A questão nuclear iraniana em ponto de inflexão
por M. K. Bhadrakumar
O inesperado
movimento do Pentágono
de retirar o Combined Air and Space Operations Center (CAOC) da Base
Aérea al-Udeid no Qatar, mudando-o para a Base Aérea Shaw na
Carolina do Sul, a 11 mil quilómetros do Médio Oriente,
verificou-se contra o pano de fundo das tempestades que se acumulam no ambiente
regional. Isto injecta uma atmosfera de crise na política regional.
Para colocar o movimento do Pentágono em perspectiva, além de
abrigar forças qataris a base também abriga a 379th Air
Expeditionary Wing da US Air Force. Outros militares dos EUA também
têm estado activos no país, incluindo os SEALS da US Navy. A
instalação é igualmente utilizada pela Royal Air Force
britânica. A base al-Udeid é uma das poucas bases aéreas
além mar em que bombardeiros B-52, o maior avião de guerra dos
EUA, podem aterrar devido a pistas longas.
Não é a primeira vez que os EUA relocalizam temporariamente o
CAOC. A última vez que isto aconteceu foi há 13 anos
atrás. Quando irromperam tensões entre o Qatar e a Arábia
Saudita, houve mesmo conversas acerca da relocalização do Comando
Central fora do Qatar.
Contudo, no cenário actual, o movimento do Pentágono está
sem dúvida relacionado à subida de tensões com o
Irão. Se surgisse uma pressão e um conflito pleno entre os EUA e
o Irão, o CAOC seria um dos alvos prioritários do Irão. O
CAOC é tão crítico para fornecer poder de fogo às
forças americanas que operam na região que o Pentágono
não pode assumir riscos. O comandante estado-unidense do 609º
Centro de Operações Aéreas e Espaciais foi citado a dizer:
"O Irão indicou múltiplas vezes, através de
várias fontes, sua intenção de atacar as forças dos
EUA".
Quão graves são as perspectivas de um conflito militar
EUA-Irão? O presidente Hassan Rouhani revelou, após o seu retorno
a Teerão vindo de Nova York, que os dois lados estiveram incrivelmente
perto de uma reunião cimeira à margem da Assembleia Geral da ONU
em Nova York na semana passada. Rouhani disse:
"Eles (os americanos) enviaram mensagens a quase todos os líderes
europeus e não europeus de que desejavam negociações
um-a-um entre os dois presidentes, mas nós rejeitámos isto
dizendo que as negociações tinham de ser feitas no quadro do
P5+1, e eles aceitaram".
"É claro que 3 dos 6 países, ou seja, a chanceler da
Alemanha, o primeiro ministro da Grã-Bretanha e o presidente da
França, todos insistiram na realização da reunião,
dizendo que os EUA levantariam todas as sanções. Mas o problema
aqui é que, sob sanções e pressão máxima,
mesmo que desejemos negociar com os americanos no âmbito do P5+1,
ninguém pode prever o fim e o resultado da
negociação".
Significativamente, na última quinta-feira, durante a AG da ONU em Nova
York, o príncipe coroado da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman
(MbS), também falou com visível comedimento numa
rara entrevista ao "60 Minutos" da CBS
. Mbs advertiu: "Se o mundo não
tomar uma acção forte e firme para deter o Irão, veremos
novas escaladas que ameaçarão os interesses mundiais.
Abastecimentos de petróleo serão interrompidos e os preços
do barril saltarão para alturas inimagináveis que nunca
vimos". E ele prosseguiu a dizer que uma "solução
política e pacífica é muito melhor do que uma
militar".
Significativamente, ele foi categórico em que deveria haver uma
reunião cimeira estado-unidense-iraniana e acrescentou "isto
é o que todos nós pedimos". A sabedoria convencional
é de que a Arábia Saudita está petrificada a fim de que os
EUA possam se envolver directamente com o Irão. Mas aparentemente isso
não é o caso.
Sem dúvida, a visita do presidente russo, Vladimir Putin, à
Arábia Saudita em Outubro será intensamente observada. Antes da
visita saudita, Putin estará a reunir-se com Rouhani à margem da
cimeira da União Económica Euro-asiática (EAEU) em
Iereván, dia 1 de Outubro, quando a situação regional e o
acordo nuclear do Irão certamente estarão na agenda de
discussão.
Isto também é um momento definidor nas relações
russo-iranianas, pois o Irão está prestes a assinar o acordo
formal para aderir à zona de livre comércio com a EAEU, o qual
naturalmente é um projecto prestigioso do Kremlin.
Moscovo está cautelosamente optimista em que "Possivelmente
alcançaremos alguma solução positiva (sobre o acordo
nuclear de 2015) ao longo do vários meses pela frente, ou do
contrário a situação continuará a piorar",
para citar o representante da Rússia em organizações
internacionais em Viena, Mikhail Ulyanov, durante uma
conferência de imprensa na sexta-feira
para destacar que a questão nuclear do
Irão está a aproximar-se de um ponto de inflexão.
Mas o Irão está potencialmente a mover-se gradualmente no seu
caminho de regresso no negócios das armas nucleares, com um quarto passo
que deve ser tomada no início de Novembro para reduzir seus compromissos
sob o acordo de 2015. Uma notícia do
Guardian
na semana passada dizia que a União Europeia advertiu o
Irão em privado que será forçada a começar a se
retirar do acordo nuclear em Novembro, se Teerão avançar com sua
ameaça de dar novos passos para distanciar-se do acordo
A UE disse
ao Irão que colocaria a questão do não cumprimento
iraniano no mecanismo formal de disputa do acordo se o próximo
afastamento iraniano do acordo for significativo... Uma vez accionado o
mecanismo de disputa do acordo, os dois lados terão 30 dias para provar
o não cumprimento significativo e, se necessário, ocorrerá
um
rápido reajuste mundial das sanções
".
A
notícia do Guardian
esclareceu o dilema europeu nas seguintes linhas: "A dificuldade é
que o Irão diz que as medidas são reversíveis, mas se eles
aprenderem acerca da construção de uma bomba nuclear, isso
é irreversível".
O Irão não encontra mais o apoio que esperava na Europa e poderia
ser susceptível a ampla censura. Inversamente, os EUA estão a ter
a oportunidade de restaurar um pouco de credibilidade com seus aliados e a
comunidade internacional, o que ampliaria a pressão sobre o Irão.
Por outro lado, uma mudança de opinião de Trump está a
tornar-se mais difícil no crescente tumulto dos processos de
impeachment. Mas, embora ele pareça ter-se barricado, ainda lhe cabe
propor ao Irão que a retomada do cumprimento do acordo de 2015 seria
recebida com benefícios concretos, como o pacote de resgate de US$15 mil
milhões proposto pelo presidente da França, Emmanuel Macron.
Não é de excluir esta mudança de eventos entre este
momento e Novembro. Após a AG da ONU, Trump deu a entender a vontade de
negociar. Ele disse na sexta-feira: "Não quero conflito militar.
Nós nos oferecemos para conversar, nos oferecemos para discutir
coisas... Mostrei grande contenção e espero que o Irão
também escolha a paz".
É dentro destes vastos parâmetros que os eventos podem
desdobrar-se nos próximos meses. Enquanto isso, o Pentágono
está a fazer planeamento antecipado ao mudar o CAOC para longe da zona
de conflito.
30/Setembro/2019
O original encontra-se em
indianpunchline.com/iran-nuclear-issue-at-inflection-point/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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