A crise do euro e a crise sistêmica global
A crise sistêmica global segue sua marcha, profunda e devastadora, como
todas as grandes crises do capitalismo. O grande capital afia suas armas,
realizando uma verdadeira guerra de classes contra os trabalhadores visando
colocar todo o ônus da crise na conta da população e dos
assalariados, enquanto os próprios trabalhadores, refeitos dos impactos
iniciais da crise, iniciam uma jornada de lutas contra o capital em
praticamente todas as partes do mundo, especialmente na Europa e Norte da
África, muito embora essas lutas não estejam ainda unificadas e
com um programa alternativo à ofensiva do capital.
Enquanto isso, as classes dominantes tateiam no escuro sem encontrar uma
saída para crise, uma vez que os mecanismos clássicos
anticíclicos, que tinham alguma efetividade nos períodos das
crises cíclicas, agora perderam a relevância, uma vez que a crise
sistêmica global da atualidade coloca um conjunto de problemas novos para
os quais as classes dominantes, acostumadas a viver num mundo que está
ruindo, não estão em condições de
resolvê-los. Por mais que os meios de comunicação
diariamente procurem manipular a realidade, com a velha história de que
os problemas estão sendo superados, a crise tende a se agravar e
aprisionar em cadeia novos países.
A Europa neste momento se apresenta como a bola da vez na cadeia da crise
mundial. Todos os países europeus estão profundamente endividados
e parte expressiva dessa dívida foi feita para reduzir temporariamente a
bancarrota do sistema financeiro dos respectivos países, profundamente
comprometidos com a especulação mundial anterior à crise.
Os problemas europeus se tornam mais graves porque a Europa criou a zona do
euro, com uma moeda única, mas com enormes disfunções e
desigualdades de produtividade entre os países, o que ampliou o fosso
entre as nações de baixa produtividade, que acumularam
déficits, e aquelas que acumularam superávits em
função da elevada competitividade de suas economias.
Diante das questões, a publicação do excelente livro
Ascensão e Queda do Euro,
publicado em Portugal e ainda sem edição brasileira, presta uma
grande contribuição para o debate não só das
questões referentes à crise que atinge atualmente a Europa, mas
também sobre os privilégios norte-americanos com a emissão
de uma moeda mundial e os impasses que hoje permeiam as economias naquela
região. Coordenado pelo economista Jorge Figueiredo, diretor do site
resistir.info
, o livro reúne um grande elenco de economistas progressistas que se
debruçam sobre os principais problemas que a implantação
do euro trouxe para as economias européias. Todos com uma visão
crítica da economia política, eles debatem não só a
crise atual, mas principalmente elaboram um conjunto de propostas para
enfrentar a crise.
Para esses economistas, a Europa do capital que se formou com o euro não
cumpriu nenhuma das promessas que propagandeou quando foi iniciado esse
processo e que se tornou mote para que fosse aprovado o Tratado de Maastrich. O
conto da ideologia do europeísmo, que prometia uma
integração que levaria à unidade, a solidariedade e a paz
entre os povos europeus e ampliaria a coesão social, foi sequestrada
pelo grande capital, que se apropriou desde o início da
integração e colocou em marcha um processo que está
reduzindo a democracia e levando os trabalhadores à miséria.
Isso sem contar que aparecem hoje com força o racismo, a xenofobia e o
preconceitos contra os povos, do tipo "gregos preguiçosos",
"italianos irresponsáveis", "portugueses
indolentes", tudo isso para justificar o assalto contra as
instituições e os direitos dos trabalhadores. Apesar dos dramas
humanos que os ajustes provocam, por incrível que pareça, parcela
expressiva dos bancos vem se comportando como abutres, especulando no mercado
sobre quem será a próxima vítima, a próxima bola da
vez da crise.
Com a crise, o setor financeiro do grande capital ganhou tal influência
que já foi capaz de desmontar parte dos direitos e garantias do Estado
do Bem Estar Social, impor seus representantes não apenas no Banco
Central Europeu, mas em vários países como na Itália e
Grécia, além de uma política de austeridade cruel para
todos os povos da região, especialmente para as nações
endividadas, tudo isso para colocar seus povos a serviço dos bancos.
O livro começa com uma abordagem teórica sobre o dinheiro, os
juros e a inflação, bem como uma análise sobre os custos,
problemas e perigos que o dólar representa atualmente para o sistema
econômico, de autoria do economista holandês Rudo de Ruijter. Ele
critica o fato de os Estados Unidos emitirem uma quantidade dólares
muito maior que seus ativos reais, emissão que lhe possibilita comprar
mercadorias reais com papel pintado, sob a forma de déficit, resultando
assim num privilégio imperial para os Estados Unidos.
Para os autores, a Europa do euro é a Europa dos banqueiros e
especuladores, a Europa neoliberal, controlada pela União
Européia (UE) e o Banco Central Europeu (BCE), aos quais agora se junta
o Fundo Monetário Internacional (FMI), a verdadeira
troika
que dirige a zona do euro. A maioria dos autores acredita que só um
afastamento da zona do euro será capaz de superar a crise, enquanto
ainda há quem acredite em soluções keynesianas para
resolver os problemas.
Este é o caso de Yannis Varoufakis e sua Proposta Modesta (Modest
Proposal). Varoufakis parte do princípio de que deveria ser realizada
uma grande negociação entre representantes dos países com
déficits elevados e os países superavitários e
representantes dos bancos europeus que possuem títulos dos países
com altos déficit, de forma a que se possa tratar o problema da
dívida em sua totalidade. O próprio Varoufakis é
cético quanto a implementação da proposta, em
função da rigidez dos interesses das elites financeiras.
A proposta envolve três medidas básicas: a) converter os 60% do
total da dívida de todos os países da eurozona num título
europeu comum, emitido pelo BCE, de forma a reduzir o custo da tomada de
empréstimos e atrair investimentos dos países
superavitários, transformando o euro numa moeda de reserva
internacional; b) dar poderes ao Banco Europeu de Investimentos para realizar
um amplo programa de investimentos pan-europeu como forma de se contrapor
às forças da recessão; c) colocar em funcionamento a
disciplina fiscal entre os Estados membros de forma a acabar com as tentativas
de um Estado de minar a política de investimentos de outro estado.
As outras propostas, com diferentes graus de detalhes, são
favoráveis à saída do euro. É o caso de Rudo de
Ruijter. Ele propõem a saída do euro, o fim da austeridade e a
criação de um Banco Central do Estado, controlado pelo
Parlamento, uma vez que tanto o BCE, quanto os Bancos Centrais atuais
são dirigidos, na prática, pelos interesses privados. Esse novo
Banco Central criaria uma moeda do Estado, na proporção de 1 por
1, e seria o único habilitado e emitir dinheiro. Todos os bancos
comerciais seriam proibidos de criar moeda através do crédito. Os
empréstimos em curso seriam de responsabilidade dos bancos até
seu reembolso total. Caso tenham interesse, esses bancos seriam
intermediários entre o Banco do Estado e o público, atividade
para a qual receberiam uma comissão.
Todos os juros irão para o caixa do Estado, o que tornaria o sistema
mais barato e facilitaria a atividade produtiva. A dívida do Estado
seria suprimida com a moeda do Estado e quando este quisesse se endividar
recorreria à própria moeda do Estado, mediante um teto
democraticamente e constitucionalmente definido. A menor influência dos
bancos em relação à sociedade dará lugar a uma
maior influência democrática no destino dos países.
Outra das propostas é feita por um conjunto de economistas, capitaneados
por Costas Lapavitsas, que defende o rompimento com o euro e um incumprimento do
pagamento da dívida conduzido pelos próprios devedores, de
maneira soberana e democrática. Ele reconhece que a saída do euro
tem riscos e custos, mas afirma que a continuidade da política atual
levará a uma saída caótica e ainda mais custosa. O Estado
denominaria sua dívida na nova moeda, nacionalizaria os bancos e
passaria a fornecer a liquidez interna, pois passaria a ter o comando da
política monetária. É bem verdade que a mudança de
moeda levaria a uma depreciação do novo dinheiro, mas isso
aumentaria a competitividade do País.
Lapavitsas e seus colegas defendem um vasto programa econômico,
incluindo o controle do capital, redistribuição da renda, nova
política industrial e reestruturação completa do Estado,
de forma a mudar o equilíbrio em favor do trabalho e colocar o
País no caminho do crescimento sustentável, do elevado
nível de emprego, bem como da restauração da soberania
nacional.
A proposta mais dura do livro é feita por Jacques Nikonoff, economista
francês e ex-presidente do ATTAC. Ele começa afirmando que os
países que quiserem acabar com a austeridade e efetuar políticas
de esquerda não têm outra opção senão
mobilizar os cidadãos para sair do euro. Nikonoff propõe um
conjunto de medias práticas para construir a nova ordem: anunciar o
incumprimento de pagamentos e reestruturar a dívida; financiar uma parte
da dívida pela política monetária; nacionalizar os bancos
e companhias de seguros; desmantelar os mercados financeiros especulativos,
fechar os mercados de títulos e organizar o enfraquecimento das bolsas;
controlar o câmbio e os movimentos de capitais; lançar uma nova
política econômica fundada no direito ao emprego, medidas
protecionistas no quadro universalista da Carta de Havana, além de uma
mutação ecológica do modo de produção.
Esse conjunto de propostas não têm ainda condições
de ser implementadas porque as forças neoliberais continuam no leme da
política econômica, impondo os interesses do grande capital sobre
a maioria dos trabalhadores. No entanto, as propostas elaboradas por esses
economistas e publicadas no livro podem ser uma bandeira importante para o
movimento popular caso a correlação de forças mude em
favor do trabalho. Aí então
A Ascensão e Queda do Euro
pode se tornar uma grande referência para a construção de
uma nova ordem na velha Europa.
[*]
Doutorado em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O original encontra-se na revista
Novos Temas,
nº8, 2013, editada no Brasil pelo
Instituto Caio Prado Jr.
Tanto a edição em papel como a electrónica de
Ascensão e queda do euro
podem ser adquiridas on line:
Em Portugal:
Chiado
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Bertrand
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Wook
Em Portugal:
FNAC
No Brasil:
Livraria Cultura
Ed. electrónica:
Iberobooks
Em breve a edição electrónica estará disponível também em Smashwords, Barnes &
Noble, Sony, Kobo, Diesel eBook Store e Baker & Tylor.
Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info/
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