A ladainha:
"Feliz Natal e Próspero Ano Novo"
E com esta frase, que se pretende mágica, vamos despachando, a torto e a
direito, amigos e conhecidos ou mesmo aquele em quem tropeçámos e
para reforçar as devidas desculpas, desejamos-lhe "um feliz natal e
um próspero ano novo".
Nascemos a ouvir esta ladainha e como se estivéssemos programados a
expressão sai-nos assim, fria, sem conteúdo como qualquer slogan
publicitário que, por obsessivo, bloqueia a sua percepção.
Das prateleiras retiram-se os bolorentos cartões de
"boas-festas" com as já fastidiosas árvores de natal
alindadas, despidas ou iluminadas e ainda o bonacheirão pai natal de
trenó, com ou sem renas e, mais recentemente, a caixa do correio
electrónico fica entulhada de megabytes de bonequinhos saltitantes ou
música celestial com o mesmo refrão em todas as línguas:
"feliz natal e próspero ano novo".
A comunicação social reedita os clichés poeirentos dos
anos anteriores, "o amor às criancinhas e aos velhinhos, os
doentinhos retidos no leito e os detidos nos calabouços, os imigrantes e
emigrantes longe dos entes queridos, os sem abrigo e os mal
abrigados
" enfim, um nunca acabar de piedosas referências que
nos pretendem enternecer.
E, no entanto, todos sabem que para milhões de portugueses esses votos
caem em urna sem fundo. O Natal sonhado passa distante da felicidade que nos
desejam e quanto ao próximo ano a prosperidade não terá
lugar, principalmente para a maioria dos que trabalham, dos que se encontram em
risco de serem despedidos e muito menos para os desempregados.
Este modo supérfluo de comportamento reflecte o desapego que, cada vez
mais, se radica na relação para com os que nos rodeiam.
É indispensável mudar de discurso, deixar cair o
bla-blá-blá das boas intenções, encarar a realidade
de frente. Garantir a todos a quem nos dirigimos que podem contar connosco para
encontrar um caminho justo às dificuldades que nos soçobram.
Afirmar-lhes que não baixaremos os braços na luta contra a
injustiça provocada pelas classes que se apropriaram da nossa
força de trabalho e com essa mais-valia nos oprimem.
Garantir-lhes que tudo faremos para travar o passo aos partidos da direita e
aos mascarados de esquerda que nos têm roubado, consoada após
consoada, e que, de ano para ano, nos arrastam para o fosso social que é
urgente recusar.
Comprometermo-nos que seremos solidários não com palavras que o
vento leva, mas com acções que ficam gravadas no tempo, abrindo
caminho para um futuro de dignidade, rompendo esta sociedade desumana onde
milhões de concidadãos vegetam com rendimentos de fome para que
crápulas se conspurquem com milhões.
Não podemos esperar sentados por um Natal ou um Novo Ano à nossa
dimensão, se humanos nos quisermos afirmar.
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Cronista,
fcidsimoes@sapo.pt
. Lido na
Rádio Baía
.
Esta crónica encontra-se em
http://resistir.info/
.
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