O neoliberalismo e a difusão do desenvolvimento
O nível da actividade económica sob o capitalismo está
sujeito a fluxos e refluxos prolongados. Quando a economia está numa
fase ascendente, este mesmo facto actua como um elixir que incentiva os
capitalistas, criando-lhes a expectativa de que os "bons tempos"
devem continuar. Isto os torna menos preocupados em assumir riscos, mais
"aventureiros" e portanto mais inclinados a tomar decisões
"arrojadas" quanto à sua preferência por activos. E
devido a isto eles também empreendem investimentos em activos
físicos como construção, equipamento e maquinaria o que
faz com que o boom continue e dessa forma justifique a sua euforia.
Acontece o oposto quando há uma fase descendente. Ela introduz uma
perspectiva sombria entre os capitalistas; eles se tornam mais agudamente
conscientes dos riscos, tornam-se timoratos quanto às suas
preferências por activos e restringem seus investimentos, preferindo ao
invés possuir moeda que é um activo menos arriscado (embora nada
ganhem com isso). Esse mesmo facto, por sua vez, prolonga a crise e, assim,
justifica seu medo de assumir riscos.
Esta característica perfeitamente óbvia do capitalismo,
nomeadamente a euforia auto-sustentável associadas aos booms e a
melancolia auto-sustentável associada às recessões, tem
influência sobre a questão da difusão do desenvolvimento
para o terceiro mundo. Estamos aqui a falar da difusão que se verifica
espontaneamente através da actuação do capitalismo sem
restrições da espécie tipificada pelo neoliberalismo,
não a difusão provocada através da acção
deliberada do Estado no terceiro mundo envolvendo proteccionismo e outras
medidas.
Para o capital, quer o da metrópole quer o do terceiro mundo, este
último constitui um sítio de risco maior. A metrópole
é a casa mãe do capitalismo e os capitalistas de todo tipo,
qualquer que seja a cor da sua pele, sentem-se mais seguros ali do que
até nos seus próprios países (razão pela qual
grande parte da transferência de fundos do terceiro mundo é
efectuada pelos seus próprios capitalistas). Entretanto, num boom, que
é um período de euforia, o risco de manter activos no terceiro
mundo é subestimado. A euforia de um boom estende-se ao domínio
da preferência de activos, onde não só o maior investimento
em geral é feito pelo capital (ao invés de manter seus
investimentos no activo estéril mas sem risco, a moeda), mas mesmo
activos do terceiro mundo são exigidos numa maior medida. A
preferência diferencial pelos activos metropolitanos em
relação aos do terceiro mundo fica reduzida, o que, além
de trazer maior investimento directo para o terceiro mundo, também
acarreta maior financiamento para a compra de activos no mesmo. O preço
relativo de activos do terceiro mundo em relação aos activos
metropolitanos aumenta; ou, dito de modo diferente, para qualquer dado
preço de activos metropolitanos, o preço de activos do terceiro
mundo eleva-se, o que aumenta a produção de tais activos (isto
é, aumenta o investimento) e portanto aumenta a taxa de crescimento no
terceiro mundo.
Acontece exactamente o oposto numa recessão económica mundial.
Quando os capitalistas se tornam mais avessos ao risco, não só
fazem secar os fluxos de investimento directo para o terceiro mundo (o que pode
ser ainda mais agravado pelo proteccionismo na metrópole, do
género que Trump está a introduzir), como o capital financeiro
também cessa de vir para o terceiro mundo. Na verdade, desenvolve-se uma
tendência para que as finanças, originárias da
metrópole ou mesmo do terceiro mundo, se movam em direcção
à metrópole. O preço relativo dos activos do terceiro
mundo, em comparação com os da metrópole, diminui ainda
mais o investimento local, provocando uma queda na taxa de crescimento do
terceiro mundo.
O que foi dito acima tem duas implicações. A primeira, a qual
é certamente indubitável, é que booms no capitalismo
mundial nas condições do neoliberalismo estão associados a
taxas de crescimento mais altas no terceiro mundo, ao passo que
recessões no capitalismo mundial têm o efeito oposto. A segunda
implicação é que quanto mais forte forem as
flutuações nas taxas de crescimento das metrópoles, uma
vez que o impacto da aversão ao risco sobre o investimento cai ainda
mais fortemente sobre o terceiro mundo do que sobre as metrópoles, com
preços de activos no terceiro mundo também a flutuarem em
relação aos metropolitanos. Em suma, a euforia ou tristeza no
capitalismo mundial tem um impacto ainda maior sobre o terceiro mundo do que
sobre a metrópole nas condições do neoliberalismo.
O que isto significa é que os muito "sabichões" que
durante os anos de boom do neoliberalismo louvavam o crescimento mais alto no
terceiro mundo em comparação com os do seu próprio passado
e utilizando tal crescimento como prova dos efeitos benéficos do
neoliberalismo (esquecendo convenientemente que mesmo naquele tempo um processo
de acumulação primitiva de capital estava a ser desencadeado
contra camponeses e pequenos produtores, o qual inchou as reservas de trabalho
em detrimento de todos os trabalhadores incluindo mesmo os trabalhadores
sindicalizados do sector organizado) terão agora de engolir suas
palavras. Na medida em que a recessão capitalista mundial continua e
mesmo se agrava, na medida em que a finança começa a fluir de
volta para as metrópoles como já está a acontecer
(resultando numa depreciação de várias divisas do terceiro
mundo, incluindo sobretudo a rupia em relação ao US
dólar), a taxa de investimento e de crescimento no terceiro mundo
definhará numa extensão ainda maior do que nas metrópoles.
Uma vez que não há fim à vista para a recessão
capitalista e uma vez que o proteccionismo que está a ser praticado por
Trump só piorará a crise mundial ao intensificar a
angústia quanto ao futuro (mesmo que os EUA ganhem temporariamente com
essa política do ";roubo o meu vizinho";, só até
os outros retaliarem), com o sofrimento particularmente agudo do terceiro mundo
que a recessão provoca, ela será também um fenómeno
prolongado. O terceiro mundo em resumo está a afundar num período
de estagnação prolongada. Isto provocará
aflição aguda ao povo trabalhador, uma vez que a
acumulação primitiva de capital à custa dos camponeses e
pequenos produtores que acompanhou o boom capitalista continuará
inabalável, ao passo que a estagnação só
reduzirá ainda mais a geração de emprego dentro do sector
capitalista.
O alarde quanto à difusão do desenvolvimento ao terceiro mundo
desaparecerá em breve. Não será a primeira vez que uma tal
reversão acontece. No fim do século XIX e princípio do XX,
durante os booms no final do período Vitoriano e no Eduardiano,
também houve um alvoroço acerca da difusão do
desenvolvimento ao terceiro mundo. Mas muitos dos países do terceiro
mundo que então cresciam rapidamente contam-se hoje entre os "menos
desenvolvidos" do mundo, Myanmar é um exemplo clássico. A
difusão do desenvolvimento ao terceiro mundo durante o boom capitalista
do período neoliberal recente certamente foi mais pronunciada do que no
anterior e a fortuna de Myanmar estava ligada aos seus recursos
petrolíferos cuja exaustão determinou a sua ruína. Mas o
ponto a destacar é que o fenómeno de os campeões de ontem
serem os atrasados de hoje não é de modo algum incomum.
A Grande Depressão dos anos 1930 seguiu-se ao colapso do longo boom
Vitoriano e Eduardiano. E durante a Depressão só floresceram
aqueles países do terceiro mundo que conseguiram desligar-se da teia do
mundo capitalista sem restrições através da
imposição de controles sobre fluxos de comércio e de
capital. Notáveis entre eles foram os países latino-americanos
que embarcaram numa "estratégia nacionalista" de
industrialização por substituição de
importações depois de derrubarem as oligarquias locais que
estavam mancomunadas com o imperialismo. Economias colonizadas como a
Índia, em contraste, apesar de verem alguma
industrialização, uma vez que até mesmo o regime colonial
teve de introduzir uma quantidade escassa daquilo que foi chamado de
"protecção discriminatória" a fim de apaziguar a
burguesia local, não viu o suficiente da mesma.
Uma coisa no entanto é indubitável. Ultimamente criou-se a
impressão de que o terceiro mundo pode ultrapassar sua miséria
económica mesmo permanecendo dentro da órbita do capitalismo
mundial, que o neoliberalismo estava a dar origem a uma difusão do
desenvolvimento ao terceiro mundo a partir da metrópole, a qual seria
tão pronunciada que a argumentação anterior de que
só o socialismo pode criar condições para superar as
dificuldades económicas do terceiro mundo, tornou-se ultrapassada; e
mesmo que alguma pobreza residual permanecesse no terceiro mundo, apesar do
rápido crescimento, era apenas uma questão de tempo até
que isso também desaparecesse através de um
"gotejamento"
(trickle down)
do crescimento. O capitalismo, em suma, seria a
panaceia para a pobreza em massa no terceiro mundo e não o seu
progenitor, como os marxistas argumentavam. A crise que agora
está a envolver as economias do terceiro mundo liquida tal
afirmação.
18/Novembro/2018
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/1118_pd/neo-liberalism-and-diffusion-development
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Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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