Não importam os factos, vamos ter uma guerra...
por Finian Cunningham
Um teste de míssil disparado pelo Irão na semana passada foi
relatado pelo World Service da BBC como sendo "capaz de atingir
Israel".
A escolha das palavras não foi inabitual. Em ocasiões anteriores
quando o Irão efectuou testes de mísseis de longo alcance, a BBC
e outros media ocidentais informaram-nos devidamente que o dito dispositivo
é "capaz de atingir Israel". A frase banal é tão
ouvida habitualmente nestes boletins de notícia que a sua
utilização trai um roteiro codificado. As
implicações não tão subliminares são que o
Irão é: a) o estado hostil; b) faz algo ilegal ao testar um
míssil de longo alcance; e c) acelera a sua alegada ameaça de
eliminar o estado de Israel.
Poucas horas após estes relatos, o governo do EUA saiu-se com a piedosa
acusação de que o teste "mina as afirmações do
Irão de intenções pacíficas".
Isto é um sistema de propaganda em pleno funcionamento: a escolha das
palavras e a estrutura da lógica são concebidas para condicionar
o povo a aceitar certas opções. Neste caso, a opção
pré-determinada é um ataque unilateral ao Irão pelos EUA
ou por Israel. Em tal caso, ele naturalmente será relatado pela BBC e
outros media ocidentais como uma medida militar "antecipativa"
("pre-emptive")
para "impedir" o Irão de atacar interesses ocidentais na
região. Também serão relatados, sem dúvida, os
"danos colaterais" de baixa civis vítimas infelizes de
uma "causa justa" destinada a levar um "regime
rígido" a obedecer "normas internacionais". Isto é
a clássica engenharia de pensamento que o ensaísta
político britânico George Orwell expôs tão
brilhantemente a utilização oficial de palavras
desinfectadas para encobrir a verdade sórdida.
Assim, vamos recapitular e voltar atrás com as notícias de alguns
factos pertinentes e o seu contexto que são habitualmente omitidos nos
relatos dos media ocidentais.
O Irão testou um míssil de longo alcance dentro das suas
fronteiras soberanas. Os EUA e os seus aliados ocidentais executam tais testes
de armas o tempo todo, como é do seu direito soberano. Um dos aliados
dos EUA, Israel, acumulou armas nucleares em contravenção ao
Tratado de Não Proliferação. Este mesmo aliado
anteriormente cometeu actos de agressão (crimes de guerra) com o
lançamento de ataques aéreos a países vizinhos. Israel,
com aprovação aberta de Washington, disse reiteradamente que
está preparado para atacar o Irão "em breve". Os
próprios EUA advertiram várias vezes que se reservam o direito de
utilizar uma opção militar nas suas relações com o
Irão. Os EUA estão a travar guerras ilegais em três
vizinhos do Irão: Iraque, Afeganistão e Paquistão. Uma
dinâmica de medo e desconfiança entre países do Golfo
está a alimentar uma corrida regional às armas. Esta
dinâmica está a ser pressionada pelos EUA de acordo com
óbvios interesses próprios (vendas maciças de armas,
influência geopolítica) que são camuflados pela
ilusão do monstro iraniano, a qual, infelizmente, estados do Golfo
parecem aceitar. Considerando tudo, estes factos realmente "minam as
afirmações dos EUA de intenções
pacíficas".
Aqui estão alguns outros factos a que, curiosamente, os media ocidentais
não dão a devida importância. O Irão não
está em guerra com qualquer país, embora seja habitualmente
acusado nos media ocidentais, sem provas de apoio, de subversão
encoberta por toda a região. O Irão está a trabalhar num
programa de energia nuclear, o qual afirmou reiteradamente que é para
produzir electricidade para fins civis. Após uma década de
estreita fiscalização por inspectores da ONU, a qual os EUA ou os
seus aliados nunca teriam permitido nos seus próprio territórios,
os inspectores reiteraram que não há evidência de o
Irão construir uma arma nuclear. No entanto, esta conclusão
não impede a teimosa afirmação de Washington e Londres de
que Teerão está a construir armas nucleares (sugestão para
mais vendas de armas).
Dados estes factos, o disparo de teste pelo Irão de um míssil de
longo alcance está longe de ser um acto quase criminoso carregado de
intenções hostis. É a acção de um
país que precisa mostrar que se pode defender em meio a contínuas
provocações de agressores comprovados e muito mais poderosamente
armados, cujo arsenal também inclui um sistema de propaganda que teria
maravilhado o mestre de relações públicas nazi Joseph
Goebbels.
08/Janeiro/2010
O original encontra-se em
Gulf Daily News
(23/12/09) e em
http://globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=16834
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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