A nova fisionomia da Irlanda e a sua crescente consciência de classe
Os resultados das eleições gerais para o 33º Dáil
[câmara baixa do parlamento irlandês] confirmaram as crescentes
frustrações dentro da classe trabalhadora e a necessidade de
políticas sociais e económicas alternativas. Reflectem um
crescimento importante na consciência de classe, que precisa ser nutrida
e desenvolvida.
O declínio dos dois principais partidos do establishment, Fianna
Fáil e Fine Gael, que dominam a vida política deste estado
há mais de oito décadas, é de importância
sísmica. Eles foram derrotados pela apresentação de uma
plataforma económica e social alternativa de esquerda.
Este resultado eleitoral cresceu com a rejeição da austeridade
imposta pela UE e com as políticas que dão prioridade às
necessidades do capital, dos ricos e poderosos, às custas dos
trabalhadores, políticas promovidas por todos os partidos do
establishment, incluindo o Partido Trabalhista, e os media do establishment.
Segue-se às lutas de massa pela água, habitação,
saúde, revogação da 8ª [emenda da
Constituição]
[1]
e igualdade do casamento.
A eleição apenas confirmou que habitação,
saúde, pensões e assistência infantil eram questões
centrais que tiveram um grande impacto na classe trabalhadora.
As décadas de austeridade UE-Troika afectaram pesadamente a vida dos
trabalhadores, os cortes selvagens na saúde, na habitação
e nos gastos sociais em geral, com as condições de trabalho cada
vez mais difíceis e árduas.
Os trabalhadores deram um golpe político significativo nos partidos do
establishment e declararam claramente que desejam uma
transformação real, que exigem mudanças sociais e
económicas que os beneficiem, às suas famílias e
comunidades. Eles estão a exigir a implementação de
políticas económicas mais profundas que transformam as reais
condições materiais que experimentam diariamente e não
astúcias de relações públicas.
A classe trabalhadora está irada com precariedade das suas vidas e com a
disseminação de práticas precárias de emprego por
parte de empregadores, grandes e pequenos, de ficar numa fila para receber
atenção médica urgente ou deitar-se em macas nos
corredores dos hospitais, enquanto aqueles que podem pagar a saúde
privada saltam a fila.
Que o Sinn Féin tenha conquistado temporariamente a maioria dos votos
populares e empurrado os dois principais partidos do establishment para o
segundo e o terceiro lugar é um passo importante em frente e deve ser
saudado por todas as forças de esquerda e progressistas. Mas seu papel
no executivo do Norte e a imposição de políticas sociais e
económicas promovidas pelo estado britânico, as quais resultaram
em grandes dificuldades para a classe trabalhadora no norte da Irlanda,
tão severas quanto as impostas pelos partidos do establishment no Estado
do sul, não pressagia nada de bom para qualquer afastamento radical do
actual sistema político e moralmente falido.
Nas últimas oito décadas, os dois principais partidos do
establishment arrecadaram mais de 80% do apoio eleitoral; agora eles mal
conseguem reunir 40% entre si. Claramente, a classe trabalhadora usou a
eleição para maximizar a voz esquerda no Dáil, o que
é outra indicação do crescimento da consciência de
classe.
As formações políticas do Solidarity e do People Before
Profit devem o retorno dos seus deputados em grande parte ao enorme excedente e
à transferência de votos do Sinn Féin. O sectarismo
político e o oportunismo desses grupos provaram ser sua ruína e
são um factor significativo no declínio dos seus votos.
Outro factor que está a afastar as pessoas dos partidos do establishment
e a pedir uma resposta séria de um governo de esquerda é a
crescente conscientização da crise ambiental e o conhecimento de
que o governo nunca contestaria poderosos interesses económicos e
políticos entrincheirados. Isto resultou em maior apoio ao Partido
Verde.
O Sinn Féin conseguiu capturar essa cólera apresentando-se como o
partido que pode proporcionar melhorias reais e significativas que o nosso povo
precisa tão desesperadamente, em áreas como
habitação, saúde e direitos dos trabalhadores
apesar do papel dos media do establishment e dos seus ataques concentrados a
quaisquer possíveis políticas económicas alternativas. Os
partidos políticos e os mass media continuam suas tentativas de
banalizar ou demonizar as aspirações democráticas
nacionais, incluindo a reunificação da Irlanda.
O resultado da eleição tem potencial para trazer para o topo da
agenda política a questão central de quem tem o controle do poder
político e económico na Irlanda.
Nos próximos meses, membros e apoiantes do Sinn Féin e da classe
trabalhadora em geral testemunharão a estratégia do establishment
para incorporar o Sinn Féin ao sistema, responsabilizá-lo e agir
no "interesse nacional" e cumprir seu dever para com aqueles que
têm riqueza e poder económico.
Vimos o que acontece com os partidos de esquerda e radicais quando eles entram
em governos de coligação com partidos do establishment. Isso
só pode revitalizar os partidos do establishment e desmoralizar os
trabalhadores, semeando confusão e derrotismo.
O Fianna Fáil e o Fine Gael certamente tentarão salvar seu poder
e influência política declinantes através de alguma forma
de coligação. Cabe à esquerda dentro do Dáil, e do
Sinn Féin como seu maior componente, mobilizar a classe trabalhadora
para assegurar que a alternativa de um governo de esquerda progressista
tão exigido pela classe trabalhadora seja garantida.
Nas próximas semanas, testemunharemos as negociações de
bastidores e os acordos ocultos serem articulados para ver qual
combinação de partes constituirá o próximo governo.
O oportunismo do Partido Trabalhista, dos social-democratas e do Partido Verde
tornam-nos muito propensos a constituir ou apoiar um governo com o Fianna
Fáil.
Se bem que os comunistas irlandeses saúdem estes desenvolvimentos
progressistas, estamos atentos à história das lutas de classe e
da luta pela independência e soberania nacional, de quão
facilmente as reivindicações e a energia dos trabalhadores
têm sido sufocadas no passado, promovendo a fé cega em que
só o sistema eleitoral pode proporcionar mudanças reais ou
duradouras.
Os trabalhadores não podem se dar ao luxo de sentar e permitir que o
nosso futuro seja decidido por acordos nos bastidores. Sabemos da luta recente
como a energia e as reivindicações em relação
à água foram marginalizadas e enterradas nos corredores escuros
do Dáil. O povo não foi derrotado nas ruas, mas perdeu autoridade
para aquelas instituições que controlam nossas vidas,
instituições sobre as quais temos muito pouco controle.
Qualquer que seja o controle limitado que os trabalhadores irlandeses tenham
sobre Dáil Éireann, não têm nenhum sobre as
instituições da União Europeia. Qualquer governo
progressista enfrentará oposição destas poderosas
forças económicas e políticas, as quais só podem
ser enfrentadas com uma mobilização popular.
As novas condições criadas pelo resultado eleitoral devem ser
usadas como uma oportunidade para a renovação das lutas populares
em toda um conjunto de questões. Este é claramente o momento
certo para lutas sindicais e de classe mais vigorosas e militantes.
Todas as forças de esquerda e progressistas precisam mobilizar-se para
assegurar que as prometidas mudanças sociais e económicas se
materializem; e a única garantia de que isto acontecerá é
a própria luta do povo. O desafio agora é se as
aspirações e as reivindicações por mudanças
reais podem ser consolidadas em mudanças e avanços estruturais a
longo prazo.
Esta eleição mostrou claramente que nosso povo quer uma
transformação democrática da nossa sociedade, uma
sociedade na qual o povo seja soberano, e não aquela em que o bem maior
é sacrificado para atender às necessidades e interesses da
propriedade privada e dos interesses pessoais. O povo claramente quer uma
mudança democrática que transforme as estruturas de poder de
controlo a todos os níveis, uma transformação
democrática que permita a participação e
contribuição dos trabalhadores em todas as decisões, a
todos os níveis da vida económica e política.
Sabemos que a adopção das necessárias mudanças
sociais, económicas e políticas requer uma classe trabalhadora
mobilizada e a construção e o fortalecimento de sua capacidade
organizacional e da sua consciência ideológica de classe. Nossa
classe precisa desenvolver a necessária clareza política e
fortalecer-se para desafiar e repelir os interesses imperialistas representados
pela União Europeia, Estados Unidos e Grã-Bretanha e seus aliados
na classe subserviente capitalista irlandesa, se a classe trabalhadora quiser
avançar e garantir seus próprios interesses.
No período imediato, os trabalhadores precisam apresentar as suas
reivindicações, tais como:
A revogação de todas as leis anti-trabalhadores, incluindo
a Lei de Relações Industriais (1990)
Garantias legislativas e constitucionais para dar aos trabalhadores o
direito à negociação colectiva
Uma gama completa e abrangente de políticas para proteger e
promover os direitos dos trabalhadores
Disposição constitucional para a propriedade do povo sobre
a água e todos os recursos naturais
Adopção de uma estratégia habitacional que altere
as regras de propriedade, incluindo a transformação do stock de
imóveis vazios em stock de propriedade do Estado
Investimento maciço num programa universal de
habitação pública
Acabar com o sistema de saúde em dois níveis, pela
proibição ao sector privado de saúde de usar o sistema
público de saúde
Fornecimento de um sistema de transporte público gratuito e
ampliado por todo o país
Repúdio da odiosa dívida bancária da UE imposta
sobre o nosso povo
Adopção de uma estratégia progressista para
promover a unidade nacional
Acabar com a utilização do aeroporto de Shannon como um
centro de guerra dos EUA e da NATO
Consagrar a neutralidade na Constituição da Irlanda
Retirada do
PESCO
e de todos os compromissos militares com a UE
Construção de uma estratégia económica
alternativa para romper o poder das corporações transnacionais.
12/Fevereiro/2020
[1] Emenda com implicações para a despenalização da
interrupção voluntária da gravidez.
Ver também:
Elections en Irlande: le parti nationaliste Sinn Fein triomphe grâce à son programme social
[*]
Partido Comunista da Irlanda.
O original encontra-se em
www.communistpartyofireland.ie/r-2020-02-12.html
Esta declaração encontra-se em
https://resistir.info/
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