado. Ele sabe quão próximos estivemos da guerra. Os seus conselhos ajudaram a administração Kennedy a impedir a catástrofe nuclear durante a Crise Cubana dos Mísseis. Hoje, ele acredita que os Estados Unidos não devem mais confiar em armas nucleares como ferramenta de política externa. Fazer isso é imoral, ilegal e horrendamente perigoso.


Já é tempo — mais do que tempo, na minha opinião — de os Estados Unidos acabarem com a sua confiança, estilo Guerra Fria, nas armas nucleares como ferramenta de política externa. Com o risco de parecer simplista e provocador, eu caracterizaria a actual política de armas nucleares dos EUA como imoral, ilegal, militarmente desnecessária e horrendamente perigosa. O risco de um lançamento acidental ou por inadvertência é inaceitavelmente alto. Longe de reduzir estes riscos, a administração Bush tem assinalado que está comprometida a manter o arsenal nuclear americano como um esteio do seu poder militar — um comprometimento que está simultaneamente a desgastar as normas internacionais que limitou a difusão de armas nucleares e de material de cisão durante 50 anos. Grande parte da actual política nuclear americana tem estado em vigor desde antes de eu ser secretário da Defesa, e apenas tem-se tornado mais perigosa e diplomaticamente destrutiva nos últimos anos.

Hoje, os Estados Unidos têm instaladas aproximadamente 4500 ogivas nucleares de ofensiva estratégica. A Rússia tem cerca de 3800. As forças estratégicas da Grã-Bretanha, França e China são muito mais pequenas, com 200 a 400 armas nucleares no arsenal nuclear de cada estado. Os novos estados nucleares, Paquistão e Índia, têm menos de 100 armas cada um. A Coreia do Norte agora afirma ter desenvolvido armas nucleares, e as agências de inteligência americanas estimam que Pyongyang têm material de cisão suficiente para 2 a 8 bombas.

Quão destrutivas são estas armas? A ogiva média americana tem um poder destrutivo de 20 vezes aquele da bomba de Hiroshima. Das 8000 ogivas americanas activas ou operacionais, 2000 estão em alerta para disparo imediato (hair-trigger), prontas para serem lançadas até 15 minutos após advertência. Como estas armas serão usadas? Os Estados Unidos nunca endossaram a política de "não primeiro uso", nem durante os meus sete anos como secretário nem desde então. Estivemos e continuamos a estar preparados para iniciar a utilização de armas nucleares — pela decisão de uma só pessoa, o presidente — tanto contra um inimigo nuclear como não nuclear sempre que acreditemos ser do nosso interesse fazer isto. Durante décadas as forças nucleares americanas têm sido suficientemente fortes para absorver um primeiro ataque e a seguir infligir dano "inaceitável" ao oponente. Esta tem sido e (enquanto enfrentarmos um adversário potencial armado com o nuclear) deve continuar a ser o fundamento da nossa dissuasão nuclear.

No meu tempo como secretário da Defesa, o comandante do US Strategic Air Command (SAC) transportava consigo um telefone seguro, não importa onde fosse, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. O telefone do comandante, cujo quartel-general estava em Omaha, Nebraska, estava ligado ao posto de comando no subsolo do North American Defense Command, enterrado profundamente na Montanha Cheyenne, no Colorado, e ao presidente dos EUA onde quer que ele estivesse. O presidente tinha sempre à mão os códigos de lançamento nuclear numa pasta transportada para o presidente o tempo todo por um oficial militar americano.

As ordens do comandante do SAC eram para responder ao telefone não depois do fim do terceiro toque. Se tocasse, e ele fosse informado de que um ataque nuclear de mísseis balísticos inimigos parecesse estar a caminho, eram-lhe concedidos 2 a 3 minutos para decidir se a advertência era válida (ao longo dos anos, os Estados Unidos receberam muitas advertências falsas), e se assim fosse, como os Estados Unidos deveriam responder. Eram-lhe dados então aproximadamente 10 minutos para determinar o que recomendar, para localizar e aconselhar o presidente, permitir ao presidente que discutisse a situação com dois ou três conselheiros próximos (presumivelmente o secretário da Defesa e o presidente da Joint Chief os Staff), e para receber a decisão do presidente e passá-la de imediato, juntamente com os códigos, aos sítios de lançamento. O presidente tinha essencialmente duas opções: Ele podia decidir aguentar o ataque e adiar até um momento posterior qualquer decisão de lançar um ataque retaliatório. Ou ele poderia ordem um ataque retaliatório imediato, a partir de um menu de opções, lançando com isso armas americanas que fossem dirigidas a activos militar-industriais do oponente. Os nossos oponentes em Moscovo presumivelmente tinha e têm arranjos semelhantes.

Toda a situação parece tão bizarra que está além do que se possa crer. Num dado dia qualquer, tal como nos nossos negócios, o presidente está preparado para tomar uma decisão dentro de 20 minutos que poderia lançar uma das mais devastadoras armas do mundo. Declarar guerra exige um acto do Congresso, mas lançar um holocausto nuclear exige uma deliberação de 20 minutos do presidente e dos seus conselheiros. Mas é com isto que temos vivido durante 40 anos. Como muitas poucas mudanças, este sistema permanece em grande medida intacto, incluindo a "pasta", a companhia constante do presidente.

Eu consegui mudar algumas destas políticas e procedimentos perigosos. Meus colegas e eu começámos a controlar conversas de armas; instalámos salvaguardas para reduzir o risco de lançamentos não autorizados, acrescentámos opções aos planos de guerra nucleares de modo que o presidente não tivesse de escolher entre uma resposta tudo ou nada, e eliminámos os mísseis vulneráveis e provocatórios na Turquia. Gostaria de ter feito mais, mas estávamos em meio à Guerra Fria e as nossas opções eram limitadas.

Os Estados Unidos e os nossos aliados da NATO enfrentavam uma forte ameaça convencional dos soviéticos e do Pacto da Varsóvia. Muitos dos aliados (e alguns em Washington também) sentiam fortemente que preservar a opção americana de lançar um primeiro ataque era necessário para o objectivo de manter os soviéticos à distância. O que é chocante é que hoje, mais de uma década após o fim da Guerra Fria, a política nuclear básica dos EUA não tenha sido mudada. Ela não se adaptou ao colapso da União Soviética. Os planos e procedimentos não foram revistos para fazer com que os Estados Unidos ou outros países menos propensos a premir o botão. No mínimo, deveríamos remover todas as armas estratégicas do alerta "pronto a disparar" ("hair-trigger"), como tem recomendado alguns, inclusive o Gen. George Lee Butler, o último comandante do SAC. Esta simples mudança reduziria muito o risco de um lançamento nuclear acidental. Ela também assinalaria a outros estados que os Estados Unidos estão a dar passos para finalizar a sua confiança nas armas nucleares.

Prometemos trabalhar de boa fé rumo à eliminação final de arsenais nucleares quando negociámos em 1968 o Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT). Em Maio, diplomatas de mais de 180 países vão-se reunir em Nova York para rever o NPT e avaliar se os membros estão a cumprir o acordo. Os Estados Unidos estão focados, por razões compreensíveis, em persuadir a Coreia do Norte a regressar ao tratado e a negociar constrangimentos mais profundos às ambições nucleares do Irão. Aqueles estados devem ser convencidos a manter as promessas que fizeram quando assinaram originalmente o NPT — que não construiriam armas nucleares em troca do acesso a utilizações pacíficas da energia nuclear. Mas a atenção de muitos países, incluindo alguns potenciais novos estados com armas nucleares, também está sobre os Estados Unidos. Manter tão grande números de armas, e mante-las a ponto de disparar ao primeiro alerta, são sinais poderosos de que os Estados Unidos não estão a trabalhar seriamente para a eliminação do seu arsenal e levanta questões perturbadoras tal como porque de qualquer outro estado deveria restringir suas ambições nucleares.

UMA ANTEVISÃO DO APOCALIPSE

O poder destrutivo das armas nucleares é bem conhecido, mas dado o facto de os Estados Unidos continuarem a nelas confiar, convém recordar o perigo que apresentam. Um relatório de 2000 do International Physicians for the Prevention of Nuclear War descreve os efeitos prováveis de uma única arma de 1 megatonelada — dúzias das quais estão contidas nos stocks russos e americanos. Ao nível zero, a explosão cria uma cratera de 300 pés (91,44 m) de profundidade e 1200 pés (365,76 m) de diâmetro. Dentro de um segundo, a própria atmosfera entra em ignição numa bola de fogo de mais de meia milha de diâmetro (800 m). A superfície da boa de fogo irradia aproximadamente três vezes a luz e o calor de uma área comparável da superfície do sol, extinguindo em segundos todas a vida abaixo de si e irradiando para fora à velocidade da luz, causando severas queimadoras instantâneas a pessoas dentro de uma a três milhas (1,6 a 4,8 km). Uma onda de propulsão de ar comprimido alcança uma distância de 4,8 km em cerca de 12 segundos, eliminando fábricas e edifícios comerciais. Resíduos transportes por ventos de 400 km/h infligem danos letais por toda a área. Pelo menos 50 por cento das pessoas na área morrem imediatamente, antes que quaisquer lesões da radiação ou do desenvolvimento da tempestade de fogo.

Naturalmente, o nosso conhecimento destes efeitos não é inteiramente hipotético. Armas nucleares, com aproximadamente um sétimo da potência daquela de 1 megatonelada aqui descrita, foram utilizadas duas vezes pelos Estados Unidos em Agosto de 1945. Uma bomba atómica foi lançada sobre Hiroshima. Cerca de 80 mil pessoas morreram imediatamente; aproximadamente 200 mil morreram depois. Posteriormente, uma bomba de dimensão semelhante foi lançada sobre Nagasaki. Em 7 de Novembro de 1995, o presidente da municipalidade de Nagasaki recordou as suas memórias do ataque em testemunho perante o Tribunal Internacional de Justiça (International Court of Justice).

"Nagasaki tornou-se uma cidade de mortos, onde não podia ser ouvido nem mesmo o som dos insectos. Após um momento, incontáveis homens, mulheres e crianças começaram a reunir-se por um gole de água nas margens do Rio Urakami nas proximidade, seu cabelo e vestuário queimados e sua pele queimada descolando-se em pedaços como farrapos. Implorando por ajuda eles morreram um depois do outro na água ou em pilhas sobre as margens. Quatro meses após o bombardeamento atómico, 74 mil morreram e 75 mil haviam sofrido lesões, isto é, dois terços da população da cidade havia sido vítima desta calamidade que caiu sobre Nagasaki como uma antevisão do Apocalipse".

Por que tantos civis tinham de morrer? Porque os civis, que foram aproximadamente 100 porcento das vítimas de Hiroshima e Nagasaki, foram infelizmente "co-localizados" com alvos militares e industriais japoneses. O seu aniquilamento, embora não fosse o objectivo daqueles que lançaram as bombas, era um resultado inevitável da escolha daqueles alvos. Convém notar que durante a Guerra Fria os Estados Unidos confirmadamente tinham dúzidas de ogivas nucleares apontadas só sobre Moscovo, porque ela continha muitos alvos militares e demasiada "capacidade industrial".

Presumivelmente, os soviéticos de modo análogo apontavam muitas cidades americanas. A declaração de que as nossas armas nucleares não alvejam populações per se era e continua a ser totalmente enganosa no sentido de que o chamado dano colateral de grandes ataques nucleares incluiria dezenas de milhões de mortes de civis inocentes.

Isto, em poucas palavras, é o que fazem as armas nucleares: Elas indiscriminadamente explodem, queimam e irradiam com uma velocidade e determinação que são quase incompreensíveis. Isto é exactamente o que países como os Estados Unidos e a Rússia, com armas nucleares prestes a disparar ao primeiro alerta, continuam a ameaçar a cada minuto de cada dia neste novo século XXI.

NENHUMA MANEIRA DE VENCER

Tenho trabalhado sobre questões relacionadas com estratégia nuclear e planos de guerra dos EUA e da NATO ao longo de mais de 40 anos. Durante esse período nunca vi uma folha de papel que esboçasse um plano para Estados Unidos ou a NATO iniciarem a utilização de armas nucleares com algum benefício para os Estados Unidos ou a NATO. Fiz esta declaração frente a audiências, inclusive ministros da Defesa da NATO e responsáveis militares superiores, muitas vezes. Nem um alguma vez refutou-a. Lançar armas contra um oponente equipado com o nuclear seria suicídio. Fazê-lo contra um inimigo não nuclear seria militarmente desnecessário, moralmente repugnante e politicamente indefensável.

Cheguei a estas conclusões logo depois de me tornar secretário da Defesa. Embora acredite que os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson partilhassem meu ponto de vista, era impossível para qualquer de nós fazer tais declarações publicamente porque eram totalmente contrárias à política estabelecida da NATO. Depois de deixar o Departamento da Defesa, tornei-me presidente do Banco Mundial. Durante os meus 13 anos de gestão, desde 1968 até 1981, eu estava proibido, como empregado de uma instituição internacional, de comentar publicamente sobre questões de segurança nacional dos EUA. Após a minha retirada do banco, comecei a reflectir sobre como eu, com sete ano de experiência como secretário de Defesa, posso contribuir para um entendimento das questões com as quais comecei minha carreira no serviço público.

Naquele momento, muito estava a ser dito e escrito sobre como os Estados Unidos poderia, e porque deveriam, ser capazes de combater e vencer uma guerra nuclear com os soviéticos. Esta visão implicava, naturalmente, que armas nucleares tinham utilidade militar, que elas podia ser usadas em batalha com ganho final para quem tivesse a força maior ou as usasse com maior perspicácia. Tendo estudado estas visões, decidi vir a público com alguma informação que sabia que seria controversa, mas que senti que era necessária para injectar realidade dentro destas discussões cada vez mais irreais acerca da utilidade militar de armas nucleares. Em artigos e discursos, critiquei a suposição fundamentalmente enviesada de que armas nucleares poderiam ser utilizadas de alguma forma limitada. Não há maneira de conter efectivamente um ataque nuclear — impedi-lo de infligir enorme destruição sobre vidas civis e propriedade, e não há garantia contra a escalada ilimitada uma vez ocorrido o primeiro ataque nuclear. Não podemos evitar o sério e inaceitável risco da guerra nuclear até que reconheçamos estes factos e baseemos nossos planos e políticas militares neste reconhecimento. Mantenho estes pontos de vista ainda mais fortemente hoje do que o fiz quanto pela primeira vez falei contra os perigos nucleares que as nossas políticas estavam a criar. Sei por experiência directa que a política nuclear americana hoje cria riscos inaceitáveis a outras nações e para nós próprios.

O QUE CASTRO NOS ENSINOU

Entre os custos de manter armas nucleares está o risco — para mim um risco inaceitável — do uso das armas tanto por acidente como em resultado de maus julgamentos ou erros de cálculo em tempos de crise. A crise cubana dos mísseis demonstrou que os Estados Unidos e a União Soviética — e na verdade o resto do mundo — estiveram a uma curtíssima distância do desastre nuclear em Outubro de 1962.

Na verdade, de acordo com antigos líderes militares soviéticos, no auge da crise, as forças soviéticas em Cuba possuíam 162 ogivas nucleares, incluindo pelo menos 90 ogivas tácticas. Naquele mesmo tempo, o presidente cubano Fidel Castro pediu ao embaixador soviético em Cuba que enviasse um telegrama ao primeiro-ministro soviético Nikita Khruschev declarando que Castro o encorajava a reagir a um ataque americano com uma resposta nuclear. Claramente, havia um alto risco frente a um ataque americano, que muitos no governo americano estavam preparados para recomendar ao presidente Kennedy, de que as forças soviéticas em Cuba teriam de decidir-se a utilizar as suas armas nucleares ao invés de perde-las. Só uns poucos anos atrás soubemos que cada um dos quatro submarinos soviéticos que rastreavam navios da U.S. Navy próximo de Cuba carregavam torpedos com ogivas nucleares. Cada um dos comandantes dos submarinos tinha a autoridade necessária para lançar os seus torpedos. A situação eram ainda mais terrífica porque, como me contou o principal comandante, os submarinos estavam sem comunicação com as suas bases na União Soviética, e eles continuaram as suas patrulhas durante quatro dias depois de Khrushchev ter anunciado a retirada dos mísseis de Cuba.

A lição, se ela tivesse ficado clara antes, foi apresentada numa conferência sobre a crise efectuada em Havana em 1992, quando começámos pela primeira vez a saber da parte de antigos oficiais soviéticos acerca dos seus preparativos para a guerra nuclear no caso de uma invasão americana. Perto do fim daquela reunião, perguntei a Castro se ele teria recomendado que Khrushchev utilizasse as armas frente a uma invasão americana e, em caso afirmativo, como ele pensava que os Estados Unidos responderiam. "Nós partimos da hipótese de que se houvesse uma invasão de Cuba, a guerra nuclear irromperia", respondeu Castro. "Estávamos nós certos acerca disto? Seria o preço pelo qual desapareceríamos". Ele continuou: "Teria eu estado pronto a utilizar armas nucleares? Sim, eu teria concordado com o uso de armas nucleares". E ele acrescentou: "Se o sr. McNamara ou o sr. Kennedy tivessem estado no nosso lugar, e tivessem o seu país invadido, ou o seu país vindo a ser ocupado... acredito que teriam utilizado armas nucleares tácticas".

Espero que o presidente Kennedy e eu não nos teríamos comportado como Castro sugeriu que teríamos. Sua decisão teria destruído o seu país. Tivéssemos nós respondido de um modo semelhante o dano para os Estados Unidos teria sido impensável. Mas os seres humanos são falíveis. Na guerra convencional, erros custam vidas, por vezes milhares de vida. Contudo, se os erros fossem afectar decisões relativas à utilização de forças nucleares, não haveria curva do aprendizado (learning curve). Elas resultariam na destruição de países. A combinação indefinida de falibilidade humana e armas nucleares carrega um risco de catástrofe nuclear demasiado elevado. Não há nenhuma maneira de reduzir o risco para níveis aceitáveis, além de eliminar primeiramente a política de alerta hair-trigger e depois eliminar ou quase eliminar as armas nucleares. Os Estados Unidos deveria mover-se imediatamente para instituir estas acções, em cooperação com a Rússia. Esta é a lição da Crise Cubana dos Mísseis.

UMA OBSESSÃO PERIGOSA

Em 13/Novembro/2001 o presidente George W. Bush anunciou que havia dito ao presidente russo Vladimir Putin que os Estados Unidos reduziriam "ogivas nucleares instaladas operacionalmente" de aproximadamente 5300 para um nível entre 1700 e 2200 ao longo da década seguinte. Esta escalada para trás aproximar-se-ia da amplitude de 1500 a 2200 que Putin havia proposto para a Rússia. Contudo, a Nuclear Posture Review da administração Bush, mandatada pelo Congresso dos EUA e emitida em Janeiro de 2002, apresenta uma história bastante diferente. Ela assume que armas nucleares estratégico-ofensivas em muito maiores números do que 1700 a 2200 serão parte das forças militares americanas durante as próximas várias décadas. Embora o número de ogivas instaladas venha a ser reduzido para 3800 em 2007 e para entre 1700 e 2200 em 2012, as ogivas e muitos dos veículos lançadores instalados serão mantidos numa reserva "de resposta" ("responsive") a partir da qual eles poderiam seriam movidos em retorno à força operacionalmente instalada. A Nuclear Posture Review recebeu pouca atenção dos media. Mas a sua ênfase sobre armas nucleares estratégico ofensivas merecer rigoroso exame público. Embora qualquer redução proposta seja benvinda, é duvidoso que os sobreviventes — se houver algum — de uma troca de 3200 ogivas (os números americanos e russos projectados para 2012), com um poder destrutivo aproximadamente 65 mil daquele da bomba de Hiroshima, pudessem detectar uma diferença entre os efeitos de um tal intercâmbio e outro que resultaria do lançamento das actuais forças americanas e russas totalizando cerca de 12 mil ogivas.

Além de projectar a instalação de grande número de armas nucleares estratégicas no futuro distante, a administração Bush está a planear uma extensa e dispendiosa série de programas para manter e modernizar a força nuclear existente e começar estudos para novos veículos de lançamento, assim como novas ogivas para todas as plataformas de lançamento. Alguns membros da administração também apelaram a novas armas nucleares que pudessem ser utilizadas como destruidoras de bunkers contra abrigos subterrâneos (tal como os abrigos que Saddam Hussein utilizava em Baghdad). Novas instalações de produção de materiais de cisão precisariam ser construídas para apoiar a força expandida. Os planos destinados a integrar uma defesa nacional de mísseis balísticos dentro da nova tríade de armas ofensivas para aumentar a capacidade do país a usar o seu "poder de projecção de forças" através da melhoria da nossa capacidade para contra-atacar o inimigo. A administração Bush também anunciou que não tem intenção de pedir ao congresso que ratifique o Tratado Abrangente de Banimento de Testes (Comprehensive Test Ban Treaty, CTBT), e, embora nenhuma decisão de testar tenha sido tomada, a administração ordenou aos laboratórios nacionais que começassem a investigar acerca de novas concepções de armas nucleares e a preparar os sítios de testes subterrâneos no Nevada para testes nucleares se necessário no futuro. Claramente, a administração Bush assume que as armas nucleares serão parte das forças militares americanas durante pelo menos as próximas várias décadas.

A participação de boa fé em negociações internacional sobre desarmamento nuclear — incluindo a participação no CTBT — é uma obrigação legal e política de todas as partes do NPT que entraram em vigor em 1970 e foram estendidas indefinidamente em 1995. O programa nuclear da administração Bush, juntamente com a sua recusa em ratificar o CTBT, será encarado com razão, por muitos países, como o equivalente a um rompimento americano do tratado. Ele diz aos países com armas não nucleares: "Nós, com a força militar convencional mais forte do mundo, exigimos armas nucleares em perpetuidade, mas vocês, a enfrentarem oponentes potencialmente bem armados, nunca será permitido nem mesmo uma arma nuclear".

Se os Estados Unidos continuarem a sua actual postura nuclear, ao longo do tempo, a proliferação substancial de armas nucleares quase certamente se seguirá. Algumas, ou todas, de nações como o Egipto, Japão, Arábia Saudita, Síria e Taiwan muito provavelmente iniciarão programas de armas nucleares, aumentando tanto o risco da utilização das armas como o desvio de armas e de materiais de cisão para as mãos de estados patifes ou terroristas. Diplomatas e agências de inteligência acreditam que Osama bin Laden fez várias tentativas de adquirir armas nucleares ou materiais de cisão. Foi amplamente relatado que Sultan Bashiruddin Mahmood, antigo director do complexo do reactor nuclear do Paquistão, encontrou-se com bin Laden várias vezes. Fosse a al Qaeda adquirir materiais de cisão, especialmente urânio enriquecido, a sua capacidade para produzir armas nucleares seria grande. O conhecimento de como construir um simples dispositivo nuclear, como aquele que lançámos sobre Hiroshima, agora é generalizado. Peritos têm pouca dúvida de que terroristas pudessem construir um dispositivo primitivo se adquirissem o urânio enriquecido necessário. Na verdade, tal como no verão, numa reunião da Academia Nacional de Ciências, o antigo secretário da Defesa William J. Perry disse: "Nunca tive mais receio de uma detonação nuclear do que agora. Há uma probabilidade de mais de 50 por cento de ataques nucleares dentro de uma década". Eu partilho dos seus temores.

UM MOMENTO DE DECISÃO

Estamos num momento crítico da história humana — talvez não tão dramático como aquele da Crise Cubana dos Mísseis, mas um momento não menos crucial. Nem a administração Bush, nem o Congresso, nem o povo americano, nem os povos de outros países debateram os méritos de políticas alternativas às armas nucleares de longo curso para os seus países ou o mundo. Eles não examinaram a utilidade militar das armas, o risco da utilização por inadvertência ou acidente, as considerações morais e legais relacionadas com o uso ou a ameaça do uso das armas; ou o impacto das actuais políticas sobre a proliferação. Tais debates estão muito atrasados. Se eles forem efectuados, acredito que concluirão, como eu e um crescente número de líderes militares sénior, e peritos civis em segurança: Devemos mover-nos rapidamente rumo à eliminação — ou quase eliminação — de todas as armas nucleares. Para muitos, há uma forte tentação de aferrar-se às estratégicas dos últimos 40 anos. Mas assim fazer seria um erro que conduz a riscos inaceitáveis para todos os países.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

11/Ago/05