Às vésperas das eleições ao PE
Os mediocres fundadores da União Europeia
por Jacques-Marie Bourget
Annie Lacroix-Riz lembra Eric Hobsbawm, o gigante inglês da
história, especialista em nações e em nacionalismo. Um
exemplo: em 1994 este sábio escreveu
"A era dos extremos",
um
livro que nos fixa à verdade, sem dúvida como Arquimedes no
instante de gritar "Eureka". Para Hobsbawm, o século XX
não durou cem anos mas apenas 75, de 1914 a 1991. Antes da "Grande
Guerra", o século XIX acaba o seu tempo a espezinhar seu sucessor
e, após a "Guerra do Golfo", o XXI já está a
chamar. O historiador inglês é aborrecido com os
calendários ainda que tenha o seu modo de os por em dia. E o que
aconteceu a este livro que se deve ter sempre na mala em caso de êxodo?
Em França, nada. Foi preciso que
Le Monde Diplomatique
se mobilizasse para que Hobsbawm fosse traduzido e editado pela Complexe. Em
Paris, a camarilha que domina a publicação dos livros de
história não queria mostrar o ponto de vista deste
britânico. Para eles era desqualificado uma vez que marxista, portanto
paleolítico e forçosamente cúmplice do Gulag.
Annie Lacroix-Riz vive a mesma desventura no próprio seio de uma
"comunidade" reduzida ao palavreado, a dos nossos historiadores
oficiais que escrevem as suas obras directamente para a televisão
sentados ao colo de
BHL
. Em geral eles têm um passado de duros militantes do PCF e, como todos
os convertidos, tornaram-se
Savonarolas
. Tanto pior, a investigadora tem uma boa reputação no resto do
planeta e junto aos anglo-saxónicos, até mesmo junto aos seus
colegas mais
reaças. O que os investigadores apreciam é a capacidade de
trabalho desta dama que come uma sande nos arquivos e acaba por ali dormir. Ela
lê tudo em todas as línguas, com Lacroix-Riz estamos na
brutalidade dos factos, suas citações fazem dos seus leitores
testemunhas da história.
Ela acaba de publicar um livro que, estamos certos, jamais ouvirão
falar:
"Aux origines du carcan européen (1900-1960)"
[1]
("Nas origens da sujeição europeia (1900-1960)")
publicado pelas
edições Le Temps des Cerises. Neste período em que nos
pedem para votar sobre a Europa, suas palavras têm sentido.
Recordemos o postulado, aquele que justifica a União como uma
evidência: "A Europa é o meio de evitar a guerra"... Em
algumas frases Lacroix-Riz arruma este slogan lembrando as guerras da
Jugoslávia, as divisões violentas e hoje a Ucrânia que
é um drama exemplar. Sua motivação é sempre a
mesma, para avançar seus interesses os Estados Unidos continuam a
utilizar a Europa como uma ferramenta. Desta vez para combater a Rússia.
O trabalho da historiadora remonta à fonte deste esquema, daquilo que se
poderia chamar "Euramérica". Pois esta Europa de hoje, seu
germe, ou seu ovo, é bem mais antiga que os mano-a-mano de De Gaulle ou
de Mitterrand com os chanceleres alemães. No fim deste livro, o
balanço das investigações: a Europa é
apenas uma sucessão de ententes oportunas entre os grandes grupos
financeiros alemães e franceses, com os Estados Unidos a velarem pelo
respeito do contrato de casamento. Primeiro um idílio escondido, na fase
mais brutal da guerra de 1914. Um conflito que faria matar os homens mais
prósperos da indústria. Assim, lembra-nos Lacroix-Riz, em Agosto
de 1914, após a entrada dos alemães em Briey, foi feito um
acordo secreto de "não bombardeamento" dos estabelecimentos do
Senhor de Wendel. Cartazes "a proteger" foram mesmo afixados a fim de
que um mariola com capacete de ponta não viesse prejudicar o
património sagrado desta família. Outro exemplo de entente muito
cordial, o de Henry Gall e seu trust químico Ugine. Este, por
intermédio da sua fábrica suíça de La Lonza,
fornecerá à Alemanha toda a sua produção
eléctrica e os produtos químicos necessários ao fabrico de
armas terríveis como a cinamida. Entre firmas, durante a guerra
continua a paz.
Outra demonstração desta estratégia
transfronteiriça: a invalidação do tratado de Versalhes.
Este, que punha fim à guerra de 1914 e constrangia a Alemanha a
sanções, é conscienciosamente sabotado pelos Estados
Unidos que temiam "o imperialismo" de uma França demasiado
forte e demasiado laica. A 13 de Novembro de 1923 Raymond Poincaré
é constrangido a ceder à pressão de Washington. O acordo
é o seguinte: vocês se retiram do Ruhr, aceitam um Comité
de peritos e financeiros americanos, e nós cessamos de especular contra
o vosso franco. É o secretário de Estado Hugues que apresenta
este ultimato em nome do banqueiro JP Morgan, este mesmo banco que encontramos
hoje na origem da crise financeira mundial. Neste ukase do lado de lá do
Atlântico encontra-se a mão na sombra que, pouco a pouco, vai
modelar a Europa tal qual ela é.
Uma anedota: em Agosto de 1928, quando Raymond Poincaré propõe a
Gustav Stresemann, o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros
(que em 1923, por breve tempo, foi chanceler) fazer uma "frente comum"
contra "a religião americana do dinheiro e os perigos do
bolchevismo", há uma recusa. Para Lacroix-Riz, Stresemann é
um "pai da Europa" demasiado desconhecido, o peão dos bancos
da Wall Street e exactamente do JP Morgan ou do Young. Em 1925, aquando da
assinatura do pacto de Locarno, que redesenha a Europa do após guerra,
é o mesmo Stresemann que Washington alcunha como grande arquitecto, ao
passo que Aristide Briand e a França são assentados na ponta das
nádegas sobre um trampolim. Stresemann assina o que ele qualifica
secretamente de "pedaço de papel enfeitado com numerosos
carimbos". O governo do Reich já assinou acordos secretos com os
nacionalistas estrangeiros, amigos. Stresemann sabe que este Pacto
é
obsoleto à nascença. No entanto "Locarno", quando
Hitler bate às portas, permanecerá nos discursos dos partidos de
direita
e aqueles das Ligas, a palavra sagrada. Um sinónimo de paz quando
não é senão uma máscara do nazismo.
Tendo a França perdido seu domínio sobre o Ruhr, é tempo
de assinar a verdadeira paz, a dos negócios. É o nascimento da
"Entente internacional do aço", que dará o "Pool
carvão-aço", ou seja, nossa Europa feita em bancos. A
Alemanha obtém 40,45% da Entente, a França 31,8%: a guerra
está acabada e uma outra pode começar. E ela vem. Em 1943 os
Estados Unidos e a Inglaterra modelam o "estatuto monetário"
que deverá ser executado uma vez terminado o conflito. O vencedor (os
Estados Unidos) "imporá às nações aderentes o
abandono de uma parte da sua soberania por fixação das paridades
monetárias". Este desejo demorou algum tempo para se realizar mas,
com os papéis desempenhados hoje pelas agências de
notação e pela obrigação que os Estados da Europa
têm de não contrair empréstimos senão no mercado
privado, o plano está a ser finalmente respeitado.
A 12 de Julho de 1947 abre-se em Paris a "Conferência dos
dezasseis". Os canhões nazis ainda estão quentes quando a
Alemanha e os Estados Unidos choram novamente sobre o destino do Ruhr. Ainda
que à margem da Conferência, anglo-americanos e alemães
têm reuniões paralelas a fim de liquidar os desejos da
França. Por uma vez Paris mantém-se firme. Furiosos, os
americanos enviam um emissário a fim de "reescrever o
relatório geral da Conferência". No bom sentido. Em
particular seis pontos são ditados por Clayton, o secretário de
Estado do Comércio. Eles resumem o programa comercial e financeiro
mundial, e portanto europeu, de Washington. Os Estados Unidos exigem a
constituição de uma "organização europeia
permanente encarregada de examinar a execução do programa
europeu". Esta máquina será a OECE. Ela prefigura
"nossa" Europa. E Charles-Henri Spaak, primeiro presidente da
Organização Europeia de Cooperação Económica
não é senão um secretário que aplica as
instruções americanas.
Quanto aos heróis que celebramos, eleições europeias
obrigam, "os pais da Europa", ao ler Lacroix-Riz
não se tem vontade de sermos seus filhos. Jean Monnet? Primeiro reformado
em 1914, mercador de álcool durante a Lei Seca, fundador da Bancarmerica
em São Francisco, conselheiro de Tchang Kai-Chek por conta dos
americanos. Depois, em Londres em 1940, Monet recusa-se a associar-se à
France Libre para, em 1945, tornar-se o enviado de Roosevelt junto ao
general Giraud
... Eis aqui um homem com o perfil ideal para por de pé uma Europa
livre. Neste jogo de família quer um outro "Pai"? Eis aqui
Robert Schuman, outro ícone. Um pormenor da vida do herói
é suficiente para qualificá-lo: no Verão de 1940
ele vota a favor de plenos poderes para Pétain e aceita como
prémio ser membro do seu
governo. Após a guerra, Schuman será posto em penitência, o
que é uma prática habitual para um tão bom
católico. Depois, esquecido o passado, ele vai pressionar por uma
Euro-América: capitalista, cristã e a desenvolver-se na estufa da
NATO.
Antes das eleições "europeia" de 25 de Maio
próximo ainda há tempo para ler
"Aux origines du carcan européen",
um livro deixa o rei nu. Aqueles que, como
François Hollande, estão convencidos de que "Deixar a Europa
é deixar a história" poderão constatar que o
Presidente diz a verdade. Deixar uma história escrita pelos banqueiros
americanos.
16/Maio/2014
[1]
Aux origines du carcan européen (1900-1960),
co-edição Delga-Le temps des cerises, Abril 2014, 15 euros
O original encontra-se em
www.afrique-asie.fr/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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