Vamos saltar fora daqui!

por Prem Shankar Jha [*]

. Por detrás da folha de figueira de acelerar uma transferência de poderes ordenada para um governo iraquiano, Washington prepara-se para cortar com o Iraque e correr de lá para fora. Citando o editor do New Yok Times (Novembro 16): — "É um bocado cínico dizer que o plano é atirar a batata quente para qualquer iraquiano que a queira apanhar. Mas a Casa Branca está a mudar muito".

Ninguém em Washington está disposto a aceitar isso. A posição oficial da administração Bush lançada durante a repentina visita de Paul Bremer, chefe da Autoridade Provisória da Coligação, há quinze dias a Washington, é que tem de haver uma retirada ordenada. Esta organização vai alargar a base do Conselho governamental e transformá-lo num governo provisório para o qual serão transferidos gradualmente mais e mais poderes. Vai fazer eleições e nomear os membros, para uma assembleia constituinte que vai redigir uma constituição sob a qual serão feitas eleições e eleger um governo democrático.

Esse governo vai funcionar com o auxílio da polícia iraquiana e um pequeno exército, ambos recrutados e treinados pela Autoridade Provisória da Coligação. Tropas americanas ficam no Iraque para manter a ordem e dar tempo ao novo governo para firmar-se, mas em número cada vez menor. As Nações Unidas irão progressivamente receber as tarefas e tropas de outros países tomarão o lugar das tropas americanas. No devido tempo, surgirá um Iraque totalmente democrático, livre de Sadam Hussein e do seu regime tirânico.

O plano parece bom no papel. Mas o melhor dos planos pode ir por água abaixo. Se os planificadores são sérios, levam isso em conta e criam retaguardas e planos de contingência para imprevistos. O que torna suspeito o plano da administração Bush é que não existe tal provisão ou contingência. Pelo contrário, há uma série de palhas ao vento que indicam que a administração americana está farta do Iraque e irá sair em Junho próximo a qualquer preço.

Um indicador pequeno mas eficaz foi a declaração do general que chefia a 101ª divisão aérea dos Estados Unidos que patrulha a fronteira com a Síria, que só umas dezenas de combatentes estrangeiros se infiltraram no Iraque. Isso contraria a declaração da Casa Branca apenas um mês antes de que existiam entre 1000 a 3000 combatentes estrangeiros no país. Isto fora afirmado por Bush em diversas ocasiões. O mero facto de o general ter admitido isso demonstra que Washington já não quer mais pretextos para justificar a deslocação de grandes forças americanas de combate para o Iraque. Pretende-se agora minimizar a afirmação de que a Al-Qaeda se infiltrou no Iraque. Na realidade, Bush negou essas ligações depois de ter martelado nessa ideia a fim de ganhar apoios para esta guerra no Iraque.

Um segundo indicador ainda mais importante é o desespero para entregar rapidamente o policiamento de cidades difíceis do chamado cinturão Sunita às tropas locais e às forças policiais iraquianas. Isso tem-se vindo a processar discretamente no Curdistão norte e no leste shiita. Mas essa política está a alargar-se precisamente às áreas, em que, de acordo com os americanos, se sucedem 80 a 90 por cento de todos os ataques. A transferência de poderes deste modo pode parecer sensata e até democrática. O mundo pode ver isso como uma prova de que a América nunca teve qualquer intenção de prolongar a sua estadia no Iraque.

Mas o que torna isto altamente perigoso é que está a ser feito antes e não depois de uma eleição e de criação de uma autoridade nacional legitima. Isso diz respeito à transferência de poderes aos lideres locais que foram angariados pelos americanos e não para aqueles que forem devidamente eleitos pelos Iraquianos. Quando um governo iraquiano genuíno for eleito de acordo com esse plano, vai enfrentar lideres locais entrincheirados que terão utilizado parte do dinheiro que receberam para a reconstrução e administração geral com o equipamento de milícias privadas. Uma guerra civil localizada, em nada diferente da que se verifica no Afeganistão de quando em quando desde 1990, poderá facilmente ter lugar. Washington não pode ignorar isso. O que esse movimento significa é que eles não se importam, desde que salvem a face e tirem o corpo fora.

É tentador acreditar que o que quebrou os americanos foi a queda de cinco helicópteros nas últimas três semanas levada a cabo por guerrilheiros iraquianos e a perda de 40 vidas. Os primeiros três podem bem ser o catalisador oculto, já que Bremer voou para Washington logo após a queda do terceiro. Mas, na realidade, a posição americana no Iraque já se havia tornado impossível muito antes. Os 130 mil soldados no país estão afastados da pátria há um ano ou mais. Prometeram-lhes que regressariam logo que a guerra acabasse, mas têm sido forçados a ficar e a enfrentar um inimigo tanto mais aterrador quanto invisível. O chefe do exército americano deixou a Casa Branca sem a menor dúvida que teriam de trazê-los de volta em Março de 2004. O Pentágono até anunciou recentemente, antes de a pesporrência se lhe acabar, que iria substituí-los por outras 128 mil tropas frescas.

Mas a contagem rapidamente crescente de baixas no Iraque, 416 mortos e 6800 repatriados feridos ou doentes, a ideia de 128 mil soldados a regressar com histórias de horror a contar, e a necessidade de enfrentar a fúria de mais 128 mil famílias a quem já não consegue justificar a guerra, quebrou finalmente a audácia de Bush e dos neoconservadores.

Nenhum país concordou em suportar a parte da estabilização: as contribuições da Dinamarca, dos países de leste e da Itália foram simbólicas; a Turquia, o Japão e a Coreia do Sul recusaram enviar tropas depois de prometerem o contrário. E o Paquistão e a Índia onde os Estados Unidos depositaram a sua maior esperança, finalmente recusaram. A conferência dos doadores foi igualmente uma farsa quando 20 dos 33,6 milhões prometidos ao Iraque vieram dos americanos e quase todo o resto foi oferecido como empréstimos que o Iraque não poderia estar em posição de pagar durante muito tempo.

Paradoxalmente, a última gota foi a recuperação económica no 3º trimestre do ano, quando o PIB cresceu 7,4 por cento. Bush sabia que o número crescente de baixas no Iraque, o défice crescente do orçamento nos Estados Unidos e o desemprego galopante tornariam a sua reeleição difícil. Portanto, acreditou, que não tinha outra escolha que não fosse «saltar fora». Mas de repente descobriu que podia afirmar que a economia dera a volta por cima, os seus cortes nos impostos tinham resultado e o desemprego estava a decrescer. Tudo o que tinha a fazer era declarar que se tinha visto livre de um ditador monstruoso, iniciado o processo da democratização no Iraque e trazido de volta as tropas, para avançar de novo para a Casa Branca. Repentinamente, todo o projecto neoconservador para o Iraque e Ásia ocidental se tornou dispensável.

A retirada americana iminente explodiu o fluxo do sonho neoconservador. Com 30 mil mortos no Iraque e a destruição quase total do que sobrou do Estado iraquiano, os americanos retiram-se para a sua fortaleza do outro lado do Atlântico bradando as suas virtudes, a sua vitória. Mas onde isso deixa o Iraque e a todos nós?

O Iraque está prestes a tombar na guerra civil e pode facilmente tornar-se o terceiro estado falhado. A Al-Qaeda e todos os fanáticos da Jiad islâmica gritam mais uma vitória sobre o «Grande Satã» e voltam a sua atenção reforçada e revivida para os «pequenos Satãs» noutras partes do mundo. O Afeganistão será o seu próximo campo de batalha ou escolha. Musharraf poderá ser o seu primeiro alvo por ser ter tornado traidor. A Índia e os seus lideres poderiam ser a segunda escolha nas duas contagens.

Talvez esteja na hora de os lideres dos nossos dois países porem de parte as quezílias e pensarem na força destruidora que pode estar a cair-lhes em cima.

[*] Do Hindustan Times . Tradução de MA.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

30/Nov/03