Antigo alto responsável no governo Reagan:
Papel do US dólar como moeda de reserva está em risco
Os demais países voltam-se para moedas internas e o ouro
por Paul Craig Roberts
entrevistado por Ekaterina Blinova
A política de sanções de Washington estimulou os
principais actores mundiais a afastarem-se do dólar, colocando em risco
o seu status como moeda de reserva, afirma o economista americano Paul Craig
Roberts. Ele também explica como o Federal Reserve manipula o
preço do ouro a fim de escorar o dólar.
Enquanto a administração Trump toca o tambor do "fazer a
América grande outra vez" e informa acerca de um crescimento
rápido do Produto Interno Bruto (PIB) e de uma taxa de desemprego em
queda livre, acumulam-se nuvens no horizonte da economia dos EUA e do
dólar, afirma o Dr. Paul Craig Roberts, economista americano autor de
mais de uma dúzia de livros. Ele foi secretário assistente do
Tesouro para Política Económica no governo do presidente Ronald
Reagan.
A espinha dorsal do poder financeiro dos EUA é
o status do dólar como de moeda de reserva principal
, o qual permite aos EUA pagar as suas contas com a impressão da
nota verde. Depois de o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, ter
desvinculado o dólar do preço do ouro, o Federal Reserve manteve
durante muito tempo a ilusão de um dólar
"estável" pois reduzia deliberadamente a cotação
do metal amarelo, explicou o economista.
Agora, à medida que os actores globais começam a virar as costas
ao dólar,
mudando para moedas nacionais
e
utilizando o ouro como protecção (hedge)
, a economia dos EUA pode deparar-se com uma pilha de grandes problemas, de
acordo com o ex-responsável da administração Reagan.
Sputnik: O que está por trás das aparentes tentativas da Reserva
Federal de reduzir o preço do ouro? Poderia a procura crescente por ouro
afectar o valor do US dólar? Na sua opinião o dólar
americano estará actualmente super-valorizado?
Paul Craig Roberts:
A principal fonte do poder de Washington é o papel do dólar
americano como moeda de reserva. Ser a moeda de reserva significa que há
uma alta procura por transacções em dólar, para pagar as
facturas de petróleo por exemplo, e que outros governos estão
desejosos de manter dólares nas suas reservas. O facto de outros
países estarem dispostos a acumular dólares significa que os EUA
podem pagar suas contas imprimindo dinheiro.
O valor do dólar em relação às outras principais
divisas, o euro, a libra britânica, o iene japonês, é
manipulado dentro de uma faixa estreita. Quando o Federal Reserve
começou a imprimir dinheiro
(Quantitative Easing ou QE)
a fim de resgatar os grandes bancos comprando seus derivativos
hipotecários, os bancos centrais japonês, da UE e britânico
também emitiram moeda. Uma vez que todos emitiram moeda, isto impediu
que o dólar americano de declinar em termos de ienes, euros e libras.
A fim de manter esta ilusão de divisa com valor estável, apesar
da emissão de moeda, o Federal Reserve tinha de impedir que o
preço do ouro em dólar ascendesse. O modo como isso tem sido
feito nos últimos anos é os bancos que actuam como agentes do
Federal Reserve efectuarem vendas a descoberto
(short sales)
de ouro despejando grande número de contratos a descoberto ou
"nus" no mercado futuro de ouro (Comex). A súbita
aparição no espaço de tempo de um minuto ou dois,
habitualmente em horas de negociação tranquilas, de um grande
número de novos contratos deita abaixo o preço do ouro.
O preço do ouro é o único que não é
determinado em mercados físicos onde as pessoas compram e vendem o metal
físico. Em vez disso, é determinado num mercado de futuros, onde
contratos a termo são liquidados em cash. Ao contrário do mercado
de acções, onde um vendedor a descoberto realmente tem de cobrir
a sua venda a descoberto dispondo das acções, no mercado de
futuros do ouro a venda a descoberto não exige que o vendedor a
descoberto tenha o ouro que está a vender. Ele, ou melhor, o grande
banco, pode simplesmente imprimir contratos em papel, assim como o Federal
Reserve imprime dólares, e deposita os contratos no mercado de ouro de
papel.
O grande aumento na oferta de contratos de papel acresce a oferta de contratos
no mercado de futuros e reduz o preço, subsidiando assim a compra real
de metal físico pela redução do preço do ouro em
dólar.
Os bancos que fazem estas vendas a descoberto obtêm grandes lucros. Como
o choque de um grande número de descobertos reduz o preço do
ouro, os fundos hedge vendem seus haveres no declínio, o que conduz os
preços ainda mais para baixo. Então os bancos compram os
contratos que eles venderam a um preço abaixo da cotação,
fecham sua posição e contam seu lucro.
Todas as moedas ocidentais estão super-valorizadas em termos de ouro.
Mais evidências são o declínio no poder de compra em termos
de bens e serviços de todas as divisas ocidentais.
O papel do US dólar como divisa de reserva está em risco, porque
as sanções impostas por Washington estão a
afastar outros governos da utilização do dólar
e do sistema financeiro ocidental. Como o papel do dólar como moeda de
reserva diminui, assim o faz a procura por dólares. Quando a procura por
dólares cai, também cai o seu valor de troca. O Federal Reserve
pode imprimir dólares com os quais compra activos financeiros, como
acções e títulos, apoiando assim seus preços, mas o
Federal Reserve não pode imprimir divisas estrangeiras para comprar
dólares com as mesmas.
Sputnik: Um seu artigo recente destacava que a taxa de crescimento da economia
dos EUA está super-estimada pois o desemprego real é cerca de
20%, ao passo que a inflação é muito mais alta do que
mostram os números oficiais. Quem é responsável por isto e
quem se beneficia com as estatísticas distorcidas que não
reflectem o estado real das coisas no país?
Paul Craig Roberts:
Em 1995, durante o regime de Clinton, o Senado dos EUA nomeou a
Comissão Consultiva para Estudar o Índice de Preços no
Consumidor. A Comissão ficou conhecida como a "Comissão
Boskin" devido ao professor da Universidade de Stanford que a liderou.
Washington estava preocupada com os défices do orçamento federal.
Os políticos gostam de culpar os défices em gastos sociais ao
invés daqueles em gastos militares. Pensões de velhice da
Segurança Social têm ajustamentos de custo de vida
(cost-of-living adjustments, COLA)
para que o poder de compra das pensões acompanhe aumentos de
preços ou inflação. A Comissão Boskin argumentou
que o modo como a inflação era medida exagerava-a e, portanto, o
governo estava a pagar muito em COLAs.
Assim, a medida da inflação foi alterada de modo a que quando o
preço de um item no índice de preços ao consumidor subisse
ele era removido do índice e uma alternativa de preço mais baixo
era colocada no seu lugar. Isto reduziu a taxa da inflação
medida. Além disso, se o preço de um item no índice sobe,
o aumento é atribuído a uma melhoria de qualidade e não
é contado como inflação. Estas mudanças foram
feitas apesar do facto de os consumidores experimentarem preços mais
altos. A inflação simplesmente não é contada.
Ao manter baixos os gastos da Segurança Social, a mudança
proporcionou mais dinheiro disponível para outras categorias do
orçamento, de modo que os grupos de interesse atendidos por essas
categorias foram beneficiados. Além disso, a indústria privada
beneficiou-se na medida em que dispunha de mão-de-obra e outros
contratos com cláusulas de custo de vida.
A Wall Street e os políticos Washington beneficiaram-se porque a
sub-mensuração da inflação produziu uma maior taxa
de crescimento do PIB real pela qual eles poderiam ser creditados. O Produto
Interno Bruto é um número nominal baseado em preços. Para
saber quanto do número do PIB é um aumento em bens e
serviços reais e quanto é simplesmente o aumento dos
preços devido à inflação, o número do PIB
tem de ser ajustado à inflação. Por exemplo, se o PIB
nominal subir 5% e os preços também aumentarem 5%, não
haverá crescimento no produto real. Se o PIB subir 5% e os preços
subirem 2,5%, o PIB real crescerá 2,5%. Quanto menor a
inflação, maior o PIB real.
É provável que o crescimento do PIB dos EUA na última
década seja, em grande parte, o resultado de aumentos de preços
que as novas medições da de inflação não
medem adequadamente. Assim, Washington beneficia-se da imagem ou ilusão
criada pela sub-mensuração da inflação. O resto do
mundo pensa que as coisas estão bem nos EUA pois a economia tem estado
em expansão durante uma década.
O desemprego elevado é considerado um sinal de fracasso político.
Para manter uma imagem de sucesso, o desemprego simplesmente não
é contado. A menos que um desempregado tenha procurado emprego nas
últimas quatro semanas anteriores à pesquisa, ele não
é considerado como parte da força de trabalho e, portanto,
não é contado entre os desempregados.
Sputnik: Donald Trump informa regularmente acerca de milhares de novos
empregos. Ele quer dizer empregos de tempo integral bem remunerados?
Será isso suficiente para consertar a situação?
Será que actual crescimento do PIB nos EUA indica que a economia
está de facto a prosperar?
Paul Craig Roberts:
Os novos empregos, se realmente existirem, são primariamente
empregos em serviços domésticos com salários baixos
, cada vez mais em tempo parcial, pois empregos de meio período
não têm a responsabilidade de providenciar cuidados de
saúde ou benefícios de aposentação. Os empregos de
alta produtividade e alto valor acrescentado, que proporcionavam um rendimento
de classe média, foram transferidos para a Ásia de modo a que as
corporações americanas pudessem reduzir seus custos de trabalho e
aumentar seus lucros.
JOBS, JOBS, JOBS!
https://t.co/lWqvRNJDOW
Donald J. Trump (@realDonaldTrump)
Sputnik: Observou que a Reserva Federal, o Tesouro e a Comissão de
Valores Mobiliários poderiam intervir no mercado de acções
para evitar uma queda. Como isso se alinha com o conceito de economia de
mercado livre? Significa isso que os mercados norte-americano e global
estão de facto sujeitos a um firme controle
governamental/bancário? Como é que isso afecta o desenvolvimento
económico do país?
Paul Craig Roberts:
Não há mercados financeiros livres. Os mercados financeiros
ocidentais e japonês são viciados
(rigged)
pelos bancos centrais. As compras de títulos pelos bancos centrais
elevam os seus preços, reduzindo portanto as taxas de juros. Nos EUA, o
Federal Reserve pode apoiar os preços das acções comprando
futuros dos indexados na S&P. No Japão, o banco central realmente compra
acções e agora detém uma percentagem significativa das
acções japonesas. Por outras palavras, os mercados financeiros
já não desempenham mais a função da
"descoberta de preço".
06/Julho/2019
De Paul Craig Roberts ver também:
A intervenção do banco central serve os Um Porcento
O assalto ao ouro
O assalto do Fed ao ouro
O original encontra-se em
sputniknews.com/...
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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