Falta-nos a voz cáustica de Edward Said

Médio Oriente: Não há paz sem justiça

por Robert Fisk

. Assim, os palestinianos acabarão a sua ocupação de Israel. Não haverá mais tanques palestinianos a destruírem tudo dentro de Haifa e Tel Aviv. Não haverá mais F-18s palestinianos a bombardearem centros populacionais israelenses. Não haverá mais helicópteros Apache palestinianos a executarem "mortes dirigidas" -- i.e., assassínios -- de líderes militares israelenses.

Os palestinianos prometeram cessar todos os "actos de violência" contra israelenses ao passo que Israel prometeu cessar toda "actividades militar" contra palestinianos. Assim é, então. Paz no nosso tempo.

Um marciano -- mesmo um marciano bem educado -- teria entendido que esta era a mensagem, supondo que tenha caído esta semana no mundo de fantasia de Sharm el-Sheikh. Os palestinianos tem estado a cometer "violência", os israelenses a executarem operações "inocentes". A "violência" palestiniana, ou "terror e violência" -- esta última expressão é a mais popular pois carrega o estigma do 11 de Setembro -- estão agora no fim.

Mahmoud Abbas, que contou a amigo libanês este ano que usava um fato e uma gravata a fim de parecer "diferente" de Yasser Arafat -- foi em frente com tudo isto. Mas quais pessoas estavam a ocupar os lares de quais outras pessoas continuou um mistério. Com cabelos grisalhos e carregado de sabedoria, Abbas parecia à parte. Temos de esquecer que foi o mesmo Abbas que redigiu os Acordos de Oslo, os quais em 1000 páginas nunca utilizaram -- nem uma vez -- a palavra ocupação e que falava não de uma "retirada" ("withdrawal") israelense do território palestiniano e sim de uma "redisposição" ("redeployment").

Em momento algum em Sharm el-Sheik mencionou-se a ocupação. Tal como o sexo, a ocupação fora censurada desta narrativa histórica. Como de hábito -- tal como em Oslo -- as questões reais foram adiadas para uma data posterior. Refugiados, o "direito de retorno", Jerusalem Leste como capital palestiniana: Vamos tratar disso mais tarde.

Nunca antes foi tão necessária a voz cáustica do falecido Edward Said. Assentamentos -- colónias judias para judeus e apenas judeus, sobre terra árabe -- não foram naturalmente discutidos. Nem tão pouco Jerusalem Leste.

Muito menos o "direito de retorno" dos refugiados de 1948. Estes são os "sonhos irrealistas", tal como referidos pelos israelenses.

Tudo isto será discutido "mais tarde" -- tal como eram supostos ser discutidos nos fracassados acordos de Abbas feitos em Oslo. Enquanto puder adiar as causas reais da guerra, está OK. "Um fim para a violência" que custou 4000 mortos -- está tudo dito, menos a importante proporção de que dois terços destes foram vidas palestinianas. Paz, paz, paz. Era como terrorismo, terrorismo, terrorismo. Era a espécie de coisa que você podia encontrar numa prateleira de supermercado. Oxalá.

No fim do dia as questões eram estas. Será que os israelenses encerrarão os seus assentamentos maciços no West Bank, incluindo aqueles que cercam Jerusalem? Nenhuma menção quanto a isto. Será que finalizarão a expansão dos assentamentos judeus -- para judeus, e apenas judeus, por todo o Web Bank palestiniano? Nenhuma menção quanto a isto. Será que os palestinianos realmente finalizarão a sua intifada -- incluindo os assassínios bombistas suicidas -- em resultado destas promessas não existentes?

Tal como as eleições iraquianas, as quais foram também organizadas sob a ocupação estrangeira, as conversações israelenses-palestinianas foram históricas porque foram "históricas".

A secretária de Estado americana Condoleezza Rice "advertiu" os palestinianos de que deveriam "controlar a violência" mas não houve, como de hábito, qualquer pedido para "controlar" a violência do exército israelense.

Porque a condição sine qua non da equação era que os palestinianos fossem culpados. Que os palestinianos foram o partido "violento" -- daí a advertência de que os palestinianos devem acabar com a "violência" enquanto os israelenses apenas acabariam as "operações". Os palestinianos, parece, são genericamente violentos. Os israelenses genericamente cumpridores da lei, pois executam "operações". Mahmoud Abbas foi em frente com este absurdo.

Isto ficou demasiado claro nas reportagens. O que estava em oferta, disse a CNN, era "um fim para toda violência" -- como se a ocupação e a colonização ilegal não fosse uma forma de violência. A Associated Press falou covardemente acerca de "cidades que, por agora, continuam a estar sob o controle da segurança israelense" -- por outras palavras, sob a ocupação israelense, embora eles não dissessem isto aos leitores.

Dessa forma, Mahmoud Abbas está a tornar-se o Hamid Karzai da Palestina, a sua gravata ao equivalente da túnica verde de Karzai, o "nosso" novo homem na Palestina, o "tsunami" que lavou a contaminação de Arafat, cujo túmulo Rice tratou de evitar. Mas as armadilhas permanecem: Jerusalem Leste, assentamentos judeus e o "direito de retorno" dos palestinianos de 1948 aos lares que perderam.

Se formos bater palmas como os "fazedores da paz" de Sharm El-Sheikh, perceberemos melhor que a menos que resolvamos já estas grandes questões de injustiça, este novo acto de "feitura da paz" demonstrar-se-á tão sangrento quanto Oslo. Perguntem a Mahmoud Abbas. Ele foi o responsável por aquele primeiro acordo fatal.

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/fisk02122005.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

14/Fev/05