Sinofobia, mentiras e guerra híbrida
Demorou um minuto para o presidente Trump introduzir um vírus na 75ª
Assembleia-Geral virtual da ONU,
explodindo
"a nação que desencadeou esta praga para o mundo".
E então tudo desmoronou.
Ainda que Trump estivesse no essencial a fazer um discurso de campanha e
não pudesse ignorar a ONU multilateral, pelo menos o quadro era
suficientemente claro para que toda a socialmente distante "comunidade
internacional" o visse.
Aqui
está a declaração integral do presidente Xi. E
aqui
está a declaração integral do presidente Putin. E aqui
está o tabuleiro de xadrez geopolítico, mais uma vez; é a
"nação indispensável" contra a parceria
estratégica Rússia-China.
Ao enfatizar a importância da ONU, Xi não podia ser mais
explícito quando afirmou que nenhuma nação tem o direito de
controlar o destino das outras: "Muito menos deveria ser permitido fazer
tudo o que quiser e ser
hegemónico, valentão ou patrão do mundo
".
A classe dominante dos Estados Unidos obviamente não aceitará
sossegadamente este acto de desafio. Todo o espectro de técnicas da
Guerra Híbrida continuará a ser implacavelmente turbinado contra
a China, juntamente com a sinofobia desenfreada, mesmo quando os muitos Dr.
Strangelove começam a entender que a única maneira de realmente
"deter" a China seria a Guerra Quente.
Infelizmente, o Pentágono está sobrecarregado
Síria, Irão, Venezuela, Mar do Sul da China. E todo analista sabe
das
capacidades de guerra cibernética
da China, dos seus sistemas integrados de defesa aérea e dos
mísseis Dongfeng matadores de porta-aviões.
Para perspectiva, é sempre muito instrutivo comparar
despesas militares
. No ano passado, a China gastou US$261 mil milhões, ao passo que os EUA
gastaram US$732 mil milhões (38% do total global).
Pelo menos por enquanto, a retórica prevalece. O ponto-chave, martelado
incessantemente, é acerca da China como ameaça existencial ao
"mundo livre", mesmo que a miríade de
declinações do que outrora foi o "pivô para a
Ásia" de Obama não tão subtilmente promovam a
fabricação de consentimento para uma guerra futura.
Este relatório do
Coletivo Qiao
identifica claramente o processo: "Nós o chamamos de Sinophobia,
Inc. um complexo industrial de informação onde o
financiamento do Estado ocidental, fabricantes de milhares de milhões de
dólares de armas e think tanks de direita unem-se e operam em sincronia
para inundar os media com mensagens de que a China é o inimigo
público número um. Armado com financiamento estatal e
patrocinadores da indústria de armas, este punhado de grupos de
reflexão influentes estão estabelecendo os termos da Nova Guerra
Fria na China. O mesmo ecossistema mediático que
lubrificou
as engrenagens da guerra perpétua
rumo à
desastrosa intervenção no Médio Oriente está agora
ocupado a fabricar consentimento para o conflito com a China".
Essa "vantagem militar estado-unidense"
A demonização da China, inculcada com racismo flagrante e
anticomunismo raivoso, é exibida numa paleta completa e multicolorida:
Hong Kong, Xinjiang ("campos de concentração"), Tibete
("trabalho forçado"), Formosa, "vírus da
China"; a "armadilha da dívida" da Estrada da Seda
(Belt and Road).
A guerra comercial ocorre em paralelo evidência flagrante de como
o "socialismo com características chinesas" está a
derrotar o capitalismo ocidental no seu próprio jogo de alta tecnologia.
Daí a sanção de mais de 150 empresas que fabricam chips
para Huawei e ZTE, ou a tentativa de arruinar os negócios da TikTok nos
EUA ("Mas você não pode roubá-lo e
transformá-lo em um bebé dos EUA", como tuitou o
editor-chefe do
Global Times,
Hu Xijin).
Ainda assim, a SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation), a
principal empresa de chips da China, que recentemente beneficiou-se de uma
oferta pública inicial de US$7,5 mil milhões em Xangai, mais cedo
ou mais tarde pode saltar à frente dos fabricantes de chips dos EUA.
Na frente militar, a "pressão máxima" na orla oriental
da China continua incessante desde o renascimento do Quad até uma
corrida para impulsionar a
estratégia Indo-Pacífico
.
A Think Tankland é essencial na coordenação de todo o
processo, através por exemplo do
Center for Strategic & International Studies
, com "doadores corporativos e associações comerciais"
apresentando os suspeitos usuais como a Raytheon, Lockheed Martin, Boeing,
General Dynamics e Northrop Grumman.
Portanto, temos aqui o que Ray McGovern descreve brilhantemente como o CMICIMATT
o Complexo
Militar-Industrial/Congressional/Inteligência/Media/Academia/Think-Tank
como os controladores da Sinofobia Inc.
Supondo que haveria uma vitória dos democratas em Novembro, nada
mudará. O chefe do Pentágono seguinte provavelmente será
Michele Flournoy, ex-subsecretária de Defesa para Política
(2009-2012) e co-fundadora do
Center for a New American Security
, a qual é importante tanto no "desafio à China" como
na "ameaça norte-coreana". Flournoy tem tudo a ver com o
aumento da "vantagem militar dos EUA" na Ásia.
Então, o que a China está a fazer?
O principal
princípio
da política externa da China é promover uma "comunidade de
futuro compartilhado para a espécie humana". Isso está
lavrado na constituição e implica que a Guerra Fria 2.0 é
uma imposição de actores estrangeiros.
As três principais prioridades da China após o Covid-19 são
finalmente erradicar a pobreza; solidificar o vasto mercado interno; e retornar
com plena força ao comércio / investimento por todo o Sul Global.
A "ameaça existencial" da China também é
simbolizada pela iniciativa de implementar um sistema de comércio e
investimento não ocidental, incluindo tudo, desde o Banco
Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Fundo da Estrada
da Seda para o comércio contornando o dólar americano.
Um relatório da
Harvard Kennedy School
pelo menos tentou entender como a "resiliência
autoritária" chinesa atrai internamente. O relatório
descobriu que o PCC na verdade se beneficiou de um maior apoio popular de 2003
a 2016, alcançando espantosos 93%, essencialmente devido a programas de
bem-estar social e à batalha contra a corrupção.
Em contraste, quando temos um MICCIMAT investindo na Guerra Perpétua
ou "Guerra Longa" (terminologia do Pentágono desde
2001) ao invés de saúde, educação e melhoria
de infraestrutura, o que resta é uma clássica cauda a abanar o
cão. A sinofobia é perfeita para atribuir a culpa da
péssima resposta à Covid-19, da extinção de
pequenas empresas e da iminente Nova Grande Depressão à
"ameaça existencial" chinesa.
Todo o processo nada tem a ver com
"derrota moral"
e queixas de que "corremos o risco de perder a competição e
por o mundo em perigo".
O mundo não está "em perigo" porque pelo menos vastas
áreas do Sul Global estão plenamente conscientes de que a
tão alardeada "ordem internacional baseada em regras"
não é senão um eufemismo bastante atraente para a Pax
Americana ou Excepcionalismo. O que foi concebido por Washington para o
pós-Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria e o "momento
unilateral" já não se aplica mais.
Adeus Mackinder
Como o presidente Putin deixou bem claro de modo reiterado, os EUA já
não são mais
"capazes de fazer acordos"
. Quanto à "ordem internacional baseada em regras", na melhor
das hipóteses é um eufemismo para capitalismo financeiro
controlado de forma privada à escala global.
A parceria estratégica Rússia-China tornou muito claro,
repetidamente, que contra a expansão da OTAN e do Quad, o seu projecto
depende do comércio, do desenvolvimento e da integração
diplomática em toda a Eurásia.
Ao contrário do caso desde o XVI século até as
últimas décadas século XX, agora a iniciativa já
não vem do Ocidente, mas sim do Leste da Ásia (o que é a
beleza da "iniciativa" incorporadas à sigla BRI).
Dá entrada a corredores continentais e eixos de desenvolvimento que
atravessam o Sudeste Asiático, a Ásia Central, o Oceano
Índico, o Sudoeste Asiático e a Rússia até a
Europa, juntamente com uma Rota da Seda Marítima através do Sul
ribeirinho da Ásia.
Pela primeira vez na sua história milenar, a China é capaz de
igualar a expansão política e económica
ultra-dinâmica tanto por terra como por mar. Isso vai muito além
da curta era das expedições marítimas de Zheng He durante
a dinastia Ming no início do século XV.
Não é de admirar que o Ocidente, e especialmente o Hegemon,
simplesmente não possam compreender a enormidade geopolítica de
tudo isso. E é por isso que temos tanta Sinofobia, tantas
técnicas de Guerra Híbrida aplicadas para extinguir a
"ameaça".
A Eurásia, no passado recente, era uma colónia ocidental ou um
domínio soviético. Agora, ela está na iminência de
finalmente se livrar de cenários
Mackinder
,
Mahan
e
Spykman
, pois as terras centrais e as terras ribeirinhas progressiva e inexoravelmente
integram-se, nos seus próprios termos, o tempo todo até meados do
XXI século.
23/Setembro/2020
[*]
Jornalista. Alguns dos seus livros encontram-se
aqui
.
O original encontra-se no
Asia Times
e em
thesaker.is/sinophobia-lies-and-hybrid-war/
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
.
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