É preciso ter a coragem de fazer um balanço real

por Danielle Bleitrach

Graffiti. Então, o que fazer?

É preciso ter a coragem de fazer um balanço real. É bem tardio, o que será ainda possível?

Se se quiser construir é preciso desde já ter a coragem de adoptar uma posição política e conformar-se com ela sabendo que será difícil no momento presente inverter a tendência porque há uma vaga e as instituições francesas (graças a Jospin e ao quinquenato) não podem senão ampliá-la. É preciso portanto agarrar o que é fundamental. Por exemplo, não sermos mesquinhos e jogar no imediato a esquerda contra a direita. Parar de bater em Ségolène Royal, ela é o que é, uma criatura mediática, montada peça por peça pelos media de direita para fornecer a Sarkozy uma adversária facilmente contornável. No entanto, é preciso travar o combate direita-esquerda.

É preciso, como disse muito bem Marie Georges Buffet no écran da Antenne 2, ancorar a esquerda, não para ganhar (será possível?), mas para construir o futuro. Para ganhar, se alguém ainda acredita na vitória de Ségolène Royal, ela vai tentar recuperar seu eleitorado desviado para Bayrou, que entre parênteses desempenhou o pior do papéis no PS (tal como os bovetistas à Perreux desempenharam no PCF). Sim, Marie-Georges tinha razão em reclamar uma ancoragem à esquerda mas ela deveria ter pensado durante a sua campanha em fazer apelo aos seus próprios fundamentos comunistas. Basta reler as profissões de fé dos candidatos, o PCF não diz uma palavra aos comunistas, ignora totalmente os contextos internacionais em tempos de imigração e de deslocalização, o PS não pronuncia a palavra esquerda. Entretanto, a regra absoluta numa primeira volta é reunir seu próprio campo.

Numa segunda volta é preciso reunir sobre uma base comum, é a esquerda contra a direita.

E além disso é preciso colocar os marcos do futuro: os combates que será preciso travar contra a política da direita e do patronato que se vai desencadear.

Sua visão é clara, simples. Eles dizem: para lutar contra o desemprego no quadro da mundialização é preciso que a Europa e a França apresentem a mesma exploração da força de trabalho que os países sub-desenvolvidos e emergentes. Aliás, é por isso que eles têm necessidade da imigração e inclusive da qualificada: para fazer pressão sobre os assalariados do nosso país. Para eles, para que os seus lucros aumentem, para que a bolsa atinja novos records, é preciso que na empresa se arranquem sempre mais lucros para os accionistas. Não podemos ser simplesmente anti-liberais, é preciso que sejamos anti-capitalistas e anti-imperialistas. É a este preço que compreenderemos a ofensiva que vamos sofrer.

Tudo o que deixar planar a dúvida sobre a natureza daquilo com que somos confrontados não poderá senão manter o deslizamento à direita porque este repousa sobre uma interpretação: face às escolhas do capital e da direita, ao invés de as afrontar, é mantida a ideia de que se pode preservar um nicho continuando a pilhar o terceiro-mundo, e odiar estes imigrados que vêm roubar nosso pão. A direita encoraja esta visão, desenvolve-as, alimenta-se das divisões entre os explorados, os pobres. E objectivamente conduz toda a trupe para a sua política. Esta política afirma que não se pode vencer o desemprego senão aumentando os lucros e reduzindo as vantagens sociais para nos por em situação de concorrência perfeita com a China ou a Índia…

Porque desde há anos não conduzimos este combate anti-capitalista, porque brincámos de senhoras benfeitoras, o deslizamento para a direita prossegue e corre o risco de ampliar-se.

Hoje é preciso enfrentá-lo, mas colocando desde já os marcos das batalhas indispensáveis que não podemos evitar. A França votou e votou mesmo em massa.

Como é que passámos da França do 29 de Maio, aquela do NÃO à Constituição, à França do 22 de Abril os partidários do SIM reúnem 75% dos votos? E nos 25% restantes não só há os 11% de Le Pen mas um Villiers que ultrapassa os comunistas? Nada mais simples: um certo número de pessoas foi o sapo que se quis tornar tão grande quanto o boi, não era um voto de esquerda mas um voto de classe, e aquele de uma juventude a quem se pede para ajustar-se à crise. Ninguém, e sobretudo nos colectivos anti-liberais, podia atribuir-se esta vitória. [1]

Raramente se terá visto uma tal viragem à direita. Não foi só a França dos belos quarteirões que escolheu uma aventura bonapartista, mas aquela das cidades, os jovens foram inscrever-se em massa para ficarem seguros de que a direita triunfaria, pois ela faz mais de 60%. Disto isto, creio que uma análise fina permitirá julgar que há uma espécie de caçada cruzada, durante a qual uma parte dos novos inscritos precipitava-se a votar pelo PS desde a primeira volta, uma boa parte dos antigos eleitores deste partido lançava-se no voto por Bayorou… O "voto útil", o desconhecimento total dos pequenos candidatos como MGB, faziam o resto. Ao contrário da LCR que ainda tem audiência na juventude dos liceus, o PCF não tem mais qualquer visibilidade nos quarteirões populares, que suas células desertaram, sem falar das empresas…

Nisto estamos. O que foi fundamental é a ideia de uma França sitiada pelas hordas bárbaras e a escolha de um homem forte capaz de fazer o que é preciso. Deixem descobrir amanhã que ele nos leva mais adiante na tempestade da mundialização capitalista, atrás da loucura assassina dos Estados Unidos.

O que se vai passar é evidente: o patronato, a Europa anti-liberal vão nos infligir "suas reformas", por tudo em acção para que inchem os lucros. A primeira constatação que devemos fazer é que o patronato, a direita, situam-se na mundialização, para melhor explorar, para destruir o planeta, levar a guerra, é preciso pois que nós lhes respondamos a este nível. Não podemos mais ser tão incompetentes, tão ignorantes dos contextos internacionais num tempo em que isto nos conduz a não pode responder por exemplo a questões tão essenciais como as deslocalizações, ou a imigração, mesmo a paz e a guerra.

Aquilo que nos faltou foi um partido comunista forte, capaz ele também de travar lutas ofensivas sobre as questões de fundos e não apenas nas marginais, aquelas que ninguém quer. Um partido comunista que não se deixasse balouçar ao sabor dos ventos, que sacrificasse tudo a alianças com pessoas simpáticas mas em que ninguém confia… Este partido comunista não exige mais. Foi destruído, é inútil lamentá-lo.

O único que neste campo não experimentou uma derrocada total foi Olivier Besancenot, o que também era previsível porque ter sido o único que soube desprender-se do magma da união anti-lberal ao passo que o PCF não só não soube ou não soube a tempo (na festa do Humanité) tomar a decisão que se impunha, a saber, que esta convergência não levava a nada, mas pagou-o com o preço forte da sua própria divisão. E vai pagá-lo ao preço forte das legislativas porque um grande número dos seus deputados não se representam e porque há uma emboscada, para liquidar a besta, a todos aqueles que não cessaram de trair, de fornecer ridículas a um José Bové. Olivier Besancenot, desprendido deste magma, teve uma linguagem clara de comunista. É preciso tirar a lição e ver em que bases se pode efectivamente convergir. Sendo bem entendido que há convergências que enfraquecem.

Qualquer que seja a severidade deste diagnóstico é preciso doravante avançar. O pessimismo é um luxo que não podemos mais nos permitir. Temos de resistir nas questões fundamentais, no emprego, no poder de compra, no alojamento mas temos de fazê-lo imaginando o futuro, o socialismo do século XXI. E dizermo-nos que a questão que nos é colocada é a da sobrevivência da humanidade. Seremos nós capazes desta mistura de realismo obstinado e visão ampla?

Última questão, este texto, esta interrogação, esta contribuição para o debate, será mais uma vez censurada como tantas outras porque o poder, ainda que seja o de um pintassilgo de grupúsculo não quer ouvir senão a sua canção?

23/Abril/2007

[1] Eu escrevera um texto intitulado "a catástrofe iminente sem meios de a conjurar" para que parassem os vossos pequenos jogos anti-liberais e vossas divisões sobre não importa o que. Havia dito igualmente que o PCF não conseguiria mais de 2% e vós me respondestes com a exaltação do comício, deambulando em torno de pequenos círculos em ruptura completa com o resto do país. Há que parar estas loucuras. Olhem o resultado de Bové cuja audiência mediática parecia tão importante, não vêem que há notoriedades que repelem mais do que ajudam? Este mundo de gente tranquila está a envelhecer, não está em fase com a angústia das pessoas humildes. E não é só em França, recebi como muitos outros os votos dos franceses de Caracas e aqueles do Chile: eles assemelham-se estranhamente àqueles da França, os novos inscritos parecem terem ido um pouco mais para a esquerda mas para retornar a Bové. Este, que nos era apresentado como o "arauto" da América Latina, foi um fracasso neste continente que visivelmente leva a luta contra o imperialismo um pouco mais a sério do que nós.

O original encontra-se em http://www.legrandsoir.info/article.php3?id_article=4964

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
24/Abr/07