Quando a má fé substitui a economiaO PCF e o mito do "outro euro"
por Jacques Sapir
[*]
A revista "oficial" do PCF sobre economia,
Economie et Politique,
acaba de publicar um artigo de uma rara nulidade sobre a questão do Euro
[1]
. Não valeria a pena mencioná-la se esta não contivesse
tamanhos erros que a tornam um exemplo de um discurso de vassalagem completa
perante Bruxelas e o BCE. Este artigo, sem os citar, pretende ser uma
"resposta" às diferentes notas que têm sido publicadas
no sítio "RussEurope". Esta é uma segunda razão
para analisá-lo.
Visivelmente, os autores deste artigo, que se pretendem economistas, parecem
manifestamente ignorar a noção de elasticidade-preço.
Contudo, esta é fundamental quando se fala de
desvalorização ou de revalorização de uma moeda.
Isso significa que, salvo para os produtos para os quais não existem
substitutos directos ou indirectos, uma alta dos preços (no caso de uma
desvalorização) vai provocar uma mudança mais ou menos
importante das quantidades importadas. Esta mudança explica-se pelo
facto de que os consumidores vão voltar-se quer para os mesmos produtos,
mas fabricados em França, quer para produtos ligeiramente diferentes
cujo custo é menor mas cuja utilização proporciona uma
satisfação equivalente, o que se chama efeito de
substituição. A alta dos preços afecta plenamente APENAS
os produtos considerados como não-substituíveis
(combustíveis por exemplo). Entretanto, neste caso, é preciso
saber que o preço na importação (sem impostos) não
representa senão 25% do preço do produto. Portanto, uma
desvalorização de 25% não aumentará senão um
quarto de um quarto do preço, ou seja, 6,25%. Além disso, estes
produtos não substituíveis não representam senão
cerca de 30% das nossas importações. Pensa que se
encontrarão tais números no artigo? Nem pensar! Os senhores
economistas do PCF estão bem acima destas considerações
que lhes parecem terra a terra.
Aqui mais uma vez combinam-se as aproximações com a má
fé. A competitividade-preço não seria feita em detrimento
dos países da Europa do Sul, pois todas as estimativas mostram que eles
teriam interesse em desvalorizar mais do que nós. Os ganhos quanto
às importações far-se-iam essencialmente em detrimento da
Alemanha que veria o seu excedente comercial de 5% do PIB transformar-se num
défice de -3% do PIB. A situação da Itália seria na
realidade mais favorável que a da França. Foi o que se mostrou
numa
nota publicada no RussEurope
[3]
. A seguir, pretende-se que o excedente comercial da Alemanha será
inchado, o que é uma afirmação contrária não
só a todas as estimativas como também ao simples bom senso
económico. Na realidade, a Alemanha verá o seu excedente
transformar-se temporariamente em défice, mas ela deveria beneficiar de
um
efeito de baixa dos preços não desprezível
[4]
. Finalmente, e aqui os autores do artigo não são simplesmente
maus economistas mas também de uma má fé notável,
quando afirmam que "Tudo isso [se passaria] num contexto de
especulação desenfreada". Ora, é muito claro que uma
desvalorização ou dito de outra forma, uma saída do
euro não poderia ter lugar senão no caso em que houvesse
um controle dos capitais dos mais estritos, como aquele actualmente existente
para Chipre. Foi dito e repetido que a crise cipriota fora a ocasião de
verificar a possibilidade material de um controle dos capitais no seio da zona
Euro e em contradição com o Tratado de Lisboa. Não
só nossos autores do artigo de
Économie et Politique
estão cegos para a evidência, também estão surdos!
Recordamos aqui que o problema não está no estatuto do operador
mas sim no lugar de emissão do contrato. É um facto do direito
internacional que nossos autores ou ignoraram soberbamente (e deveriam com
urgência fazer cursos) ou escondem dos seus leitores e, portanto, fazem
desinformação. Na realidade, 85% do montante da dívida
francesa é emitida em contratos de direito francês. Estes
contratos estipulam que a dívida será reembolsada na moeda em
curso no nosso país. Isso significa que em caso de saída do Euro
esta dívida será re-etiquetada em Francos nos mesmos montantes
que em Euros. O efeito de revalorização desta dívida
não afectará senão os 15% restantes. Aqui, mais uma vez,
15% aumentado de 25% não representam senão 3,75% do total e
não 25% como é afirmado. É claro que os autores jogam com
o desconhecimento dos seus leitores e procuram provocar um efeito de medo a fim
de afastar toda discussão séria sobre uma saída do Euro.
Isto é baixo e é lamentável!
16/Junho/2013
1. Paul BOCCARA, Frédéric BOCCARA, Yves DIMICOLI, Denis DURAND,
Jean-Marc DURAND, Catherine MILLS, "
Contre l'austérité en Europe luttons pour un autre euro
" , 16 juin 2013
2. Artus P., (rédacteur) "Quels pays de la zone euro profiteraient d'une dépréciation de l'euro?", NATIXIS, Flash-Economie n° 148, du 13 février 2013. 3. Sapir, J., Quels scénarii pour une dissolution de la Zone Euro ? , note publiée le 21 mai 2013 sur RussEurope, URL : http://russeurope.hypotheses.org/1254 4. Sapir, J., Excursions allemandes, note publiée le 24 mai 2013 sur RussEurope, URL : http://russeurope.hypotheses.org/1278 [*] Economista, autor de Faut-il sortir de l'Euro? O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/1381 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |