Acerca dos ensaios do aço

– A qualidade dos submarinos da US Navy

Moon of Alabama [*]

Tive outra vida antes de começar a escrever sobre política no Moon of Alabama. Assim, quando surge uma notícia que se relaciona com a minha vida anterior como engenheiro industrial, vou certamente lê-la e, por vezes, até escrever sobre ela. Aqui está uma delas.

Metalurgista admite resultados falsos em testes de aço para submarinos da Marinha

Uma metalurgista do estado de Washington declarou-se culpada de fraude na segunda-feira depois de ter passado décadas a falsificar os resultados dos testes de resistência do aço que estava a ser utilizado para fabricar submarinos da Marinha dos EUA.

Elaine Marie Thomas, 67 anos, de Auburn, Washington, foi a directora de metalurgia numa fundição em Tacoma que forneceu peças fundidas de aço utilizadas pelos empreiteiros da US Navy, Electric Boat and Newport News Shipbuilding, para fazer cascos de submarinos.

De 1985 a 2017, Thomas falsificou os resultados dos testes de resistência e tenacidade para pelo menos 240 produções de aço – cerca de metade do aço que a fundição produziu para a Marinha, de acordo com o seu acordo de alegação, arquivado segunda-feira no Tribunal Distrital dos EUA em Tacoma. Os testes destinavam-se a demonstrar que o aço não falharia numa colisão ou em certos "cenários em tempo de guerra", disse o Departamento de Justiça.

A resistência do tipo especial de aços que permite aos submarinos irem a profundidades sem implodirem deve ser assegurada em todas as circunstâncias. Especialmente quando se quiser mover montanhas submarinas, correndo contra elas, como o USS Connecticut tentou recentemente. Ligas especiais em submarinos são frequentemente utilizadas onde coisas como o periscópio ou linhas de água de arrefecimento penetram no casco. Ter qualquer material potencialmente frágil nesses locais pode ser catastrófico. Devido aos resultados falsificados dos testes, a Marinha poderá ter de reduzir a profundidade máxima de mergulho permitida para alguns dos seus submarinos.

Mas a razão dada por Thomas para falsificar os resultados dos testes é o que considero realmente preocupante:

Quando confrontada com os resultados falsificados, Thomas disse aos investigadores: "Sim, isso parece mau", disse o Departamento de Justiça. Ela sugeriu que, em alguns casos, mudou os testes para passar nas notas, porque pensava ser "estúpido" que a Marinha exigisse que os testes fossem realizados a 100 graus Farenheit negativos (negativos -73,3 graus Celsius).

Esta é uma citação alarmantemente "estúpida" por parte de alguém que se supõe ser um metalurgista. Estes testes não são 'estúpidos' mas necessários.

Há um teste padrão para a resistência ao impacto do aço que é feito regularmente a uma temperatura abaixo de zero. É o ensaio de resistência ao impacto Charpy com entalhe em V (vídeo).

Para um ensaio de impacto Charpy (Charpy impact test), uma parte de uma peça fundida é cortada e maquinada numa peça bem definida com um entalhe. Os seus bordos são então colocados contra uma bigorna. Um martelo oscilante desce e destrói a peça de teste. A diferença de altura do martelo na posição inicial e no fim do balanço exprime a energia que foi necessária para destruir a peça.

É um teste simples e fácil de fazer e os resultados podem dizer muito sobre as características materiais da peça testada. As figuras abaixo mostram os resultados do teste para dois tipos de aço. A peça superior fracturou mas não se partiu. A mais quebradiça abaixo partiu-se.

Dependendo da sua estrutura cristalina interna, a tenacidade (toughness) de um metal pode mudar com a sua temperatura. O material mais quebradiço tem uma estrutura cúbica centrada no corpo (body centered cubic, BCC) com um átomo assentado no meio de um cubo formado por outros oito átomos. As ligas de aço mais resistentes têm uma estrutura de cristal cúbico centrada na face (face centered cubic, FCC) onde um átomo extra assenta em cada face do cubo.

Estrutura BCC


Estrutura FCC

Para descobrir que tipo de estrutura tem um pedaço de metal, pode-se arrefecê-lo e fazer um ensaio de impacto Charpy a temperaturas muito baixas.

Abaixo de uma certa temperatura, o aço com uma estrutura de cristal cúbico centrada no corpo (bcc) tornar-se-á subitamente fraco, ao passo que o aço com uma estrutura cúbica centrada na face (fcc) manterá a sua tenacidade. Um teste de impacto Charpy a temperatura baixa e normal permite diferenciar entre eles.

A estrutura cristalina do aço pode ser influenciada na fundição durante a moldagem (casting). A liga, a temperatura da fusão, a velocidade do arrefecimento e/ou uma têmpera adicional afectarão a estrutura.

Se a fundição tiver cometido um erro durante a moldagem, poderá ter produzido um aço com a estrutura e características erradas. Os testes de material são a forma de descobrir possíveis erros. Um teste Charpy a diferentes temperaturas é uma forma simples de determinar se foram de facto cometidos erros.

Saltar o teste ou falsificar os seus valores, como fez neste caso a pessoa em causa, é totalmente inaceitável.

Mas o que realmente me preocupa é que Thomas ou não sabia ou ignorava o acima exposto. Ela pensou que era "estúpido" que a Marinha exigisse os testes abaixo de zero, mesmo quando existem razões sólidas e bastante simples para isto. Não é só a Marinha dos EUA que exige tais testes. As sociedades de classificação e seguradoras para navios civis e a indústria petrolífera e do gás têm procedimentos semelhantes.

Quando o metalurgista que estava a ser treinado para a substituir descobriu que Thomas estava a falsificar os resultados dos testes, reconheceu imediatamente a gravidade do problema e informou a empresa. Foi a coisa certa a fazer.

Durante uma parte da minha formação em engenharia, fiz um estágio no laboratório de testes de material de um grande estaleiro naval. Fazíamos os testes de Charpy muitíssimo frios apenas uma vez por semana, porque precisávamos de nitrogénio líquido para arrefecer as peças de teste. O nitrogénio líquido tem um ponto de ebulição de -195,8°C (-321 °F). Ele evapora-se rapidamente mas é divertido brincar com isso (vídeo), o que eu, claro, fazia um bocado.

09/Novembro/2021

[*] Sítio web editado por Bernhard

O original encontra-se em www.moonofalabama.org/2021/11/on-testing-steel.html#more

Este artigo encontra-se em resistir.info

12/Nov/21