O Irão resiste diante das exigências abusivas dos EUA na
questão nuclear
por M. K. Bhadrakumar
[*]
Teerão rejeitou no domingo 28 uma proposta pendente da União
Europeia para organizar uma "conversação
diplomática" com os EUA. Mas a
declaração iraniana
a este respeito é bastante nuançada. Falando aos jornalistas em
Teerão no domingo, o porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, Saeed Khatibzadeh, declarou:
"Tendo em conta as recentes posições e medidas tomadas pelos
Estados Unidos e pelos três países europeus [signatários do
JCPOA], a República Islâmica do Irão acredita que este
não é um bom momento para realizar uma reunião não
oficial sobre o acordo, tal como proposto pelo chefe da política externa
da UE, Josep Borrell".
Khatibzadeh acrescentou: "O caminho a seguir é bastante claro. Os
EUA devem pôr fim às suas sanções ilegais e
unilaterais e regressar aos seus compromissos no âmbito do JCPOA. Esta
questão não necessita de negociação, nem de uma
resolução do Conselho de Governadores [da Agência
Internacional da Energia Atómica]. A República Islâmica do
Irão responderá às acções com
acção e, da mesma forma, regressará aos seus compromissos
JCPOA à medida que as sanções forem sendo removidas,
responderá também em espécie a todas as medidas e
comportamentos hostis".
Simplificando, isto pode muito bem tornar-se mais uma patetice da
Administração Joe Biden na sua política do Golfo, para
além do erro da antiga aliança EUA-Saudi de sete décadas.
A administração Biden deveria saber que Teerão nunca
falaria directamente com os EUA enquanto Washington mantiver o seu actual
nível de sanções. O Presidente Trump intimidou o
Irão durante três anos e fracassou.
Curiosamente, ao invés de oferecer qualquer alívio de
sanções, Biden adoptou uma atitude sobranceira, insistindo em que
o Irão deveria primeiro regressar à JCPOA e não aos EUA
embora tenha sido a retirada de Trump em 2018 que tivesse precipitado
toda a sequência de desenvolvimentos que resultaram no actual impasse.
Biden não deveria ter começado uma disputa tão mesquinha,
tendo em conta os altos riscos envolvidos.
Enquanto isso, o secretário de Estado Antony Blinken reuniu os
signatários do E3 da JCPOA (Reino Unido, França e Alemanha) para
se harmonizarem com a posição dos EUA sobre a questão do
Irão e foi emitida uma
declaração conjunta
que fez uma fiada de exigências ao Irão. Blinken aparentemente
assume que Teerão está desesperado para conversar de qualquer
maneira.
A Casa Branca começou simultaneamente a consultar Israel, apesar da
posição deste último de que Biden deveria recuperar a
estratégia de pressão máxima do seu antecessor e
simplesmente duplicá-la. De acordo com relatórios, os EUA e
Israel irão cooperar no âmbito de um mecanismo ao nível dos
dois Conselheiros de Segurança Nacional para trocar pontos de vista,
coordenar e navegar na questão do Irão.
Além disso, Biden embarcou num bizarro ataque aéreo à
Síria na noite de quinta-feira passada e jactou-se de estar a
dar uma advertência ao Irão
. Como ele disse, "Não se pode agir impunemente. Tenham
cuidado". Uma flexão de músculos neste momento delicado era
evitável. Ironicamente, o próprio partido de Biden denunciou
ataques aéreos semelhantes de Trump no passado, sem a
autorização do Congresso.
Acima de tudo, Blinken persuadiu o E3 a mover o Conselho dos Governadores da
AIEA a censurar o Irão pela sua decisão de suspender o Protocolo
Adicional da JCPOA (que era, em primeira instância, uma
disposição voluntária).
Os diplomatas americanos distribuíram na quinta-feira um documento que
enumerava as queixas de Washington e ordenava ao Irão que cooperasse
plenamente com os inspectores. A censura proposta sugere que os EUA
estão a aumentar a pressão gradualmente. A
resolução E3 "sublinharia a forte preocupação
com as conclusões da AIEA" e "expressaria a profunda
preocupação do conselho no que respeita à
cooperação do Irão".
De facto, é provável que Israel esteja de novo a puxar os
cordelinhos por detrás da cena e a alimentar [o conselheiro] NSA da Casa
Branca, Jake Sullivan, com inteligência manipulada. Da mesma forma, Biden
poderia estar deliberadamente a arrastar os pés e a exibir-se a fim de
marcar pontos políticos com republicanos, sauditas, ou israelenses.
Em todo o caso, o ímpeto está a perder-se a cada dia que passa.
Confie no eixo Israel-Saudi-UAE para agora intensificar os esforços no
sentido de frustrar quaisquer conversações EUA-Irão. Riade
está a ferver de fúria depois da humilhação sofrida
com o relatório da CIA sobre Jamal Khashoggi. Biden também
precisa de estar atento ao estado de espírito no Congresso onde tem
assuntos importantes a tratar nos próximos dias e semanas a
começar pelo pacote de ajuda Covid-19.
Para além de tudo isto, os Estados Unidos também têm
aumentado as tensões com a Rússia, cuja ajuda é vital para
moderar a posição do Irão. (
aqui
,
aqui
,
aqui
e
aqui
). Evidentemente, a mão esquerda não sabe o que quer a mão
direita.
Está a surgir um ponto fulcral. Mikhail Ulyanov, o representante
permanente da Rússia junto de organizações internacionais
em Viena, disse num tweet no domingo, "A sessão do Conselho de
Governadores da AIEA terá início amanhã [1 de
Março]. Pode predeterminar novos desenvolvimentos em torno do programa
nuclear iraniano, bem como perspectivas de plena restauração da
JCPOA. Todos os Governadores precisam de ter isto em mente e de exercer uma
abordagem responsável".
O Irão enviou uma carta à AIEA avisando que pode
cessar a sua cooperação
com os vigilantes da ONU se esta adoptar a resolução em Viena.
Tardiamente, a equipa Biden parece ter entendido que exagerou e ter precipitou
uma situação grave.
No domingo, um porta-voz da Casa Branca
disse à Reuters
, logo que chegou a notícia vinda de Teerão sobre a sua
rejeição de conversações: "Se bem que
estejamos desapontados com a resposta do Irão, permanecemos prontos a
retomar uma diplomacia significativa a fim de alcançar um retorno
mútuo ao cumprimento dos compromissos da JCPOA".
Trata-se de palavras conciliatórias, mas é difícil ver
como os EUA e os E3 poderiam voltar atrás na sua ameaça de
censura da AIEA sem uma séria perda de prestígio. Agora vai ser
ainda mais difícil para Biden fazer aquilo que deveria ter sido a coisa
natural a fazer, nomeadamente remover algumas das sanções contra
o Irão.
01/Março/2021
[*]
Analista político, indiano.
O original encontra-se em
www.indianpunchline.com/iran-pushes-back-at-us-overreach-on-nuclear-issue/
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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