"O BCE não é a solução mágica para a crise da eurozona"

por Costas Lapavitsas
entrevistado por Màrius Fort

O economista grego Costa Lapavitsas é professor da Universidade de Londre e colaborador do diário The Guardian. Um ano atrás liderou um grupo de diferentes economistas de tradição keynesiana e também marxista que elaborou um relatório crítico à resposta dos países da UE à crise. O debate centrava-se então nos ajustes fiscais e salariais adoptados nos países da periferia. Agora os problemas agravaram-se, tal como previa então.

O senhor considera, como muitos sustentam em diferentes tribunas, que actualmente os mercados governam a Europa?

Sei que é uma ideia que se escuta muitas vezes ultimamente. Contudo, não é algo que eu me atrevesse a afirmar. Creio que se trata de uma generalização demasiado simples. Pois bem, o que gostaria de dizer a respeito é que o mercado de títulos e as instituições financeiras alcançaram hoje um enorme poder na Europa. Não governam, é certo, mas têm sim um poder enorme, também no resto do mundo. Este poder pode ser entendido de duas maneiras. Por um lado, estes mercados ditam as políticas económicas de diferentes países; pelo outro, e é o mais preocupante, estes mercados estão influindo em quem está e em quem não está no governo de um país: ministros, primeiros-ministros, etc. É algo muito preocupante para a democracia e para o futuro político na Europa.

Ao longo desta crise foram aparecendo diferentes soluções que se pretendiam definitivas. Agora parece que a corrente de opinião geral assinala o Banco Central Europeu (BCE). O que opina a respeito?

Desde o início desta crise vamos de generalização em generalização. Que a Europa sofre falta de integração fiscal, que a Europa tem líderes políticos fracos, que a Europa sofre disso, daquilo e daqueloutro. Agora parece que há outra solução. Pois deixe-me dizer-lhe que o BCE não é a varinha mágica que vai solucionar a crise na eurozona.

Por que?

Por duas razões. A primeira, porque o BCE não é um banco central normal. Nós nos equivocamos se esperamos que se comporte como se fosse da Reserva Federal dos Estados Unidos ou o Banco da Inglaterra. O BCE não tem um Estado por trás, os bancos centrais de verdade tem-no. Por exemplo, se dissessem ao BCE que comprasse livremente títulos do governo não estaria a comprar os títulos do seu próprio estado, que é o que se passa nos Estados Unidos ou no Reino Unido, estaria a comprar o títulos de 17 estados diferentes, e muitos deles estão claramente insolventes. O BCE colocar-se-ia ele próprio numa posição de fraqueza. A segunda razão porque o BCE não é a solução mágica para a crise é porque esta crise, depois de tudo, não é uma crise de liquidez, não é um caso simples de proporcionar suficiente liquidez à Espanha, Itália ou Grécia. Esta crise é estrutural pelas desigualdades na união monetária, pelo facto de que esta união monetária alberga economias que têm níveis de produtividade e de competitividade que são muito diferentes e porque além disse contem economias que divergiram na última década. Essa é a raiz do problema da crise actual. E isto é algo que o BCE não pode resolver. Mesmo que intervenha e pacifique a crise não a resolverá. Não é a solução. A crise precisa de mudanças estruturais, mudanças profundas, e não é o BCE que fazê-las.

Acredita então que nos encaminhamos definitivamente para uma Europa de duas velocidades?

Precisamente porque esta crise é tão profunda, porque procede de causas estruturais, não de liquidez, deverá haver mudanças estruturais. Doutra maneira, isto é impossível de resolver ou manejar. É impossível dizer que forma terão estas mudanças. Uma possibilidade poderia ser que alguns membros da união monetária europeia saíssem. Outra, que a união se divida em duas partes que competissem entre si, com taxas de câmbio flexíveis entre si. Uma terceira opção é que a união monetária seja rompida definitivamente. Todos voltariam às suas moedas nacionais anteriores ao euro menos a Alemanha. Tudo isto são cenários abertos porque a união monetária hoje é insustentável na sua forma actual. Não sei o que tem em mente a Alemanha mas certamente estão a planear algum tipo de mudança estrutural de grande porte pois sabem que o problema é estrutural.

Que opinião merece a liderança da Alemanha nesta crise?

Minha opinião é que esta crise mostrou de forma muito clara a natureza da união monetária e da União Europeia. De facto, mostrou em que se converteram estes intra-estados e instituições com o tempo. Não importa como começou a união monetária. O que importa é no que se converteu. E a crise nos mostrou. Dizia-se que promoviam a identidade europeia, a solidariedade entre as pessoas da Europa, que proporcionavam bem-estar social, ajudas aos trabalhadores e aos salários, em definitivo, pretendia-se um ponto de vista europeu diferente do ponto de vista anglo-saxão liderado pelos Estados Unidos e, em certa medida, pelo Reino Unido. Muita gente acreditou nisso. E também pensaram que estes mecanismos estavam concebidos para a paz, para a democracia e para que existisse uma tolerância social na Europa. A crise nos mostrou que este não é o caso. Certamente, a união monetária europeia é um mecanismo que está orientado principalmente para servir os interesses dos grandes bancos. Isso é óbvio. Também serve os interesses das grandes empresas europeias e relacionado com tudo isso, naturalmente, está o facto de servir os interesses de um núcleo de países determinados em detrimento dos países periféricos. É uma aliança hierárquica. Não é uma aliança de iguais. Entre este núcleo de países está a Alemanha, que se erigiu sem nuances como o país líder da união. Berlim dita como hão de ir as coisas e naturalmente faz com que os seus interesses internos predominem, isso é inevitável. Isto tem sérias implicações sobre a soberania nacional dos países, que foi transgredida e reduzida na periferia. Também tem implicações na democracia, que é o mais preocupante. Não é só uma questão de mercado, trata-se destes mercados a interferirem nas democracias dos países.

Num exercício de economia-ficção, como vê a Europa dentro de uma década?

Se as actuais estratégias dos países do núcleo da União Europeia, principalmente a Alemanha, tiverem êxito, se prevalecerem, a Europa não vai estar muito bem. Não dentro de uma década, muito antes. A Europa será um continente de escasso crescimento, de elevado desemprego, de grandes tensões sociais, de democracias cada vez mais débeis, de crescentes relações hierárquicas de domínio entre nações, que perderá influência no mundo. Contudo, os países do núcleo da união, com a Alemanha à frente, tornar-se-ão muito poderosos, com implicações imprevisíveis. Isto é o que creio que aconteceria se as elites alemãs concretizassem os seus planos. Pois bem, contudo, que é mais provável que o actual sistema não sobreviva, que a união europeia se rompa em dois núcleos, o núcleo e outras moedas nacionais. As implicações para a União Europeia são mais uma vez imprevisíveis. Tudo depende dos acontecimentos actuais.

O que pensa que acontecerá na Espanha?

A Espanha e a Itália são países meio periféricos, meio do núcleo. Têm uma posição intermédia. São mais importantes que a Grécia, Irlanda ou Portugal pelo seu tamanho. Se as pessoas na Espanha disserem claramente que querem novas estratégias alternativas às actuais e estão preparadas para se mobilizarem por isso então as coisas poderiam mudar. Em alternativa, se aceitarem a austeridade, a lógica europeia, se aceitarem as políticas que surgem em Berlim, então o futuro para a Espanha não é muito agradável. A economia da Espanha nos próximos 20 anos não se apresenta muito bem. Seu êxito baseou-se nos créditos baratos e na construção. Agora tem um desemprego elevado e o crescimento da sua produtividade é muito baixo. A Espanha precisa de um novo começo. Deve lutar por isso. Se aceitar as políticas que vêm ditadas de Berlim e Bruxelas não vai mudar nada. Não haverá um novo princípio. Haverá mais marginalização. Com as políticas actuais o futuro dos países periféricos não se apresenta nada bem.

Acredita que aumentará a tensão social nos países mais afectados pela crise?

Na Europa cada país reagirá de maneira diferente conforme a sua história, tradições e equilíbrio entre as suas forças sociais. Há muitos sinais esperançosos que vêm precisamente da Espanha. Foi o país em que começaram os indignados. Mostrou que os espanhóis têm a força para poder dizer "não" a determinadas políticas [NR*] . O que é mais notável do meu ponto de vista é que o que se passou na Espanha, aquela explosão de criatividade, de pensamento alternativo, passou-se quando a Espanha não estava sob nenhum programa de resgate da União Europeia ou sob os ditames do Fundo Monetário Internacional. Creio que sairão muitas coisas interessantes da Espanha neste sentido de protesto contra as políticas ditadas por Berlim e Bruxelas. A Europa os observa.

Na Grécia, o partido da extrema-direita LAOS chegou ao governo. Acredita que nos países em que a situação económica é mais complicada os partidos extremistas chegarão ao poder?

É um sinal muito preocupante. No caso da Grécia, penso que pode inclusive desacreditar a extrema direita porque pode ser associada ao programa de austeridade, mas também que pode ser beneficiada porque estão no poder e podem mostrar à sociedade que são um partido que pode estar no poder. É um passo muito perigoso para a Europa. Creio que sim, que no futuro poderemos ver mais partidos de extrema-direita no poder. A extrema-direita grega está mais integrada no sistema político grego e está mais preparada. É certo que a crise representa uma oportunidade para o auge da extrema-direita. Mas não se pode generalizar. Não quer dizer que o que se passa na Grécia possa acontecer em qualquer lado.

22/Novembro/2011

[NR] Esta entrevista é anterior às últimas eleições espanholas, ganhas pelo PP.

  • Do mesmo autor: Ruptura – Uma via para sair da crise da Eurozona

    O original encontra-se em www.lavanguardia.com/


    Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 03/Jan/12