Se provocar o mundo inteiro, algo
pode
acontecer
Os Estados Unidos acreditam ser tão invencíveis, excepcionais e
assustadores que ninguém ousaria protestar, quanto mais defender seu
povo contra a humilhação constante, os embargos económicos
e as ameaças militares.
Costumava ser assim há algum tempo. No passado, o Ocidente costumava
intimidar o mundo antes e depois de cada ataque bem planeado. Além
disso, propaganda bem trabalhada costumava ser aplicada.
Foi declarado que as coisas são feitas "legalmente" e
racionalmente. Havia certos estágios nos ataques colonialistas e
imperialistas: "defina seus objectivos", "identifique sua
vítima", "planeie", "faça lavagem cerebral
nos seus próprios cidadãos e no resto do mundo" e
então, só então, "bombardeie um país infeliz
para que volte à idade da pedra".
Agora as coisas são um pouco diferentes. O líder do "mundo
livre" acorda no meio da noite e tuíta. O que sai do seu
computador, tablet ou telefone (ou o que ele usa) é espontâneo,
sem polimento e incrivelmente perigoso. Semelhante em substância ao que o
fez acordar no meio da noite, em primeiro lugar.
Ele não parece planear. Ele dispara do quadril. Hoje, enquanto escrevo
este ensaio, ele declarou ter "cinco estratégias para a
Venezuela". Vá-se lá saber. Bravo!
Antes, quando estava prestes a desembarcar em Londres, proferiu insultos contra
o responsável da capital britânica, chamando-o nomes. Um pouco
como costumávamos fazer um ao outro, quando tínhamos cinco anos
de idade, no parque infantil do bairro.
Ele tem ofendido regularmente o México e, claro, o Irão, a China
e a Rússia.
Basicamente ele diz ao líder da nação mais populosa do
mundo a China para "comparecer" à Cimeira do
G20, se não...
Sempre que ele e seus lugares-tenentes estão com
disposição, ocupam-se a hostilizar todos: Cuba e
Nicarágua, RPDC e Venezuela, Bolívia e Síria.
É claro que os principais "culpados" são sempre os
"grandes
bad boys
", a Rússia e a China.0
Qualquer um, a qualquer momento, poderia facilmente aterrar na proverbial lista
de vítimas do presidente Trump e dos seus falcões dos EUA.
Poderia ser a Índia (que, durante os "bons tempos submissos"
era chamada pelo Ocidente de "a maior democracia"), ou talvez a
Turquia (militarmente o segundo país mais poderoso da NATO). O mundo foi
convertido numa entidade que parece dirigida por uma ditadura sedenta de sangue
e imprevisível. O mundo
é
uma entidade onde todos estão aterrorizados pela possibilidade de serem
expurgados, aprisionados, esfaimados até à morte, ou directamente
atacados, até liquidados.
Sempre foi assim, pelo menos na história moderna do planeta.
Colonialismo, neocolonialismo, imperialismo: eles têm muitas faces
diferentes, mas uma raiz comum. Raiz que tem sido muitas vezes escondida
profundamente sob a superfície.
Mas desta vez tudo é às claras, cru e brutalmente honesto.
Tanto George W. Bush como Donald Trump têm uma coisa em comum: são
honestos.
Bill Clinton e Barack Obama foram presidentes 'suaves'. Eles eram amados na
Europa, pois sabiam como falar educadamente, jantar com elegância e
cometer assassinatos em massa de uma maneira "racional e justa"; no
"antiquado estilo europeu".
Os modos brutais e vulgares de W. Bush e Donald Trump têm
sistematicamente chocado todos aqueles indivíduos que ficavam
satisfeitos quando as coisas eram feitas "do modo elegante" e
"com correcção politica"; seja um golpe ou os esfaimar
de milhões até a morte através de embargos. Ou seja,
invasões ou bombardeios "inteligentes" (praticamente
"inteligentes", o que significa muito longe de olhos inquisitivos).
Mas não são apenas as 'sensibilidades ofendidas' da
população predominantemente europeia que importam.
O perigo é que alguém leve a sério Donald Trump e responda
de acordo.
No passado, insultos verbais semelhantes àqueles agora desencadeados
pelo presidente dos EUA, poderiam facilmente ter levado a uma guerra, ou pelo
menos ao desmantelamento de relações diplomáticas.
E agora?
No caso de os ocidentais ainda não terem percebido, as pessoas em todo o
mundo estão indignadas. Falo com líbios, afegãos,
iraquianos, venezuelanos, cubanos, iranianos: eles odeiam o que vem de
Washington; odeiam isso com paixão. Eles sabem que o que lhes
está a ser feito é terrorismo, vingança. Mas por enquanto,
não sabem como se defender. Ainda não, mas estão a pensar.
O mundo inteiro agora parece-se com um gueto brutal, ou uma favela, onde um
gang fortemente armado controla as ruas e, na verdade, todos os cantos e becos.
Pelo menos no passado, pessoas subjugadas eram capazes de se esconderem por
trás de palavras decorativas e piruetas ideológicas. Eram capazes
de "salvar a sua face". Foram sodomizadas em nome da
"liberdade", "democracia" e "direitos humanos".
Agora, uma realidade horrível está a voar directamente para toda
a parte: "Você fará tal como lhe foi dito!" "Somos
nós que decidiremos". "Obedeça, porque dissemos".
Nações orgulhosas inteiras estão a ser reduzidas a estados
de escravos ou, pior ainda, a cachorros de colo.
Como todos sabem, até mesmo lacaios e escravos guardam rancor. E
cães maltratados podem morder.
Ao longo da história, os escravos se rebelaram. Os verdadeiros
heróis vieram de nações rebeldes e escravizadas.
Isso, o que temos agora em nosso planeta, não é bom, não
é uma situação saudável.
Quanto mais países estiverem a ser intimidados, maiores as
probabilidades de que em algum lugar, em breve, as coisas se desfaçam;
colapsem.
Até agora só um medo terrível garante que, se uma cidade
síria, líbia ou afegã for arrasada não
haverá retaliação real: as áreas urbanas dos EUA
permanecem intactas.
Apenas uma incrível paciência dos líderes russos ou
chineses garante que, até agora, mesmo com suas economias a serem
atingidas por sanções ridículas, estas duas
nações poderosas não retaliem e arruínem o sistema
financeiro dos EUA (que é apenas um tigre de papel).
Trump ousa. Ele tortura e humilha mais da metade do mundo, depois olha em
frente e ri: "Então, o que vai fazer agora?"
Até agora o mundo não está a fazer nada.
Mesmo o orgulhoso e poderoso Irão não está "a cruzar
a linha". Quando milhões de pessoas sofrem, por causa de
sanções insanas, a Armada iraniana ainda não se envolve
com os navios de guerra dos EUA que navegam muito perto de suas costas.
Mesmo que cada vez mais bases dos EUA estejam a ser construídas bem
junto às fronteiras da Rússia e da China, até agora
não existem bases militares substanciais sendo erguidas por Moscovo ou
Pequim em lugares como Nicarágua, Cuba ou Venezuela.
Tudo isso pode mudar em breve.
E o tão temido (por Washington) efeito dominó pode realmente
acontecer.
Os líderes não-ocidentais também têm seus 'dias
ruins' e noites terríveis. Eles também acordam no meio da noite e
pensam, querem comunicar-se e agir.
Imagine um líder iraniano acordando às 2 da manhã e
subitamente sentindo-se oprimido pela ira porque homens, mulheres e
crianças iranianos estão a sofrer, sem razão alguma, em
consequência do sadismo perverso regurgitado pelo Ocidente. E se ele
também tuitasse um insulto? E se ele apenas ordenasse, num impulso do
momento, que todos aqueles porta-aviões e destróiers obsoletos
dos EUA que flutuam nas proximidades fossem afundados? O Irão pode fazer
isso: todo mundo sabe que pode! Tecnicamente, militarmente, é
fácil: esses navios são apenas patos prontos para serem alvejados.
E então? Washington irá atacar o Irão?
Alguém pode dizer: O Ocidente está a matar milhões todos
os anos, de qualquer forma. Melhor lutar contra isso, a fim de parar de uma vez
por todas. Outros podem participar. E então? Trump dará ordens
para matar dezenas de milhões, só para manter o controle sobre o
mundo?
E se os navios da Armada dos EUA abalroarem um navio russo ou chinês,
como quase recentemente fizeram no Mar da China Meridional? Se um navio russo
ou chinês afundar, dezenas de marinheiros morrem. E há uma
retaliação? E então?
E se a Síria perder a paciência e começar a abater
aviões militares israelenses que a bombardeiam e atacar as
"forças especiais" norte-americanas e europeias que ainda
instaladas, ilegalmente, no seu território?
Os EUA estão envolvidos em todo o mundo. França e Reino Unido
também. E se conversar com pessoas na África, Ásia,
Médio Oriente, logo perceberá quais são os verdadeiros
sentimentos em relação a Washington!
Se provocar o mundo inteiro, algo terrível pode acontecer!
Agora, há uma coligação inteira de nações
poderosas, prontas para se defenderem e também se defenderem mutuamente.
Militarmente, economicamente e ideologicamente.
O mundo não é um escravo do Ocidente ou dos Estados Unidos.
Não é uma latrina.
Este é o novo mundo. Considerando os horrores que foram espalhados pelo
Ocidente, por muitos longos anos e séculos, a Ásia, a
África, a "América Latina", o Oriente Médio e a
Oceania são incrivelmente pacientes e indulgentes. Mas os EUA e a Europa
não devem considerar esta tolerância como garantida. Não
devem provocar suas vítimas antigas e presentes.
Agora, nós (as pessoas da parte anteriormente arruinada do mundo)
começamos a nos manifestar: sobre o que nos está a ser feito
à China e à Rússia, à América do Sul,
à África e ao Médio Oriente. Com consciência vem a
coragem. Com coragem vem o orgulho.
Não interprete mal nossa gentileza. Não é uma fraqueza.
Não mais. Pense duas vezes antes de falar (ou tuitar). Pense mil vezes,
antes de agir!
10/Julho/2019
[*]
Filósofo, romancista, cineasta e jornalista investigativo. Ele cobriu
guerras e conflitos em dezenas de países. Quatro dos seus últimos
livros são
O original encontra-se em
www.unz.com/avltchek/if-you-provoke-the-entire-world-something-may-happen/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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