Novos hierarcas não eleitos da UE darão continuidade à
desordem actual
Apesar de tudo o que aconteceu na UE nos últimos cinco anos, os seus
estados membros resolveram seleccionar quatro políticos que encarnam a
continuidade total com todas as políticas que levaram a UE à
desordem actual.
Nenhuma das recentes calamidades persuadiu o bloco a alterar, ainda que
ligeiramente, a sua rota. Nem a ascensão de partidos anti-sistema na
Itália, Alemanha, França, Finlândia e alhures. Nem a
ascensão de forças [ditas] patrióticas na Polónia e
na Hungria. E nem o Brexit, o qual em termos económicos é o
equivalente à perda não de um estado membro mas sim de 20
e que destruirá as actuais disposições orçamentais
da UE.
Os quatro homens e mulheres cujas nomeações foram marteladas na
terça-feira estão todos determinados a criar uns
"Estados Unidos da Europa"
(para
citar
a futura nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von de Leyen) e
portanto a prosseguir exactamente com a mesma integração europeia
que está a provocar tanta tensão interna em estados membros da UE
e suas instituições. Além disso, três dos quatro
vêm dos estados nucleares da UE, os membros fundadores originais em 1951,
sem nenhum da
"nova Europa"
no Leste ou no Centro da mesma. É como se, neste tempo de crise
profunda, a UE quisesse retornar às suas fontes de cerca de 70 anos
atrás, ao invés de reinventar-se novamente para enfrentar os
novos desafios do século XXI.
O anúncio mais gritante é naturalmente o do lugar de topo, o da
ministra da Defesa alemã Ursula von der Leyen como presidente da
Comissão. Porque a Comissão tem um monopólio sobre todo o
processo legislativo e executivo nas instituições da UE, este
corpo é o motor que conduz toda a máquina. O parlamento, em
comparação, é destituído de poderes. O facto de a
Alemanha ter agora adquirido controle da mais importante
instituição da UE é notável, nem que seja porque
é a primeira vez que um alemão teve este posto desde o primeiro
presidente da Comissão, Walter Hallstein, que ocupou o cargo entre 1958
e 1967. Nas décadas que decorreram, e especialmente desde 1990, a
Alemanha emergiu como a potência hegemónica na UE e nada é
decidido em Bruxelas sem o acordo de Berlim.
A Alemanha também domina o Parlamento Europeu: quatro dos sete grupos no
parlamento, e portanto mais de dois terços dos membros, são
liderados por alemães. Quando Angela Merkel se prepara para deixar o
gabinete em Berlim ela, portanto, pode estar certa de que o seu legado
subsistirá, na verdade aumentará, em Bruxelas e em Estrasburgo,
onde as instituições da UE serão controladas pelos seus
aliados políticos mais próximos e seus herdeiros.
A contribuição específica de Ursula von der Leyen,
além da sua nacionalidade e do seu status como aliada estreita de Angela
Merkel, é que é uma apoiante comprometida não só do
conceito
de uma Europa federal como também de um exército da UE. Como
ministra da Defesa, ela anteriormente anunciou planos para investir 130
mil milhões nos
militares
da Alemanha ao longo de 15 anos, bem como um aumento de 10 por cento em 2019
para
subir este valor
para 50 mil milhões. Se esta remilitarização for
vestida com roupas
"europeias",
então as tensões da Guerra Fria no continente europeu só
poderão crescer, algo que a sra. von der Leyen deseja claramente: ela
é notória por ser um dos piores falcões anti-russos na
Alemanha e na Europa.
Dificilmente as coisas são melhores com a menos importante das quatro
nomeações, aquela de Josep Borrell como chefe da política
externa. Assim como von der Leyen disse que a Rússia já
não é mais um parceiro, em Maio também Borrell descreveu a
Rússia como
"um velho inimigo".
A Rússia
convocou
o embaixador espanhol em Moscovo ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros para protestar. Borrell
partilha
com von der Leyen uma crença dogmática mas
auto-contraditória numa "defesa europeia compatível com a
NATO". A NATO é na realidade dominada pelos Estados Unidos. E
apesar de ele ter sido crítico da tentativa do governo estado-unidense
de forçar uma mudança de regime em Caracas, Borrell no entanto
apoia
o
"reconhecimento"
de Juan Guaidó como presidente da Venezuela: tal como sua
posição sobre a defesa, este compromisso é também
auto-contraditório porque se Guaidó fosse realmente o presidente
legal da Venezuela, como proclama Borrell, então o jovem fantoche dos
EUA teria todo o direito de remover Nicolas Maduro à força.
Charles Michel, o novo presidente do Conselho Europeu, é o segundo belga
a ter ocupado este posto essencialmente honorífico: Herman van Rompuy
foi nomeado como o primeiro presidente em 2009 (o segundo foi Donald Tusk,
Michel é o terceiro). Diz-se frequentemente da Bélgica que tem
sete parlamentos mas nenhum estado: agora Michel terá 27 governos mas
ainda nenhum estado. Seria difícil imaginar um político mais
conformista do que Charles Michel: este criado liberal nunca pronunciou uma
palavra original na sua vida. Além disso, tal como Ursula von der Leyen,
ele tem a política da UE no sangue. Tal como Ernst Albrecht, pai de
Ursula von der Leyen, o qual foi um responsável superior da
Comissão Europeia antes de se tornar ministro presidente da Baixa
Saxónia (Ursula nasceu em Bruxelas e frequentou a Escola Europeia), o
pai de Charles Michel, Louis, foi um ministro dos Negócios Estrangeiros
belga e comissário europeu. Duas das quatro nomeações de
ontem são portanto dinásticas, enfatizando a casta
à semelhança da classe política europeia à
qual dever-se-ia talvez acrescentar Josep Borrell que é um antigo
presidente do Parlamento Europeu e antigo presidente do Instituto da
Universidade Europeia, em Florença.
Em suma, nenhum dos quatro brilha como uma personalidade ao passo que
vários deles têm sido envolvidos em escândalos financeiros
Borrell por deixar de declarar 300 mil por um trabalho de um ano
em consultoria em
2012
e Lagarde por aprovar um
pagamento
do Estado a um amigo de Nicolas Sarkozy. Leyen tem sido muitas vezes acusada
de incompetência como ministro, mais preocupada com o seu penteado
perfeito do que em dirigir as forças armadas alemãs. Todos os
quatro sobreviveram na política, na maior parte dos casos durante
décadas, precisamente porque nunca se desviaram da linha do partido e ao
invés chegaram onde estão fazendo como lhes dizem.
Quanto ao homem eleito na quarta-feira como presidente do Parlamento Europeu,
ele não tem poder de todo. O pouco poder que o Parlamento Europeu tem
é o do interesse dos seus membros. A eleição de
David-Maria Sassoli representa um novo prego no caixão da
representação política porque ele representa uma
força gasta na política italiana. Como membro do Partido
Democrático, ele posiciona-se pela velha ordem a qual em 2018 foi
varrida para longe em Roma quando a nova esquerda do 5 Estrelas e a nova
direita da Liga construíram uma aliança para por de lado os
velhos partidos. Acima de tudo, Sassoli foi vice-presidente no parlamento
anterior e portanto a sua eleição agora é também
uma expressão de continuidade.
Em suma, confrontada com uma crise existencial e uma grave falta de
credibilidade, a mensagem da UE aos seus eleitores e ao mundo é:
Business as usual.
03/Junho/2019
[*]
Doutorado em filosofia pela Universidade de Oxford, ensinou nas universidades
de Paris e Roma, é historiador e especialista em assuntos internacionais.
O original encontra-se em
www.rt.com/op-ed/463298-eu-parliament-council-commission/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|