"Nacionalizar é necessário mas não basta. É
preciso socializar os bancos públicos"
Como já muito foi dito, apenas quatro notas.
1
Começando pelos fundamentais:
A criação de moeda é uma prerrogativa soberana do Estado.
E moeda não são apenas as notas e moedas mas também a
chamada moeda escritural que é criada pelos bancos comerciais e que
é muitíssimo maior que as notas e moedas emitidas pelos bancos
centrais; e o sistema de crédito, como já foi dito, é
"o coração que faz circular o sangue que alimenta e permite
o funcionamento das economias".
Por isso quer a moeda quer o sistema de crédito são bens
públicos. Tal como é um bem público a confiança nos
dois. E essa confiança, maior ou menor, só existe porque devido
à garantia do Estado. (Por exemplo, falou-se aqui do Fundo de garantia
dos Depósitos até 100 mil euros. Esses depósitos somam
mais de 150 mil milhões de euros. Mas as reservas do Fundo são de
apenas 1,5 mil milhões. Se for à falência um banco que
detenha 20% dos depósitos, o restante sistema bancário não
pode complementar o Fundo porque iriam todos à falência. É
o Estado que de facto terá de garantir esses depósitos.
Ora, se se trata de bens públicos é o Estado que os deve deter e
gerir.
Acresce que se há sectores estratégicos, o sector bancário
é provavelmente o mais estratégico. Já um antigo banqueiro
inglês do século 19 dizia "dêem-me o controlo sobre a
moeda das nações e não me importo com quem faz as
leis".
2
Os bancos privados têm demonstrado que estão cada vez menos
virados para o apoio à economia e à sociedade, e cada vez mais
transformados em sujas lavandarias que promovem a evasão fiscal e o
branqueamento de capitais, e continuam a especular delapidando a utilidade
social das poupanças dos cidadãos.
Cá dentro basta lembrar:
-
Que entre 2008 e 2014 as imparidades montaram a 40.000 milhões de
euros, e que ninguém sabe quando se poderá ver o fundo do saco;
-
os "
coco
" (obrigações convertíveis ou capital
contingente como se queira chamar) significaram a injecção
pública de muitos milhares de milhões de euros para recapitalizar
os bancos, com o Estado a substituir-se aos banqueiros para suprir o resultado
das suas irresponsabilidades e dos seus crimes, sem que passasse a ser titular
do correspondente capital nesses bancos;
-
os custos suportados ou a suportar pelo Estado com o BPN, o Novo Banco e o
Banif montarão a cerca de 15 mil milhões de euros.
Tudo isto mostra que a moeda e o sistema de crédito são demasiado
importantes e sérios para serem deixados nas mãos de banqueiros.
Não pode ser permitido que a função essencial de
concessão de crédito à economia seja suplantada pela
especulação financeira e que os enormes custos daí
decorrentes tenham depois de ser pagos pelo Estado e pelos cidadãos.
3
É hoje claro que a estratégia do BCE é a
criação de uma rede de alguns poucos grandes bancos (os tais
demasiado grandes para os Estados os poderem deixar falir) com presença
na totalidade do território da zona Euro. E que nessa
repartição dos domínios regionais está a
subordinação de Portugal aos grandes bancos espanhóis. O
que sucedeu com o BANIF é disso sintomático.
Ora, o problema central dessa estratégia não é se os
bancos a que nos deveremos submeter sejam espanhóis ou de qualquer outra
nacionalidade. O problema é que ela visa eliminar ou reduzir ao
mínimo os sistemas bancários de base nacional, o que seria
desastroso para os interesses de Portugal.
Aliás, se esta estratégia não for travada, veremos o que
poderá suceder com a CGD se, a pretexto das "ajudas de
Estado", o BCE e a Direcção-Geral da Concorrência da
UE não autorizarem a sua recapitalização pelo Estado.
4
Há 41 anos a nacionalização da banca em Portugal
correspondeu a uma necessidade estrutural. Essa necessidade estrutural continua
a fazer-se sentir hoje. Não é admissível que o Estado
continue a nacionalizar os custos e os prejuízos da banca privada. O que
é necessário é nacionalizá-los na sua integralidade.
Mas sejamos realistas, o contexto em que vivemos não o permite. Mas
devemos aproveitar todas as oportunidades para legitimamente alargar o
pólo público bancário, através de
nacionalizações directas ou de controlo do seu capital.
E essas oportunidades já existiram e continuam a existir.
O anterior Governo podia e devia tê-lo feito com a injecção
dos "coco" ou quando da resolução do BES.
O actual Governo já o poderia e deveria ter feito com o BANIF.
Aliás, exige-se ao Governo que explique de forma muito clara o que se
passou com a entrega do BANIF ao Santander. O Estado ficou com os
prejuízos que podem ascender a 4 mil milhões, e vendeu o
"bife" ao Santander por 150 milhões. Mas passados 15 dias o
Santander inscreveu no seu balanço uma mais-valia de 280 pela compra do
BANIF
(Eu não acredito em bruxas mas que as há, lá
isso há.)
E isto não pode repetir-se com o Novo Banco. O Governo tem o dever
indeclinável de manter o Novo Banco em mãos portuguesas. E isso
só pode fazer-se com a sua nacionalização.
Os custos dessa nacionalização já foram assumidos pelo
Estado português, via Fundo de Resolução. Porque é
uma falácia dizer-se que tais custos virão a ser suportados pelo
restante sector bancário. O Estado já lá meteu 3.900
milhões. E as contribuições anuais dos bancos para o Fundo
não ultrapassam os 40 milhões/ano. O que significa que seriam
necessários 100 anos para pagarem ao Estado os 3.900 milhões que
lá meteu.
Uma nota final. Nacionalizar é necessário mas não basta. E
a CGD é disso exemplo. É preciso socializar os bancos
públicos. Isto não significa que neles não deva haver
autonomia de gestão. Mas como em qualquer outro banco deve ser o
accionista a definir as orientações estratégicas que os
seus bancos devem prosseguir, a bem do desenvolvimento do país e da
soberania nacional.
Ver também:
O sistema financeiro mundial, a banca nacional e a soberania
, Carlos Carvalhas
O processo de privatizações e o seu papel na reconstituição monopolista em Portugal
, Agostinho Lopes
A União Bancária
, Miguel Viegas
[*]
Economista. Intervenção no seminário
"controlo público da banca, condição para o
desenvolvimento da soberania nacional", em 22/Março/2016
O original encontra-se em
www.pcp.pt/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|