A economia mundial em declínio
O Banco Central Europeu rebaixou no mês passado a sua taxa de juro de
referência para menos 0,5 por cento, a qual significa que se ele conceder
um empréstimo de 100 euros seria então preciso reembolsar apenas
99,5 euros no término do empréstimo. Isto arrancou uma nova
tendência: em países como a Alemanha, Espanha,
Itália,
República Checa e mesmo a Grécia, os rendimentos
(yields)
de títulos governamentais foram empurrados para a região
negativa. Por outras palavras, prestamistas a estes governos estão
desejosos de pagar a fim de possuírem títulos governamentais.
Tipicamente, títulos a prazo mais longo têm rendimentos mais altos
do que aqueles a prazos mais curtos, mas agora na Alemanha mesmo o
título do governo a 30 anos está a oferecer rendimentos negativos.
Uma vez que a ideia por trás da política do Banco Central Europeu
é ter um regime de baixa taxa de juro, o qual, espera-se, provocaria um
maior montante de investimento em empreendimentos, de modo a que o nível
da procura agregada e consequentemente do produto e do emprego aumentassem, as
taxas de juro oferecidas a depositantes também terão de ser
rebaixadas.
Isto implicaria, no conjunto, uma distribuição regressiva do
rendimento, uma vez que considerando a sociedade como um todo
seja qual for a concessão de crédito líquido que se
verifique entre as classes é das classes trabalhadora e média
(incluindo os que contribuem para os fundos de pensão) que
provém os recursos rumo ao sector corporativo; e isto independentemente
de qualquer investimento produtivo se verificar ou não. Uma
redução nas taxas de juros implica portanto uma mudança
líquida na distribuição do rendimento das classes
trabalhadora e média (os credores) em favor do sector corporativo (os
devedores).
O rebaixamento das taxas de juros chegou agora a um ponto em que mesmo as taxas
nominais entraram na região negativa, um fenómeno que é
totalmente sem precedentes na história do capitalismo. É
óbvio que numa economia que utiliza
cash
existem limites para a medida em que as taxas de juros podem ser pressionadas
para baixo (a menos que os próprios haveres em
cash
comecem a ser tributados). Isso acontece porque, se as pessoas puderem reter
cash
que tem uma taxa de juro zero, então elas nunca efectuarão
depósitos em bancos ou em quaisquer outros intermediários
financeiros a taxas inferiores a zero. E se for necessário oferecer aos
depositantes uma taxa não negativa, então a medida em que as
taxas para os prestamistas podem ser reduzidas pelos bancos também
será limitada. Mas é um sinal de desespero nas economias
capitalistas avançadas que as taxas de juros estejam a ser rebaixadas
até a regiões negativas, numa tentativa de reviver a actividade
económica.
A necessidade de tais taxas de juro negativas não surgiria se os
governos pudessem adoptar medidas orçamentais a fim de estimular a
actividade. Mas como o capital financeiro internacional opõe-se a
défices orçamentais (os países da UE têm um limite
para o défice orçamental de 3 por cento do PIB) e, naturalmente,
não aprova a tributação de capitalistas (tributar
trabalhadores e gastar as receitas não ajudaria a expandir a procura
agregada), as medidas orçamentais são descartadas. Portanto, a
política monetária continua a ser o único instrumento para
estimular a procura agregada.
Esta impotência e desespero também são evidentes na
Índia, onde até agora houve cinco rodadas de cortes nas taxas de
juro pelo Banco Central da Índia, mas com nenhum efeito. E quando o
governo finalmente decidiu adoptar algumas medidas orçamentais, tudo o
que fez foi oferecer concessões fiscais a corporações, que
realmente seriam contraproducentes. Na medida em que tais concessões
são financiadas por um aumento correspondente de impostos sobre os
trabalhadores (ou uma redução de transferências para eles),
elas contrairiam a procura agregada ao invés de expandi-la.
Ironicamente, mesmo na Europa e alhures, a total obtusidade
(bluntness)
do instrumento da política monetária está a ser amplamente
demonstrada. Até
The Financial Times
(14 de Outubro) agora fala sobre a economia global como tendo entrado num
período de estagnação sincronizada, com
crescimento fraco em alguns países e sem crescimento ou uma moderada
contracção em outros.
Esta obtusidade do instrumento da política monetária decorre do
facto de que o investimento corporativo é essencialmente
insensível à taxa de juro: o investimento líquido
ocorre
em resposta à expectativa de
crescimento
do mercado e se se prevê que o mercado permaneça estagnado
então nenhuma magnitude de redução da taxa de juro, e
portanto do custo financeiro para o sector corporativo, provocará um
bocadinho de investimento líquido.
Naturalmente, autoridades monetárias podem acreditar que taxas de juro
mais baixas ajudariam de um modo diferente, através da
geração de bolhas de preços de activos. Uma bolha desse
tipo, na medida em que faz com que os possuidores do activo em causa se sintam
mais
ricos (até a bolha entrar em colapso), pode induzir maiores despesas com
consumo conspícuo e, dessa forma, estimular a procura agregada.
Mas isto é uma proposta arriscada. Se houver de todo algum aumento do
consumo conspícuo através do efeito riqueza, ele leva tempo.
Além disso, depois de 2008, o caminho da bolha dos preços de
activos para estimular o nível de actividade na economia real, o qual de
qualquer maneira é um caminho censurável quando comparado com
outras formas de estimular a actividade tais como maiores gastos do
governo em esquemas de assistência social também perdeu sua
eficácia como estimulante.
Neste contexto, não é de surpreender que os chamados
"indicadores económicos principais" tenham agora deslizado
para os seus níveis mais baixos desde a Primavera de 2006. Considerando
o facto de que, nesse ínterim, ou seja, entre aqueles anos e este
momento, a economia mundial tem continuado a experimentar crescimento lento, os
actuais temores de estagnação e recessão são
sintomas de uma prolongada crise do sistema. De facto, o novo director
administrativo do FMI admitiu num discurso na semana passada que "em 2019
esperamos um crescimento mais lento em aproximadamente 90% do mundo". O
que é particularmente gritante é que mesmo um país como a
Alemanha, que até agora parecia ter escapado à crise, neste
momento também está a enfrentar as perspectivas de uma
recessão.
Comentadores burgueses acrescentam factores específicos como o conflito
comercial entre os EUA e a China para explicar a desaceleração
actual. Isto, segundo eles, estropiou os "espíritos animais"
dos capitalistas, afectando adversamente seu desejo de investir em activos
produtivos e portanto precipitando a desaceleração. Reportagem de
The Economic Times,
por exemplo, fala da situação actual como sendo caracterizada
pela "queda da confiança económica".
Mas explicações que encaram a crise essencialmente como
episódica, ao invés de estrutural e portanto prolongada, falham
em dois pontos vitais: primeiro, desde 2008, a taxa de crescimento da
economia
mundial reduziu-se bastante substancialmente. De facto, o que tem estado a
acontecer na maior economia do mundo, os EUA, foi apropriadamente descrito pela
analogia de uma bola a saltitar junto ao chão. Em segundo lugar, as
tensões comerciais entre os EUA e a China são elas
próprias um reflexo dessa prolongada crise do capitalismo mundial. O
proteccionismo agressivo de Donald Trump é um meio de ampliar o
nível de actividade nos EUA, através de uma redução
real nas importações para os EUA e também através
da pressão sobre outros países a fim de proporcionarem maior
acesso
ao mercado para mercadorias dos EUA.
A raiz da crise actual não está no espalhafato
(obstreperousness)
de um Donald Trump que precipitou a guerra comercial com a China e, assim,
levou à "queda da confiança económica". Ela
está na natureza do próprio capitalismo neoliberal que
desencadeou poderosas tendências para desigualar o rendimento. Estas
tendências têm um efeito contraccionista no nível de procura
agregada, tanto na economia mundial como dentro de países
específicos. Este efeito contraccionista foi mantido sob controle no
período anterior a 2008, devido a uma série de poderosas bolhas
de preço de activos nos EUA. Com o colapso, contudo, revelou-se a
tendência básica rumo a uma crise de superprodução
no capitalismo neoliberal.
Uma vez que esta crise afecta em primeiro lugar os produtores de alto custo, as
suas primeiras vítimas foram países como os EUA e da Eurozona,
seguindo-se países do Leste e do Sul da Ásia, nos quais a
terciarização de actividades ocorreu a partir do mundo
capitalista avançado devido aos baixos salários dos
últimos, que inicialmente pareciam suportá-los. Mas a
própria continuidade da crise e a política de
"mendiga-teu-vizinho" de Trump finalmente também atingiu estes
países asiáticos, razão pela qual estamos agora no
processo de nos movimentarmos em direcção a uma recessão
verdadeiramente mundial. Isso iniciaria uma era inteiramente nova de intensas
lutas de classe e poderosas transformações sociais.
20/Outubro/2019
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2019/1020_pd/world-economy-decline
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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