Os horrores do rating e a "eficiência" capitalista

por Rick Wolff [*]

Muitos aspectos do nosso "eficiente" capitalismo combinaram-se para produzir o colapso do crédito que agora ameaça cada vez mais aspectos da economia global. Um deles foi o fracasso das companhias privadas de classificação (rating) em avaliar com precisão e revelar com honestidade os riscos de títulos baseados num "pacote" de empréstimos (títulos que proporcionam aos seus possuidores uma porção daquele pacote principal e/ou juros). Isto foi especialmente verdadeiro para títulos com base em empréstimos hipotecários emitidos nos anos de euforia do boom habitacional. Investidores por todo o mundo compraram aqueles títulos com base nas classificações daquelas companhias. As suas compras financiaram a bolha habitacional estado-unidense que agora explodiu . Agora sabemos que tais classificações eram grosseiramente erradas. Os proprietários destes títulos em todo o mundo estão a incorrer em perdas incríveis e a reduzir os seus empréstimos a todos os tomadores. A ansiedade acerca de riscos de todas as espécies de empréstimos aumentou juntamente com o aprofundamento da desconfiança para com todas as avaliações de risco. Aumentam os incumprimentos, bancarrotas e arrestos juntamente com as probabilidades de recessão em 2008 .

O entendimento da razão porque as companhias de classificação contribuíram para este desastre abre uma janela crucial na actual crise de crédito global. Também ensina lições básicas acerca do capitalismo globalizado de hoje. O primeiro passo é apreender a estrutura da indústria que vende avaliações dos riscos implicados nos títulos (incluindo aqueles baseados sobre empréstimos). Das 150 empresas de classificação existentes no mundo, três delas são dominantes. A Moody's e a Standard and Poor's – os dois gigantes da indústria – detêm 80 por cento do mercado. O Departamento da Justiça dos EUA refere-se as elas, estranhamente, como um "monopólio em parceria". Esta indústria geral lucros maciços e taxas de lucro no topo. A Moody's, por exemplo, em 2006 gerou rendimentos de US$2 mil milhões, dos quais derivou um rendimento antes de impostos de US$1,1 mil milhões (mais do que uma taxa de lucro de 50 por cento). Não é de admirar que o principal accionista da Moody's (com uma fatia de 19 por cento) seja Warren Buffett. Aquele mago foi bastante sábio para comprar a Moody's, mas não os títulos que a Moody's classificava, de modo que mais uma vez a sua companhia, Berkshire-Hathaway, aparentemente agarrou-se àquelas acções quando o desastre do crédito rebaixou-as dos US$70 para menos de US$35 em 2007.

O segundo passo é verificar quão gravemente aquelas companhias fracassaram. Considere-se a investigação empreendida pela Morgan Stanley e descrita num artigo recente (24/Dezembro/2007) na revista Barron's. Eles estudaram os 6431 títulos apoiados por hipotecas residenciais emitidos em 2006. Destes, 2087 emissões foram classificadas AAA (a mais alta classificação, com o risco mais baixo); 1266 foram classificadas AA, e o resto foi classificado A ou inferior. No espaço de tempo de um ano das suas emissões, a maior parte destes títulos foi reexaminada pelas companhias de classificação pois os valores dos mesmos afundaram e ficou claro que o processo de classificação havia errado em alguma coisa. Em resultado do seu reexame, mais de 50 por cento foram degradados, isto é, foram-lhes dadas novas classificações, mais baixas. A Morgan Stanley comparou a taxa de degradações em 2006-2007 com a norma histórica do período 1998-2006. Os resultados são espantosos. Dentre os títulos apoiados por hipotecas residenciais subprime classificados como AAA, 4 por cento foram degradados (apesar de que a norma histórica era 0,12 por cento). Dentre os títulos classificados AA, 12,2 foram degradados (contra uma norma histórica de 0,64 por cento). Dos títulos classificados como A e abaixo, uns 97 por cento experimentaram degradações (contra a norma histórica de 1,24 por cento).

O terceiro passo é examinar as ramificações de um fracasso tão espectacular. Por todo o mundo, toda a espécie de indivíduos, empresas, governos e organizações não-governamentais (universidades, instituições de caridade, hospitais, etc) compraram estes títulos para financiar as suas actividades. Eles agora têm de degradar as suas actividades a fim de seguir os seus investimentos agora degradados, às suas perdas de milhares de milhões. Ainda temos de começar a contar os custos sociais das actividades degradadas. Além disso, é demasiado cerdo para efectuar uma avaliação real. O que todos nós podemos estar certos é de que as perdas são enormes. Como a aversão ao risco espraia-se, os possuidores de outros títulos apoiados por dívida perdem mais milhares de milhões. Aqueles com dívidas descobrem que é mais difícil ou impossível liquidá-las. Novos tomadores de empréstimos enfrentam custos mais elevados para empréstimos pequenos que exigem entradas mais elevadas. A actividade económica contrai-se. A indústria habitacional estado-unidense já está portanto no desastre.

Algumas perdas e algumas reduções de valor foram anunciadas. Muitas ainda são desconhecidas, não contadas, se não escondidas porque se fossem conhecidas seriam politicamente explosivas. Exemplo: que perdas sobre tais títulos teria o governo chinês de admitir junto ao seu povo? Como será que governadores e presidentes de municipalidades enfrentarão a ira de eleitores americanos com os aumentos de impostos sobre a propriedade para compensar as dificuldades que surgem na emissão de títulos classificados pelas mesmas, agora comprometidas, companhias de rating ? Quais fundos de pensão sofreram perdas devido a tais títulos que poderão impedi-las de cumprir plenamente os benefícios prometidos? Quais os fundos mútuos que compraram títulos apoiados por hipotecas e ainda têm de contar ou anunciar todas as perdas? Quais daqueles fundos mútuos estão incluídos nas carteiras de que depende a sua vida, directa ou indirectamente? O que acontece agora quando às companhias que fizeram seguros de empréstimos faltarem fundos suficientes para pagar as reclamações que estão a caminho? Estarão também os cartões de crédito sub-prime, empréstimos a estudantes e a corporaç:ões que apoiam muitos milhares de milhões em outros títulos prestes a implodir?

Ao longo de 2007, sustos repetidos acerca de produtos chineses importados (alimentos para animais, brinquedos, etc) ensinaram-nos a lição de que a motivação do lucro privado pode lançar muitas mercadorias tóxicas nos mercados globais. Os escândalos das hipotecas sub-prime ensinam a lição de que as indústrias financeiras podem vomitar produtos ainda mais tóxicos para dentro dos mercados globais. Os horrores da classificação ensinam que a motivação do lucro também pode infectar as empresas encarregadas especificamente da avaliação do risco daqueles produtos financeiros. Deste modo, foram feitos enormes lucros – um lado da moeda – assim como um número enorme foi e será tosquiado – o outro lado.

As próprias classificadoras foram inicialmente o resultado de reformas. Anos atrás, quando enormes perdas decorriam de títulos cujos emissores haviam apresentado os seus riscos de forma inadequada, levantou-se a exigência reformista de que alguém deveria avaliar "independentemente" o seu risco de modo a que os investidores fossem informados com honestidade. Verificou-se agora que os fornecedores de tais avaliações independentes podem apresentá-las de forma tão desastrosa quanto os seus emitentes faziam e fazem. Mas um outro conjunto de tais reformas – e isto é tudo o que o artigo da Barron's acima citado propõe – promete um êxito não melhor do que as reformas passadas. Além disso, "avaliações independente de risco" por parte do governo são tão corrompíveis como as das empresas privadas.

O artigo da Barron's utiliza a palavra "apodrecido" para descrever a crise das hipotecas subprime. Talvez a palavra descreve algo mais profundo no funcionamento no nosso sistema económico que continua a gerar booms e bolhas com exuberância irracional e brutais perturbações financeiras. Em que ponto será preciso que as vastas perdas económicas e sociais resultantes exijam que encaremos mudanças mais profundas e mais fundamentais?

04/Janeiro/2008

[*] Professor de Ciências Económica na Universidade de Massachusetts - Amherst.   Autor de numerosos livros e artigos , incluindo (com Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/wolff040108.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
10/Jan/08