Imperialismo e estratégias de libertação no Médio
Oriente
Atualmente os EUA têm grande dificuldade em manter a sua hegemonia no
Médio Oriente. As suas tropas foram declaradas indesejáveis no
Iraque. Na Síria, os EUA e sua legião estrangeira de terroristas
perdem
terreno e posições todos os meses. Os Estados Unidos responderam
a isso com uma escalada significativa, enviando mais tropas e ameaças
constantes contra o Irão. Ao mesmo tempo, viram-se fortes movimentos de
protesto no Líbano, Iraque e Irão.
O projeto para o novo Médio Oriente
Quando milhões de iraquianos saíram às ruas recentemente,
o seu principal slogan era "Os EUA fora do Médio Oriente!"
Como devemos analisar este facto?
Obviamente, existem muitas tensões sociais no Médio Oriente
baseadas nas classes sociais e de natureza étnica, religiosa e cultural.
A região é uma manta de retalhos de conflitos e tensões
que remonta não apenas a centenas de anos, mas até mesmo a
milhares. Há sempre, em qualquer parte do mundo, muitas razões
para o povo se rebelar contra a corrupção das classes
exploradoras. Mas nenhuma rebelião pode ter êxito se não
for baseada numa análise realista e exaustiva das
condições específicas de cada país e região.
Tal como em África, as fronteiras do Médio Oriente foram
arbitrariamente traçadas. São o produto das
manipulações das potências imperialistas e em muito menor
grau o que os próprios povos queriam.
Durante a era da descolonização, houve um movimento
pan-árabe
forte e secular que queria criar um mundo árabe unificado. Esse
movimento foi influenciado pelas ideias nacionalistas e socialistas que tinham
forte apoio popular na época. O rei
Abdallah I da Jordânia
imaginou um reino que incluísse a Jordânia, a Palestina e a
Síria. O Egito e a Síria estabeleceram durante algum tempo uma
união chamada
República Árabe Unida
. Kadafi queria unir a Líbia, Síria e Egito numa
federação de repúblicas árabes
. Em 1958, uma confederação rapidamente dissolvida foi
estabelecida entre a Jordânia e o Iraque, chamada
Federação Árabe
Todos esses esforços foram transitórios. O que resta é a
Liga Árabe, que afinal não é uma federação
estatal nem sequer uma aliança. E, claro, temos a
reivindicação de um Estado curdo, ou algo semelhante, consistindo
num ou mais mini-estados curdos. Ainda assim, após ter terminado a
Primeira Guerra Mundial, a medida que mais divisões provocou foi o
estabelecimento do Estado de Israel em solo palestiniano. Durante a Primeira
Guerra Mundial, o ministro das Relações Exteriores da
Grã-Bretanha, Arthur Balfour, emitiu o que ficou conhecido como a
Declaração Balfour
, que "
[...] considera favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar
nacional para o povo judeu".
Mas qual é a base de todas essas tentativas de criação de
Estados? Quais são os pré-requisitos para o sucesso ou fracasso?
As potências imperialistas dividem o mundo de acordo com as
relações de poder entre elas
Lenine deu a melhor e mais duradoura explicação para isso,
no seu ensaio
"O imperialismo, estado supremo do capitalismo"
.
Aí, ele expôs cinco características básicas da era
do imperialismo:
-
A concentração da produção e do capital evoluiu
para um situação preponderante, criando monopólios que
passaram a desempenhar um papel decisivo na vida económica;
-
A fusão do capital bancário com o industrial e a
criação, com base nesse "capital financeiro", de uma
oligarquia financeira;
-
A exportação de capital, diferentemente da
exportação de mercadorias, adquire uma importância
excecional;
-
A formação de associações capitalistas
monopolistas internacionais que compartilham o mundo entre si;
-
A divisão territorial do mundo inteiro entre as maiores
potências capitalistas está concluída.
Mas Lenine também apontou que os países capitalistas estavam a
desenvolver-se de maneira desigual, principalmente devido ao desigual
desenvolvimento das forças produtivas nos vários países
capitalistas. Depois de algum tempo, surgem discrepâncias entre a forma
como mundo está dividido e a força relativa das potências
imperialistas. Essa disparidade acaba por forçar uma
redistribuição de áreas de influência, uma nova
divisão do mundo, baseada na nova relação de
forças. Como
afirmou
Lenine:
"A questão é, então: que outros
meios além da guerra podem existir no capitalismo para superar a
disparidade entre o desenvolvimento das forças produtivas e a
acumulação de capital, por um lado, e a divisão de
colónias e esferas de influência do capital financeiro, por
outro?"
As duas guerras mundiais foram guerras que surgiram devido à
desigualdade nas relações de poder entre as potências
imperialistas. O Império Britânico havia passado o auge e o
capitalismo britânico ficou para trás na competição.
Os Estados Unidos e a Alemanha foram as grandes potências com maior
crescimento industrial e tecnológico e, consequentemente, esse
desalinhamento explodiu. Não uma, mas duas vezes.
Versalhes e Yalta
Os vencedores da Primeira Guerra Mundial dividiram o mundo entre si às
custas dos perdedores. Os principais perdedores foram a Alemanha, o
Império Austro-húngaro, a Rússia (União
Soviética) e o Império Otomano. Esta divisão foi
estabelecida no
Tratado de Versalhes
e noutros tratados menores.
Este mapa mostra como o Império Otomano foi repartido:
No final da Segunda Guerra Mundial, as superpotências vitoriosas
reuniram-se em Yalta, na Crimeia, União Soviética. Roosevelt,
Churchill e Estaline fizeram um acordo sobre como a Europa seria dividida
após a iminente derrota da Alemanha. O mapa mostra o que foi previsto e
os dois blocos que surgiram e se tornaram a base da Guerra Fria. Note-se que a
Jugoslávia, criada após Versalhes em 1919, foi mantida e
consolidada como "um país entre os blocos". Portanto, era um
país que possuía em si a herança dos acordos de Versalhes
e Yalta.
A fatídica mudança de época quando a União
Soviética caiu
Com o imperialismo, sempre houve uma luta entre várias grandes
potências. As guerras têm sido sobre mercados, acesso a
mão-de-obra barata, matérias-primas, energia, rotas de transporte
e controlo militar. Os países imperialistas dividem o mundo entre si de
acordo com sua força. Mas as potências imperialistas
desenvolvem-se desigualmente.
Se um poder entrar em colapso ou perder o controle sobre algumas áreas,
os rivais competirão para preencher o vazio. O imperialismo segue o
princípio que Aristóteles na sua física chamou de
horror vacui
o horror da Natureza ao vazio.
E foi o que aconteceu quando a União Soviética perdeu a Guerra
Fria. Em 1991, a URSS deixou de existir, e logo o bloco oriental também
passou à história. Assim, o equilíbrio que mantinha a
antiga ordem foi quebrado. Uma enorme área estava disponível para
uma nova divisão. A Rússia enfraquecida mal conseguiu preservar o
seu próprio território e de forma alguma a área antes
controlada pela União Soviética.
"Nunca uma área tão grande foi aberta para tornar a ser
dividida. O resultado de duas terríveis guerras mundiais estava
novamente em disputa. Não poderia deixar de levar à guerra".
(Pål Steigan 1999)
Quando a União Soviética se desintegrou, os acordos de Yalta e
Versalhes entraram em colapso e abriram o caminho a uma corrida feroz para
controlar esse espaço geopolítico vazio.
Foi o que lançou as bases da
Geostratégia Americana para a Eurásia
, que se concentrou em garantir o controlo sobre o vasto continente da
Euroásia. É esta luta pela redistribuição a favor
dos EUA que tem sido a base da maioria das guerras desde 1990: Somália,
Iraque, Balcãs, Líbia, Ucrânia, Síria.
Os Estados Unidos têm liderado agressivamente esta
situação. O processo para expandir a NATO para leste, criando
mudanças de regime sob a forma das chamadas
"revoluções coloridas", fez parte dessa luta. O golpe
em Kiev, a transformação da Ucrânia numa colónia
americana com elementos nazis e a guerra no Donbass também fazem parte
deste quadro. A guerra não vai parar até que a Rússia seja
conquistada e desmembrada ou que ela ponha um fim à ofensiva dos EUA.
Recapitulando: o mundo já está dividido entre potências
imperialistas, não há novas colónias a serem conquistadas,
as grandes potências só podem lutar pela
redistribuição. O que cria as bases e as possibilidades de uma
nova divisão é o desenvolvimento desigual do capitalismo. As
forças que estão a desenvolver-se mais rapidamente
económica e tecnologicamente exigirão mercados maiores, mais
matérias-primas, mais controlo geoestratégico.
Os resultados das duas terríveis guerras mundiais estão novamente
em disputa
A Primeira Guerra Mundial causou talvez
20 milhões de mortes
e pelo menos o mesmo número de feridos. A Segunda Guerra Mundial causou
cerca de
72 milhões
de mortes. Estes são números aproximados e ainda há
controvérsia em torno dos números exatos, mas falamos desta ordem
de grandeza. As duas guerras mundiais, que tiveram como resultado os tratados
de Versalhes e Yalta, causaram pouco menos de 100 milhões de mortos,
além de um número incrível de outros sofrimentos e perdas.
Desde 1991, uma "guerra mundial" de baixa intensidade é
travada, principalmente pelos EUA, para conquistar o "vazio".
Donald Trump
afirmou recentemente que os Estados Unidos travaram guerras baseadas em
mentiras, que custaram 8 milhões de milhões de dólares e
milhões de vidas. Portanto, a redistribuição de
espólios feita pelos EUA não aconteceu pacificamente.
"A rebelião contra Sykes-Picot"
No debate sobre a situação no Médio Oriente, certas
pessoas que gostariam de parecer de esquerda, radicais e anti-imperialistas,
dizem que é hora de se rebelar contra as fronteiras artificiais
traçadas pelos tratados de Sykes-Picot e Versalhes. Certamente que essas
fronteiras são artificiais e imperialistas. Mas quão de esquerda
e anti-imperialista é lutar para que essas fronteiras sejam revistas
agora?
Na realidade, são os EUA e Israel que lutam por uma
redistribuição dos espaços de influência no
Médio Oriente. Essa é a base subjacente ao "Acordo do
Século" de Donald Trump, que tem o objetivo de enterrar a Palestina
para sempre e estabelecer definitivamente o plano dos EUA de dividir o Iraque.
Esta é apenas uma versão atualizada do plano Sionista Yinon que
visava dividir todo o Médio Oriente em cantões, com o objetivo
de que Israel não tivesse oponentes reais e pudesse dominar toda a
região, possivelmente criando um Grande Israel.
Não são os anti-imperialistas que lideram as vias para rever as
fronteiras imperialistas de 1919. São os imperialistas. Para conseguir
isso, eles costumam explorar movimentos inicialmente populares ou nacionais,
mas que depois se tornam ferramentas e meros servidores de um jogo maior. Isto
aconteceu tantas vezes na história que dificilmente pode ser contado.
A Alemanha de Hitler explorou o nacionalismo croata usando os
bandos ustachis
para os colocar ao seu serviço. De 1939 a 1945, eles mataram centenas
de milhares de sérvios, judeus e ciganos. Os seus descendentes
ideológicos e políticos realizaram uma limpeza étnica
extremamente brutal na área da Krajina expulsando pela força mais
de 200 mil sérvios na chamada
Operação Tempestade
em 1995.
Hitler também usou o nacionalismo extremista da Ucrânia do OUN de
Stepan Bandera e após a morte de Bandera, a CIA continuou a
usá-los como uma quinta coluna contra a União Soviética.
A guerra de baixa intensidade dos EUA contra o Iraque, a Guerra do Golfo em
1991 a Guerra do Iraque em 2003, ajudaram a dividir o país em enclaves.
O Curdistão iraquiano alcançou autonomia no norte, rico em
petróleo com a ajuda de uma "zona de exclusão
aérea" dos EUA. Os Estados Unidos criaram assim um quase-Estado que
foi a sua ferramenta no Iraque. Sem dúvida, que os curdos no Iraque
foram oprimidos sob Saddam Hussein. Mas também, sem dúvida, que o
"Curdistão" iraquiano se tornou um Estado vassalo sob o
controlo dos Estados Unidos. E também não há dúvida
que as zonas de exclusão aérea eram ilegais, como
admitiu numa conversa com John Pilger
o secretário-geral da ONU, Boutros-Ghali.
Agora os EUA ainda estão a usar os curdos no norte do Iraque no seu
plano de dividir o Iraque em três partes. Para isso, estão a
construir o maior consulado do mundo em Erbil. O que eles planeiam fazer
é simplesmente "criar um país".
Como é sabido, os Estados Unidos também usam os curdos na
Síria como pretexto para manter 27% do país ocupado. Não
importa quanto as milícias curdas SDF e PYD invoquem democracia,
feminismo e comunalismo; acabaram a pedir aos Estados Unidos para manterem a
ocupação do nordeste da Síria.
Preparativos para uma nova guerra mundial
Israel e os EUA estão a preparar-se para a guerra contra o Irão.
Nesta luta, eles desenvolverão uma retórica
"progressista", necessária para enganar as pessoas. A
verdadeira insatisfação na área, que há todos os
motivos para ter, será ampliada na proporção
necessária. Os "movimentos sociais" serão equipados com
as últimas "fake news" israelenses e norte-americanas,
receberão treino e apoio logístico, além de muito dinheiro
vivo.
Pode haver boas razões para rever as fronteiras de 1919, mas na
situação de hoje, esse movimento desencadeará rapidamente
uma grande guerra. Alguns dizem que os curdos têm direito ao seu
próprio Estado, e talvez sim. A questão será finalmente
decidida por todos, exceto pelos próprios curdos. O problema é
que, na situação geopolítica de hoje, a
criação de um Curdistão unificado exigirá que
"alguém" derrote a Turquia, a Síria, o Iraque e o
Irão. É difícil ver como isso pode acontecer sem que os
seus aliados, principalmente a Rússia e a China, sejam atraídos
para o conflito.
E então temos uma nova guerra mundial nas mãos.
Nesse caso, não estamos a falar de 100 milhões de mortos, mas
talvez de dez vezes mais, ou o colapso da civilização como a
conhecemos. A questão curda não vale tanto.
Isso não significa que não se deva lutar contra a opressão
e a injustiça, seja social e nacional. Qualquer um certamente que o deve
fazer. Mas é preciso entender que rever o mapa do Médio Oriente
é um plano muito perigoso correndo-se o risco de acabar em muito
perigosa companhia. A alternativa é apoiar uma luta política que
mine a hegemonia dos EUA e Israel e, assim, crie melhores
condições para futuras lutas.
Não é novidade que as pequenas nações confiam em
situações geopolíticas para alcançar alguma forma
de independência nacional. Foi o caso, por exemplo, da Noruega, meu
país de origem. Foi a derrota da França na Guerra
Napoleónica que levou a Dinamarca a perder a província da Noruega
para a Suécia, em 1814, mas, ao mesmo tempo, criou espaço para
uma Constituição norueguesa separada e um governo com autonomia.
Toda honra aos fundadores noruegueses de 1814, mas isso foi decidido nos campos
de batalha na Europa.
Novamente, foi a derrota da Rússia na Guerra Russo-Japonesa que
lançou as bases geopolíticas para a dissolução da
união forçada com a Suécia quase cem anos depois, em 1905.
(Isto está apresentado esquematicamente e há muitos mais
detalhes, mas não há dúvida de que a perda de grande parte
da frota russa no Extremo Oriente criou um vácuo de poder no ocidente,
que foi explorado).
Portanto, a melhor coisa a fazer agora não é apoiar a
fragmentação dos Estados, mas apoiar uma frente unida para
expulsar os Estados Unidos do Médio Oriente. A marcha de milhões
de pessoas em Bagdade fez a bola rolar. Há todas as razões para
criar ainda mais força por trás disso. Somente quando os Estados
Unidos estiverem fora, os povos e países da região poderão
chegar a acordos pacíficos entre si, que permitirão o
desenvolvimento de um futuro melhor. E, neste contexto, é uma vantagem
que a China desenvolva a "Rota da Seda", não porque a China
seja mais nobre que outras grandes potências, mas porque esse projeto,
pelo menos na situação atual, não é
sectário, não é exclusivo e é genuinamente
multilateral. A alternativa a uma liderança monopolista dos EUA, com
uma polícia mundial controlada por Washington, é um mundo
multipolar. Ela cresce enquanto falamos. Os dias do Império estão
contados. Se isso será daqui a 20 ou 50 anos, ainda está para ser
visto.
[*]
Jornalista, norueguês, editor do site de notícias independente
steigan.no/tag/english/
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A versão em inglês encontra-se em
steigan.no/...
e em
www.informationclearinghouse.info/52930.htm
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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