O confisco de depósitos de clientes em bancos de Chipre, parece,
não foi uma ideia isolada e desesperada de uns poucos
responsáveis da "troika" da Eurozona a lutarem para salvar
seus balanços. Um documento conjunto do US Federal Deposit Insurance
Corporation e do Banco da Inglaterra, datado de 10 de Dezembro de 2012, mostra
que estes planos desde há muito têm estado em
elaboração; que eles tiveram origem no G20 Financial Stability
Board, na Basileia, Suíça (discutido anteriormente
aqui
); e que o
resultado será proporcionar um sinal verde
(clear title)
para os bancos [apossarem-se] dos fundos dos depositantes.
A Nova Zelândia tem uma directiva semelhante, discutida no meu
último artigo
aqui
, indicando que isto não apenas uma medida de
emergência para países perturbados da Eurozona. O
Voxy
da Nova
Zelândia informou em 19 de Março:
O Governo Nacional [está] a pressionar uma solução estilo
Chipre para falências bancárias na Nova Zelândia a qual
considerará que pequenos depositantes percam algumas das suas
poupanças para financiar salvamentos de grandes bancos...
A Open Bank Resolution (OBR) é a opção preferida pelo
ministro das Finanças inglês para tratar de um uma grande
falência bancária.
Se um banco falir sob a OBR, todos os
depositantes terão suas poupanças reduzidas do dia para a noite a
fim de financiar o salvamento do mesmo.
Podem eles fazer isso?
Embora poucos depositantes percebam, legalmente o banco possui os fundos dos
depositantes a partir do momento em que são postos nos banco. Nosso
dinheiro tornar-se o do banco e nós nos tornamos credores não
segurados que possuem promessas de pagamento (ver
aqui
e
aqui
). Mas até
agora o banco foi obrigado a devolver o dinheiro quando pedido na forma de
cash. Sob o plano FDIC-BOE, nossas promessas de pagamento serão
convertidas em "acções do banco"
("bank equity").
O banco obterá o dinheiro e nós obteremos acções
do mesmo. Com alguma sorte seremos capazes de vender as acções a
alguém, mas quando e a que preço? A maior parte das pessoas
mantém uma conta de depósito de modo a poder dinheiro pronto para
pagar contas.
O documento de 15 páginas do FDIC-BOE é chamado "Re-solvendo
instituições financeiras globalmente activas e sistemicamente
importantes"
("Resolving Globally Active, Systemically Important, Financial Institutions").
Ele começa por explicar que a crise bancária de 2008 tornou
claro que é necessário algum outro meio além do salvamento
do contribuinte a fim de manter "estabilidade financeira".
Evidentemente prevendo que o próximo colapso financeiro será numa
escala de grandeza [maior] do que ou os contribuintes ou o Congresso
desejarão subscrever, os autores declaram:
Um caminho eficiente para retornar as operações sãs do
G-SIFI para o sector privado seria proporcionado pela troca ou conversão
de um montante suficiente da dívida não segurada dos credores
originais da companhia falida [o que significa os depositantes] em
participação na propriedade [ou acção]. Nos EUA,
a
nova acção tornar-se-ia capital em uma ou mais entidades
operativas a serem constituídas.
No Reino Unido, a mesma abordagem podia ser
utilizada, ou a acção podia ser utilizada para recapitalizar a
fraqueza da própria companhia financeira portanto, a camada
superior de credores sobreviventes do salvamento interno
(bailed-in)
tornar-se-ia proprietária da firma re-solvida. Em ambos os
países,
os possuidores das novas acções assumiriam o risco
correspondente a serem accionistas numa instituição financeira.
Não é indicada qualquer excepção para
"depósitos segurados" nos EUA, ou seja, os depósitos
abaixo dos US$250 mil que pensávamos estarem protegidos pelo seguro do
FDIC. Isto dificilmente poderá ser um descuido, uma vez que é o
próprio FDIC que está a emitir a directiva. O FDIC é uma
companhia de seguros financiada por prémios pagos por bancos privados. A
directiva é chamada um "processo de resolução",
definido alhures
como um plano que "seria disparado
no caso de
falência de um segurador..."
A única menção a
"depósitos segurados" é em ligação a
legislação britânica existente, a qual a directiva FDIC-BOE
continua dizer que é inadequada, o que implica que precisa ser
modificada ou revogada.
Um risco iminente
Se nossas promessas de pagamento (IOUs) forem convertidas em
acções de banco, elas não serão mais sujeitas
à protecção do seguro mas passarão a estar "em
risco" e vulneráveis a serem eliminadas, tal como as dos
accionistas do Lehman Brothers o foram em 2008. Que este cenário
terrível poderia realmente materializar-se foi sublinhado por Yves Smith
numa mensagem de 19 de Março intitulada "Quando vocês
não estavam a olhar, democratas fantoches da banca propuseram leis para
permitir salvamentos, derivativos desregulamentados"
("When You Weren't Looking, Democrat Bank Stooges Launch Bills to Permit Bailouts, Deregulate Derivatives").
Ela escreve:
Nos EUA, os depositantes foram realmente colocados numa posição
pior do que os detentores de depósitos em Chipre, pelo menos se
estiverem em grandes bancos que jogam no casino dos derivativos. O reguladores
fecharam os olhos quando
bancos utilizaram o dinheiro dos seus depositantes
para financiar exposições a derivativos.
E por mau que isto possa
ser, os depositantes, ao contrário dos seus confrades cipriotas,
não são sequer credores preferenciais. Recordam o Lehman? Quando
o banco de investimento faliu, credores não segurados (e recorde-se que
depositantes são credores não segurados
) obtiveram oito centavos
por dólar. Uma grande razão foi que contrapartidas de derivativos
exigem colateral para quaisquer exposições, o que significa que
são credores segurados. As reformas da bancarrota de 2005 tornaram
derivativos de contrapartidas preferenciais em prestamistas não
segurados.
Alguém poderia perguntar porque o registo de colateral por uma
contrapartida derivativa, a alguma percentagem de exposição
plena, torna o credor "segurado", ao passo que o depositante que
colocou 100 centavos por dólar é "não segurado".
Mas adiante
Smith escreve:
A Lehman tinha apenas duas subsidiárias bancárias muito pequenas
e, pelo que sei, que não estavam a recolher depósitos a retalho.
Mas como alguns leitores poderão recordar, o Bank of America mudou a
maior parte dos seus derivativos da sua operação Merril Lynch
[para] o seu depositário no fim de 2011.
O seu "depositário" é o braço do banco que
recebe depósitos; e no Bank of America, o que significa montes e montes
de depósitos. Os depósitos estão agora sujeitos a serem
eliminados por uma grande perda em derivativos. Quão mau pode ser isto?
Smith cita a Bloomberg:
... a companhia holding do Bank of America ... mantinha quase US$75
milhões de milhões (trillion) de derivativos no fim de Junho ...
A comparar com entidade tomadora de depósitos do JPMorgan, a JPMorgan
Chase Bank NT, a qual continha 99 por cento dos US$79 milhões de
milhões de derivativos da firma com sede em Nova York, mostram dados da
OCC.
US$75 e US$79 milhões de milhões em derivativos! Só estes
dois mega bancos possuíam mais, cada um deles, do que todo o PIB global
(em US$70 milhões de milhões). O "valor nocional" dos
derivativos não é o mesmo que dinheiro em risco, mas segundo uma
mensagem cruzada no sítio web de Smith
:
Segundo pelo menos uma estimativa, em 2010 havia um total de US$12
milhões de milhões em cash ligado a derivativos (em risco)...
US$12 milhões de milhões está próximo do PIB dos
EUA. Smith continua:
... Recordar o efeito das revisões de 2005 da lei da bancarrota: as
contrapartes dos derivativos estão são as primeiras na fila, elas
têm permissão para agarrar os activos em primeiro lugar e deixar
todos os demais a lutarem por migalhas ... O Lehman faliu num fim de semana
depois de o JP Morgan agarra o colateral.
Mas é ainda pior do que isso. Durante a crise das caixas
económicas
(savings & loan),
o FDIC não tinha o suficiente em receitas de seguros de
depósitos para pagar ao veículo amortecedor, a Resolution Trust
Corporation. Este teve de obter mais financiamento do Congresso. Este movimento
abre o caminho para outra sacudidela dos contribuintes estilo TARP, desta vez
para salvar depositários.
Talvez, mas o Congresso já ficou chamuscado e é possível
que se esquive a uma segunda vez. A Secção 716 do Dodd-Frank Act
proíbe especificamente apoio público a actividades especulativas
com derivativos. E na Eurozona, se bem que o Mecanismo Europeu de Estabilidade
(MEE) comprometa países da mesma a salvarem bancos, eles aparentemente
estão a ter segundos pensamentos a respeito. Em 25 de Março, o
ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, que
desempenhou um papel importante na imposição do plano de confisco
de depósitos em Chipre, disse a repórteres que seria o
modelo (template) para quaisquer futuros salvamentos bancários
e que
"o objectivo é de que o MEE nunca tenha de ser utilizado"
.
O que explica a necessidade da resolução FDIC-BOE. Se a prevista
legislação possibilitadora for aprovada, o FDIC não
precisará mais proteger fundos de depositários; ele pode
simplesmente confiscá-los.
Pior do que um imposto
Um confisco de depósitos do FDIC para recapitalizar os bancos é
muito diferente de um simples imposto sobre contribuintes para pagar despesas
governamentais. A dívida do governo é pelo menos,
argumentavelmente, a dívida do povo, uma vez que o governo existe para
proporcionar serviços ao povo. Mas quando os bancos entram em
perturbação com os seus esquemas derivativos, eles não
estão a servir depositantes, os quais não estão a ter um
corte dos lucros. Tomar fundos de depositantes é simplesmente roubo.
O que deveria ser feito é elevar os prémios de seguro do FDIC e
fazer os bancos pagarem para manter o total dos seus depositantes, mas os
prémios já estão altos. E o FDIC, como outras
agências regulatórias do governo, está
sujeito à captura regulatória
. O seguro de depósito fracassou e, da mesma
forma, o sistema da banca privada que dele dependia para a confiança que
faz a banca funcionar.
O
haircut
sobre depositantes em Chipre foi chamado de "imposto sobre a
riqueza" e foi considerado por comentadores como "merecido",
porque grande parte do dinheiro em contas cipriotas pertencia a oligarcas
estrangeiros, fugitivos do fisco e lavadores de dinheiro. Mas se esse modelo
for aplicado nos EUA, ele será um imposto sobre os pobres e a classe
média. Os americanos ricos não mantêm a maior parte do seu
dinheiro em contas bancárias. Eles mantêm-na no mercado de
acções, no imobiliário, nos derivativos, em ouro e prata e
assim por diante.
Estará você seguro, portanto, se o seu dinheiro for em ouro e
prata? Aparentemente não se for armazenado num cofre de
segurança no banco. O Ministério da Segurança Interna
(Homeland Security) confirmadamente disse aos bancos que tem autoridade para
apreender os conteúdo de cofres de segurança sem uma
autorização
(warrant)
quando for matéria de "segurança nacional" que
uma grande crise bancária sem dúvida será.
A alternativa sueca: Nacionalizar os bancos
Uma outra alternativa foi considerada mas rejeitada pelo presidente Obama em
2009: nacionalizar mega-bancos que falirem. Num artigo de Fevereiro de 2009
intitulado "Estão em perigo depósitos bancários
não segurados" (
"Are Uninsured Bank Depositors in Danger)
, Felix
Salmon discutiu uma newsletter publicada na Ásia pelo estratega de
investimento Christopher Wood, na qual Wood escrevia:
É ... admirável que Obama não entenda o apelo
político da opção nacionalização ... Apesar
deste revés mais recente a nacionalização dos bancos
está a vir mais cedo ou mais tarde porque as realidades da
situação o exigirão. O resultado será accionistas
liquidados e possuidores de títulos forçados a aceitar trocas de
dividas por acções, se não mesmo os depositantes.
Sobre se depositantes poderiam na verdade virem a ser forçados a
tornarem-se possuidores de acções, Salmon comentou:
Vale recordar que depositantes são credores não segurados de
qualquer banco; habitualmente, na verdade, eles são de longe a maior
classe de credores não segurados.
O presidente Obama reconheceu que a nacionalização da banca havia
funcionado na Suécia e que a rota seguida pelo US Fed não havia
funcionado no Japão, o qual acabou ao invés disso numa
"década perdida". Mas Obama optou pela abordagem japonesa
porque,
segundo Ed Harrison
, "os americanos não tolerarão a
nacionalização".
Mas isso foi há quatro anos atrás. Quando os americanos
perceberem que a alternativa é ter o seu dinheiro transformado em
"acções do banco" de comercialização
questionável, transferir mega bancos falidos para dentro do sector
público pode começar a ser mais atraente.
[*]
Presidente do Public Banking Institute. Em
Web of Debt,
seu livro mais
recente, ela mostra como uma oligarquia da banca privada usurpou o poder de
criar moeda do próprio povo e como povo pode recuperá-la. Seus
sítios web são
http://WebofDebt.com
,
http://EllenBrown.com
, e
http://PublicBankingInstitute.org
.
O original encontra-se em
www.counterpunch.org/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.