McNamara: o obstinado sentido do controle

por Alejandro Nadal [*]

Americanos fogem de Saigon, 1975. Parece uma semana agitada. Há reunião do G8. A crise não recua e domina a ordem do dia. Em Detroit, a Ford Motor Company prepara-se para uma nova emissão de títulos corporativos para enfrentar os seus apuros financeiros. Em Washington, o Banco Mundial prognostica uma recuperação muito lenta da economia mundial para 2011. A guerra no Afeganistão agrava-se, com uma nova ofensiva estado-unidense e uma remessa de ataúdes que regressam em voo solitário sobre o Atlântico rumo ao cemitério militar de Arlington. Todos estes acontecimentos estão entrelaçados e ligam-se à morte de Robert S. McNamara.

McNamara cristaliza seis décadas de história imperial. Sua trajectória começa com a aplicação de novos métodos quantitativos para analisar a efectividade dos bombardeamentos aliados na segunda guerra mundial. Depois, em 1946, quando o complexo automobilístico estado-unidense começa a sua reconversão à indústria civil, McNamara é contratado por Ford. É a época dourada das economias capitalistas. A sua carreira na companhia leva-o a converter-se no primeiro presidente que não pertencia à família.

Em fuga desesperada, colaboracionistas lutam por um lugar no avião. Ele demorou muito pouco no posto: em 1961 John F. Kennedy nomeou-o secretário da Defesa. A guerra no Vietname, a suposta brecha de mísseis nucleares (com a ex URSS) e o desperdício de recursos no Pentágono foram as razões aduzidas por Kennedy para designar um especialista em novas técnicas de administração. McNamara tinha interesse em tudo isto, mas foi na guerra do Vietname que se empenhou a fundo na utilização dos seus conhecimentos.

No conflito exprimiu com fanatismo a ideia de que se se tiver controle de todas as variáveis relevantes o êxito é só questão de tempo. Mesmo no mundo dos negócios, essa visão peculiar das coisas pode tornar-se perigosa: a palavra crise escreve-se com "c" de caos, não de controle. Mas numa guerra, a própria ideia de que se podem controlar os acontecimentos é absurda.

Para McNamara, a solução para a guerra do Vietname passa pela tecnologia. A única coisa que era preciso era aplicar uma metodologia racional, o problema resolver-se-ia quase por arte de mágica. Assim, introduziram-se as técnicas de pesquisa operacional para organizar e optimizar o esforço bélico. Tudo devia passar pela optimização, desde o planeamento de missões e a sequência das missões até a entrega de equipamentos e a consolidação de linhas de abastecimento. A programação linear nunca experimentara tantas aplicações novas. É como se o recém desempacotado de Detroit procurasse aplicar os ritmos e movimentos do taylorismo ao esforço bélico na Indochina.

A estratégia medular corresponderia aos bombardeamentos realizados pelos aviões B52. Entre 1965 e 1968 as missões dos B52 foram incrementadas de 400 para 1200 saídas mensais. Cada bombardeiro lançava umas 30 toneladas de bombas num padrão conhecido como bombardeio de saturação. As crateras das bombas de 250 quilogramas dos B52 eram muito maiores e mais profundas que as de qualquer outro tipo de bombardeamento. Estimas-se que ficaram 26 milhões de crateras no Vietname. Cada uma media entre seis e 12 metros de diâmetro e tinha uma profundidade de até seis metros.

A "craterização da Indochina" não foi a única cicatriz. O Pentágono também procurou privar o inimigo do seu refúgio na selva aplicando 18 milhões de galões [68,1 milhões de litros] do infame Agente Laranja, um produto químico desfolhante cujas sequelas ainda afectam a vida de muitos no Vietname. McNamara também ordenou o bombardeamento dos diques do Rio Vermelho para destruir o sistema de irrigação do celeiro do Vietname.

Quando McNamara chegou ao Pentágono, os Estados Unidos tinham uns 10 mil soldados no Vietname. Mas quando saiu em 1968, as tropas estado-unidenses chegavam a meio milhão de soldados. Já haviam morrido 41 mil soldados estado-unidenses e ainda morreriam outros 14 mil antes de Washington abandonar Saigão em 1973. O povo vietnamita teria sofrido mais de 2 milhões de mortes.

McNamara pressentiu a derrota em 1968, o ano da ofensiva do Tet. Johnson substituiu-o no posto e nomeou-o presidente do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, rebaptizado por McNamara como Banco Mundial. O organismo começou a preparar-se para desempenhar o triste papel de promotor do capital financeiro à escala mundial. Em 1995 publicou as suas memórias e reconheceu que o Vietname havia sido um erro. Há que conhecer melhor o inimigo e a sua história, assinalou. E depois ficou a deambular no cenário, como um actor que estorva e nada tem a acrescentar.

Talvez a verdadeira tragédia que envolva o ritual de sacrifício desta personagem não seja tanto a sua incapacidade para entender a história, nem a do seu próprio país nem a da Indochina. O drama é que hoje mesmo, no Afeganistão, a administração Obama caminha pela mesma trilha de destruição e morte. A obsessão do controle não é levada à tumba juntamente com McNamara. Nos novos documentos do Pentágono e da Casa Branca ela continua.

[*] Economista, http://www.nadal.com.mx

O original encontra-se em http://www.jornada.unam.mx/2009/07/08/index.php?section=opinion&article=025a1eco


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10/Jul/09