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Washington monta guerra colonial na América Latina
por José Goulão
Os acontecimentos sucedem-se em cascata nos últimos dias tendo como
alvos a Venezuela e, por arrastamento, a Nicarágua e Cuba a
"troika da tirania", citando o triunvirato fascista que comanda
Trump: Michael Pompeo, John Bolton e Michael Pence. Os movimentos militares
não estão apenas em cima das mesas de conspiração,
conforme reconhece a própria CNN, as sanções
económicas e políticas multiplicam-se, as ondas de choque
extravasam em muito a região latino-americana e desconcertam até
alguns dos mais fiéis súbditos de Washington, como a União
Europeia.
A CNN, citando fontes próprias do interior do establishment
norte-americano, revelou a existência de actividades militares orientadas
para a América Central e do Sul resultantes da coordenação
do Estado-Maior conjunto do Pentágono com o Comando Sul (SouthCom),
aprofundando a interacção com países vizinhos
sobretudo Colômbia e Brasil. De acordo com as mesmas fontes, trata-se de
dissuadir a alegada penetração da Rússia e da China na
região, que recentemente o secretário de Estado, Michael Pompeo,
qualificou como "uma provocação" além de,
imagine-se, uma "ingerência nos assuntos internos" da Venezuela.
Tais razões serão válidas apenas para consumo
propagandístico e agitação de fantasmas; porque, em termos
práticos, o que continua a ganhar forma, depois do espaço dado
à vocação "humanitária", são os
preparativos de uma agressão militar norte-americana contra a Venezuela,
que Washington continua a preferir por procuração, isto é,
através de exércitos e mercenários alheios. As
movimentações militares, especialmente navais, serviriam de
enquadramento das operações ofensivas e teriam igualmente cariz
intimidatório.
Os sinais de reactivação da "opção militar
coincidem com os fracassos sucessivos de outras formas de
desestabilização da Venezuela testadas desde que o
vice-presidente dos Estados Unidos, Michael Pence, telefonou a Juan
Guaidó para este se auto-designar "presidente interino" da
Venezuela, em 23 de Janeiro.
Um mês depois registou-se o falhanço estrondoso da
intervenção contra Caracas a partir da Colômbia, sob capa
de "ajuda humanitária", que acabou por se virar contra os
promotores e deixar Guaidó em maus lençóis perante os
patrocinadores de Washington.
Mais recentemente, em 6 de Abril, esteve programado o início de um
"levantamento de massas" através da Venezuela, que deveria ir
ganhando projecção e manter-se até à queda do
governo eleito de Nicolás Maduro. Foi montada uma rede de células
que deveria agitar manifestações em todo o país, mas tudo
indica que a operação morreu no ovo: a resposta "das
massas" está longe de ter o vigor ambicionado.
A conspiração de Washington
A perspectiva de novo fracasso parece ter esgotado a já pouca
paciência de Washington. Em 10 de Abril, as estruturas conspirativas
norte-americanas montaram uma "mesa-redonda" na capital federal, sob
a capa do Centro de Estudo Estratégicos e Internacionais (CEEI), com um
ponto único na ordem de trabalhos: "Avaliar a
utilização da força militar na Venezuela".
A reunião deveria ter sido "privada", o que de facto
aconteceu, mas o jornalista de investigação Max Blumenthal logrou
acesso à lista de participantes honrando a liberdade de imprensa
e provando que a luta dos jornalistas dedicados à
investigação e à busca da verdade foi ferida mas
não liquidada com a prisão de Julian Assange.
A "lista de participantes" expõe uma autêntica
associação de malfeitores, um conluio de índole mafiosa,
gente para quem "a mudança de regime na Venezuela só
é possível castigando a população", o que
"não tem qualquer importância" segundo palavras
anteriormente proferidas por um dos presentes, o embaixador William Brownfield.
Desconhece-se o teor das intervenções na reunião sobre a
intervenção militar na Venezuela. Mas averiguando o que pensam os
conspiradores, pelo menos os principais, ficaremos com uma noção
do que foi dito e preparado.
O já citado William Brownfield foi embaixador dos Estados Unidos na
Venezuela a seguir ao golpe de 2002 contra Hugo Chávez e não
descansou um momento no ataque à democracia venezuelana, sucessivamente
como membro das administrações de George W. Bush, Obama e agora
Trump. "Mais do que um narco-Estado, a Venezuela é um Estado
mafioso", considera Brownfield. Por isso, "a melhor
solução é acelerar o colapso, nem que produza um
período de maior sofrimento durante meses, talvez anos".
Não será descabido supor, perante este tipo de
afirmações, que o "combate ao narcotráfico"
venha a ser um dos argumentos a brandir para justificar uma agressão
militar contra a Venezuela. Já não seria a primeira vez,
conhecendo o tipo de alegações que conduziram à
invasão do Panamá e até do Afeganistão, país
onde, desde a instalação da NATO, o comércio de
estupefacientes floresce como nunca. O que acontece também com um dos
grandes aliados norte-americanos na América Latina, a Colômbia, um
narco-Estado que não necessita de ser invadido porque Washington
já está presente e tirando proveito.
Uma reunião que não foi académica
Olhando a lista de participantes na reunião promovida em 10 de Abril
deduz-se que a intenção de "avaliar a
utilização da força militar na Venezuela" fica muito
aquém do que efectivamente se passou. Tratou-se muito provavelmente de
uma reunião operacional, pois figuras como o almirante Kurt Tidd, o
embaixador Brownfield ou o terrorista Roger Noriega não são
pessoas de perder tempo e gastar experiência com debates
académicos. E a presença de membros em funções no
Departamento de Estado de Pompeo, como Stephen Dreikorn e Keith Mines, de um
alto quadro do Conselho Nacional de Inteligência, como David Tapia, de
três representantes da USAID, uma agência da CIA para
mudanças de regimes, além de vários "assessores"
da equipa usurpadora de Juan Guaidó indiciam um estado mais
avançado de preparação do que uma simples troca de
opiniões. Sem esquecer o significado da presença de
delegações oficiais representativas da Colômbia e do Brasil.
O almirante Kurt Tidd foi, até há quatro meses, o comandante do
Comando Sul das Forças Navais norte-americanas (SouthCom), com tarefas
de controlo sobre a América Latina.
A sua presença numa reunião deste tipo tem enorme
importância, não há outra interpretação
possível; porque trata-se de alguém com anos de práticas
desestabilizadoras e intimidatórias contra a Venezuela, incluindo planos
golpistas organizados como o que esteve previsto para 2016 e foi frustrado pela
Revolução Bolivariana.
"Há que continuar a manipular o cenário em que a Venezuela
'está à beira do colapso e da implosão', reforçando
"a matriz mediática que liga a crise eléctrica à
responsabilidade exclusiva de Maduro", incitou o almirante em
ocasiões anteriores que não estão, porém,
desactualizadas. A multiplicação de actos terroristas para
provocar apagões que afectam a Venezuela é actual e provavelmente
continua a ser testada não apenas para minar a situação
interna mas também para ser uma arma em situação de
agressão militar.
O terrorista Noriega
A presença de uma figura como Roger Noriega na reunião de 10 de
Abril, ainda que na discreta posição de representante do American
Enterprise Institute, é todo um programa de conspiração
operacional.
Noriega é um intervencionista veterano dos tempos do escândalo
Irão-Contras, um braço executivo de Elliot Abrams no apoio a
grupos de mercenários e esquadrões da morte patrocinados pelos
Estados Unidos para lançar o terror contra as revoluções
na Nicarágua e em El Salvador nas duas últimas décadas do
século passado.
Sendo Elliot Abrams, actualmente, o enviado especial norte-americano para a
entronização de Guaidó e o derrube de Maduro, a
presença de Roger Noriega numa reunião sobre o uso da
força militar na Venezuela significa que a sua realização
tem de ser levada muito a sério.
Os planos contra Caracas desenvolvidos sob a alçada do almirante Kurt
Tidd prevêem desde sempre o recurso a mercenários e
esquadrões da morte que, para o efeito, continuam a ser preparados nas
bases norte-americanas de Tona e Tolemaida, na Colômbia.
Perante os acontecimentos em cascata que se têm sucedido nos
últimos dias torna-se evidente que Roger Noriega reaparece agora como
uma peça-chave dos planos de Pompeo, Bolton e Adams para a
América Latina - e que vão além da Venezuela.
O recentíssimo reforço das sanções contra a
Nicarágua e, sobretudo, contra Cuba representam o agravamento de uma
filosofia colonial intervencionista no "quintal das traseiras" e que
tem vindo a ser considerada como a restauração plena da velha
Doutrina Monroe. À luz da qual, obviamente, quaisquer apoios a
países da região por parte de potências como a China e a
Rússia são "provocações", como já
declarou Michael Pompeo, o secretário de Estado e ex-director da CIA.
Além de antigo e actual colaborador próximo de Elliott Abrams na
definição da estratégia terrorista contra a Venezuela,
existem outras poderosas razões para considerar relevante o papel de
Noriega em tudo o que está a passar-se na América Latina. Ele foi
exactamente um dos autores da lei anti-cubana Helms-Burton, em 1996, agora
restaurada em todo o seu articulado para agravar as sanções
contra Havana.
Existe uma unidade estratégica na política de Pompeo, Bolton e
Adams para a América Latina. E Roger Noriega é um dos elementos
fulcrais da equipa que a desenvolve e aplica. Por isso, a sua presença
na reunião de 10 de Abril, juntamente com o almirante Kurt Tidd e o
embaixador William Brownfield, confirma o carácter operacional desta.
Roger Noriega, o terrorista que em tempos lamentou o facto de "os Estados
Unidos se terem enganado ao não dar a devida importância a Hugo
Chávez", defende que a mudança de regime é a
única opção a tomar em relação à
Venezuela. "Quando existe um regime cruel, não há outra
solução", afirma.
A restauração plena da chamada Lei Helms-Burton é mais um
reforço do bloqueio contra Cuba mas afecta também numerosas
empresas e importantes negócios de outras regiões e entidades,
incluindo a União Europeia.
Ora a União Europeia tem-se identificado com a estratégia
latino-americana do triunvirato fascista que envolve Trump. O alargamento dessa
estratégia a vários países, designadamente Cuba, afecta
ainda mais directamente vastos e importantes interesses da União
Europeia. Interesses que realmente contam para Bruxelas, como os dos
negócios privados e das propriedades e lucros das empresas.
A imprensa espanhola revelou que a alta representante para a política
externa da União Europeia, Federica Mogherini, escreveu uma carta para a
Casa Branca garantindo que Bruxelas fará queixa dos Estados Unidos
à Organização Mundial de Comércio se a
aplicação da lei de Noriega contra Cuba for até às
últimas consequências. O cenário resultante desta demanda
europeia, se for concretizada, poderá criar atritos muito sérios
entre a União e Washington.
Resta agora saber se este rasgo de "atrevimento" de Mogherini segue
os seus trâmites ou não passará de um papel perante o qual
Trump irá rir-se às gargalhadas.
Os acontecimentos dos últimos dias em relação a
América Latina, incluindo a reunião de guerra efectuada em 10 de
Abril, colocam, afinal, um dilema à União Europeia: reage
à doutrina colonial de Washington ou continua, como até aqui, a
sustentar uma figura golpista e cada vez mais desacreditada como Guaidó?
Tendo em consideração os antecedentes próximos ou
afastados e o que está em jogo não apenas regionalmente
é difícil acreditar que Bruxelas chegue a desafiar
Washington. Nada faz prever que tenha chegado o dia das surpresas.
19/Abril/2019
Ver também:
Russia throws down the gauntlet to US on Venezuela
, de M. K. Bhadrakumar
O original encontra-se em
www.oladooculto.com/noticias.php?id=329
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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