Nem monarquia nem república espanhola: República Galega
A abdicaçom de Juan Carlos como rei de Espanha é umha manobra
perfeitamente calculada polo regime para tentar frear, e progressivamente
recuperar, a legitimidade popular perdida.
A profunda crise política e social que atravessa o monopartidarismo
bicéfalo pola aplicaçom das receitas ultraliberais da troika foi
exprimida claramente nas eleiçons europeias. Pola primeira vez em quase
quarenta anos de democracia burguesa espanhola, os votos do PP/PSOE a
nível de Estado nom atingem os 50% dos sufrágios. Comportamento
eleitoral enquadrado num processo em que mais de metade da populaçom
optamos por nom participar.
A desafetaçom de cada vez maiores setores populares com o regime da
segunda restauraçom bourbónica é umha realidade
inocultável. Amplos segmentos juvenis e da classe obreira, mas
também dos setores intermédios, experimentam umhas
contraditórias tendências de radicalizaçom política.
Devemos, pois, mediante pedagogia política e firmeza nos
princípios, favorecer que transitem para posiçons rupturistas.
Se a multicrise sistémica do capitalismo global é estrutural, a
do capitalismo espanhol ainda é mais profunda.
O temor a que as forças políticas em que o regime se sustenta
podam num futuro próximo vir a ficar em minoria nas Cortes explica, em
parte, a decisom adotada polo caçador de elefantes. Há que
blindar a continuidade do modelo político imposto polo franquismo
perante os desafios imediatos: consulta catalá e aumento da
desafetaçom popular polo agravamento da situaçom económica
e as imprevisíveis conseqüências no estado de
consciência e no ánimo das massas.
Perante este cenário tam aberto, o regime procura implementar a marchas
forçadas umha nova tansiçom, aplicando idêntica receita que
em 1975-81: impor a continuidade do sistema por cima da vontade popular,
mediante um pacto. Os partidos do Ibex 35 e os seus aliados querem blindar o
cerne do pós-franquismo. Para isso é para eles essencial furtar a
voz do povo.
A abdicaçom de Juan Carlos é umha decisom arriscada, mas
imprescindível para controlar os tempos políticos. O momento
escolhido é subjetivamente apropriado. O Mundial de futebol é um
cenário adequado para amortecer e anestesiar o descontentemento social.
Mas também sabem que a corrupçom, o desemprego e a ausência
de alternativas laborais; o empobrecimento e a proletarizaçom das
camadas intermédias, a carência de futuro da juventude, as
reivindicaçons nacionais dos povos oprimidos por Espanha, som um
combinado explosivo.
As forças revolucionárias, como a que representa a esquerda
independentista galega, temos o dever de agitar este cóctel com firmeza,
para que detone e podamos assim contribuir para tombar o sistema.
Contodo, e perante esta situaçom, o regime guarda um ás na sua
manga: esse ás chama-se "III República". Nom obviemos
que boa parte do bloco de classes oligárquico espanhol tem sido
monárquico por puro acidentalismo histórico. Porque este modelo
de Estado garantia a perpetuaçom dos seus interesses e
privilégios.
Daí que, se a coroaçom de Felipe VI (aguardemos que "O
Breve) nom o assegurar, podam vir a promover a sua queda controlada, impondo,
novamente por cima, a fórmula republicana unitária, capitalista e
patriarcal da tradiçom histórica do liberalismo espanhol.
Eis porque a alternativa republicana jacobinista que promovem o conjunto das
forças hoje fragmentadas, mas que em 1977 ainda estavam bem articuladas
à volta do PCE, é um gesto vácuo, umha nova fraude do
neocarrilhismo.
Os valores republicanos nom asseguram
per se
melhorias nas condiçons de vida das maiorias trabalhadoras, e muito
menos a emancipaçom das mulheres, nem tampouco a das naçons
oprimidas como a Galiza. Som os valores do socialismo os únicos que,
partindo do próprio povo interessado nessa emancipaçom e nom de
maneira "concedida", podem garantir estas conquistas. Daí a
importáncia de um povo trabalhador bem organizado e em alerta permanente
para a aplicaçom do programa revolucionário.
O dilema monarquia/república, que promovem as organizaçons
oportunistas da esquerda espanhola, é umha fraudulenta ilusom para
vertebrar à sua volta o enorme descontentamento popular,
capitalizá-lo eleitoralmente e assim poder ocupar o espaço de um
PSOE em declínio. Representa umha estratégia de curto e limitado
percurso, que aspira a situar os seus dirigentes num governo caraterizado por
simples remendos e declaraçons de princípios, que neutralizare a
transiçom da indignaçom para a revolta, e cujo resultado
será umha nova frustraçom popular.
O movimento popular, as forças políticas e sociais rupturistas,
temos que descartar isso. Devemos fazer pedagogia política de massas.
Desmascarar a falsa alternativa que, umha vez mais, o PCE, IU e os seus
competidores mediáticos querem protagonizar.
É a hora a ruptura democrática. É o momento de
forçar um processo constituinte. Esta só será
possível exercendo o direito de autodeterminaçom. Tanto IU, como
as forças eleitorais "alternativas" que fomentou com
êxito o sistema nos últimos meses, estám incapacitadas para
promové-lo. As suas elites nem querem nem desejam este cenário.
Geneticamente, som jacobinistas e, seguindo a tradiçom republicana
espanhola, querem impor-nos um modelo de Estado onde se negue o direito a
decidir da Galiza e se perpetue o papel atribuído à nossa
pátria na divisom internacional do trabalho por Espanha e pola UE:
regiom produtora de matérias-primas, de onde extrair mao de obra barata
e onde instalar indústrias de enclave poluentes. Querem que continuemos
a ser umha naçom submetida e explorada.
Eis porque na segunda-feira 2 de junho as ruas e praças da Galiza
assistírom a um apaixonado debate e confronto de ideias entre os
milhares de pessoas que denunciamos a manobra do regime. Por um lado, os da
tricolor espanhola, solicitando um referendo para legitimar a nova
transiçom em curso, negando o direito de autodeterminaçom do povo
galego, alimentando fetichismos e a amnésia histórica do que
supujo a II República espanhola. Polo outro, as forças da
esquerda patriótica, simbolicamente armados da nossa tricolor branca,
azul e vermelha, reclamando umha República Galega e, portanto, a ruptura
democrática galega.
É hora de agirmos com audácia e coragem. Nom som momentos para os
pactos e consensos que reclamam os responsáveis do desemprego, dos
salários de miséria, dos despejos, da emigraçom, da
pobreza, do reforçamento do patriarcado, da assimilaçom
lingüística e cultural.
É necessário vertebrar um amplo e plural pólo
patriótico rupturista sem exclusons, com vocaçom integradora, que
sem timoratismos nem complexos, armado do programa avançado que reclamam
amplos setores das massas, leve a iniciativa, ocupe as ruas e faga frente a
esta manobra do espúrio e corrupto regime espanhol.
Galiza, 4 de junho de 2014
[*]
Secretário-geral de
Primeira Linha
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