O desemprego real em Portugal é muito mais alto do que dizem os números oficiais

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O desemprego real em Portugal é muito superior ao desemprego oficial. De acordo com dados publicados pelo INE, no 3º trimestre de 2005, o número oficial de desempregados alcançava os 429,9 mil (a taxa oficial era de 7,7%) , o que é já um valor muito elevado. No entanto, na mesma altura, o desemprego corrigido, que está muito mais próximo do real, pois inclui os “Inactivos desencorajados” e o “Subemprego visível” atingia 549,9 mil, o que correspondia a uma taxa de desemprego de 9,9%.

O desemprego aumenta de uma forma desigual nas diferentes regiões do País, consequência das graves assimetrias existentes. Entre 2001 e 2005, a taxa de desemprego aumentou a nível nacional em 83,3%, o que é já um valor muito elevado, mas na região Norte, por ex., a subida atingiu 137,8%, o que revela que a crise está a ter consequências diferentes nas diferentes regiões do País.

Entre 2001 e 2005, o desemprego oficial aumentou 101,9%, portanto mais que duplicou. No entanto, o desemprego de longa duração (12 a 24 meses) cresceu 153% , e o de longuíssima duração subiu 186%. Estes últimos valores indiciam uma crescente exclusão social de milhares de trabalhadores desempregados.

Em 2005, segundo o INE, menos de 29 desempregados em cada 100 recebiam subsidio de desemprego. No entanto, o governo apresentou uma proposta, que está neste momento em discussão no CPCS, que visa reduzir ainda mais o número de desempregados com direito ao subsidio de desemprego. Traduzindo essa intenção em actos, o Orçamento para 2006 apresentado pelo governo, prevê um aumento de apenas 4,9% na verba destinada ao pagamento de subsidios de desemprego no próximo ano, quando em 2005 a subida foi de 8,9%.

O desemprego tem elevados custos para o País, para os trabalhadores, para a segurança social e para o Estado.

Com base em dados oficiais, calculamos que, em 2005 por exemplo, Portugal perdeu o corresponde a 10,7% da sua riqueza (PIB) devido ao desemprego; os trabalhadores não receberam salários no valor 6.219 milhões de euros; a Segurança Social perdeu 2.161 milhões de receitas de contribuições das empresas e dos trabalhadores, e teve de pagar 1.798 milhões de euros de subsídios de desemprego; e o Estado perdeu de receita de IVA 3.110 milhões de euros. E isto sem entrar em consideração com a receita de IRS resultante dos rendimentos dos salário e IRC consequente do acréscimo de produção das empresas.

É evidente, que o problema do desemprego em Portugal é muito mais grave do que o problema do défice orçamental, mesmo em termos económicos e financeiros. Só a resolução do problema do desemprego é que poderá garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social e do Estado. Persistir na obsessão do défice, como revela o Orçamento para 2006 apresentado pelo governo, só poderá conduzir o País a uma crise ainda mais grave e profunda, e à recessão económica, e a mais desemprego.

O Instituto Nacional de Estatística acabou de publicar os dados do desemprego referentes ao 3º Trimestre de 2005. Esses dados mostram que o desemprego real no nosso País é bastante superior ao número oficial de desempregados, que os órgãos de comunicação social divulgam. Esses dados também revelam que, contrariamente àquilo que o governo pretende fazer crer, o desemprego continua a aumentar de uma forma rápida em Portugal, sendo, sem qualquer dúvida, o problema social e mesmo económico mais grave do País.

NEM TODOS OS DESEMPREGADOS SÃO INCLUÍDOS NOS NÚMEROS OFICIAIS DE DESEMPREGO

O número oficial de desempregados em Portugal é já elevadíssimo – 429.900 no 3º Trimestre de 2005 segundo o INE – mas mesmo esse número não inclui a totalidade dos desempregados existentes no nosso País. E isto porque existe uma parcela importante de desempregados que não são considerados no número oficial de desempregados, como se conclui dos próprios dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística que constam do quadro seguinte.

Tabela 1.

Para se poder compreender o significado dos dados do quadro anterior, e a razão porque eles provam que o desemprego real é muito superior ao desemprego oficial que é divulgado pelos media, é necessário clarificar os conceitos utilizados pelo Instituto Nacional de Estatística.

De acordo com o INE, os "Inactivos Disponíveis", que constam do quadro anterior, são pessoas desempregadas, que desejam trabalhar e que estão disponíveis para isso, mas que pelo facto de não terem feito diligências para arranjar emprego nas últimas 4 semanas anteriores ao inquérito do INE, não são consideradas nem no número de desempregados nem no cálculo da taxa oficial de desemprego, embora estejam desempregados. E o seu número atingia no 3º Trimestre de 2005, segundo o INE, 58.100 como consta do quadro anterior.

Para além da situação anterior, existe também o "Subemprego visível", constante também do quadro, que também não é considerado nem no número nem na taxa oficial de desemprego. O "Subemprego visível" inclui todos aqueles que trabalham menos de 15 horas por semana, apenas pelo facto de não encontrarem um emprego com horário completo, apesar de terem declarado que desejam trabalhar mais horas. No fundo estão numa situação de desemprego de facto, e o seu número atingia, no 3º Trimestre de 2005, 61.400.

Se somarmos ao número oficial de desempregados, os "Inactivos Disponíveis " e o "Subemprego visível" obtemos aquilo a que chamamos desemprego corrigido, que é um número que está muito mais próximo do desemprego real do que o desemprego oficial divulgado pelos órgãos de comunicação social.

Fazendo os cálculos necessários obtém-se os resultados constantes do quadro anterior, que mostram o seguinte.

Entre o 4º Trimestre de 2004 e o 3º Trimestre de 2005, período de tempo dominado pelo governo de Sócrates, o desemprego oficial aumentou de 389,7 mil para 429,9 mil, e a taxa oficial de desemprego passou, no mesmo período, de 7,1% para 7,7%. Isto significa que no fim do 3º Trimestre de 2005 a taxa de desemprego oficial – 7,7% - atingiu o valor que, de acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2006, o governo tinha previsto só ser alcançada no próximo ano.

No entanto, o desemprego corrigido, que inclui os "Inactivos Disponíveis" e o "Subemprego visível", passou, entre o 4º Trimestre de 2004 e o 3º Trimestre de 2005, de 525,3 mil para 549,4 mil, e a taxa desemprego corrigida subiu de 9,5% para 9,9%, aproximando-se dos dois dígitos; portanto, valores todos eles superiores aos oficiais, ou seja, aqueles que são divulgados pelos media.

E este crescimento do desemprego tem tendência para se agravar muito mais no futuro. E isto porque o crescimento económico depende, entre outras coisas, do investimento. E se analisarmos a previsão do investimento público para o próximo ano, que se encontra espelhada no PIDDAC (Plano de Investimento da Administração Central) para 2006, concluímos que vai-se verificar uma quebra muito significativa no investimento público. Em 2005, o Estado investiu 6.724 milhões de euros e, em 2006, prevê investir apenas 4.853,5 milhões de euros, ou seja, menos 27%. Por outras palavras, o governo dá ao País precisamente o sinal contrário daquele que devia dar, contribuindo para agravar o desemprego e muitos outros problemas.

O DESEMPREGO CRESCE DE UMA FORMA DESIGUAL NAS DIFERENTES REGIÕES DO PAÍS

Tal como sucede com o crescimento económico desigual das diferentes regiões do País, também a nível de desemprego as taxas variam muito de região para região, e os aumentos das taxas de desemprego também são muito diferentes de região para região, revelando a existência de estruturas produtivas diferentes e, nomeadamente, de algumas regiões estarem a ser mais atingidas pelas consequências da grave crise económica que enfrenta o País.

O quadro seguinte, com os dados do desemprego oficial divulgados pelo INE , revelam disparidades muito grandes e aumentos muito desiguais das taxas de desemprego das diferentes regiões.

Tabela 2.

De acordo com os dados publicados pelo INE constantes do quadro anterior, em 2005, as taxas oficiais de desemprego das regiões Norte, Lisboa e Alentejo são superiores à média nacional, enquanto as restantes regiões apresentam taxas inferiores à média nacional.

Se analisarmos a evolução verificada num período mais longo -- 4º Trimestre de 2001 e o 3º Trimestre de 2005 -- o crescimento é muito desigual, sendo o mais elevado na região Norte e seguindo-se, por ordem decrescente, a região Centro e depois a regiões da Madeira e Açores. É extremamente preocupante o aumento da taxa de desemprego oficial na região Norte que atinge 137,8%, o que mostra que é fundamentalmente esta região que está a sofrer as consequências mais graves de uma liberalização imposta por uma globalização neo-liberal e da concorrência asiática, até pelas características do seu tecido produtivo muito baseado em mão de obra barata e pouco qualificada, o que mostra também que este modelo de crescimento está esgotado, e não é procurando impor baixos salários, intenção essa do governo que consta do próprio Relatório do Orçamento para 2006 (pág. 2), que se poderá ultrapassar a crise actual.

O PERIGO DA EXCLUSÃO SOCIAL ATINGE JÁ MAIS DE 200 MIL DESEMPREGADOS

Um dos problemas mais graves da situação actual é o perigo que um número crescente de trabalhadores desempregados acabem por ser socialmente excluídos. E isto por várias razões.

Em primeiro lugar, porque são trabalhadores na sua maioria com baixa escolaridade e com uma qualificação profissional de banda estreita (sabem fazer muito bem o que sempre fizeram durante toda a sua vida profissional, mas fora disso têm grande dificuldade em se adaptarem a uma nova profissão), o que determina que se perdem o emprego têm muito dificuldade em arranjarem novo emprego. Em segundo lugar, porque são trabalhadores com idade elevada, o que dificulta a sua reinserção no mercado de trabalho. Em terceiro lugar, porque devido à sua baixa escolaridade, têm grandes dificuldades em adquirir novos saberes e novas competências através de formação profissional. Finalmente, quanto mais tempo estiverem no desemprego, tanto maiores serão as suas dificuldades de reinserção profissional.

Os dados constantes do quadro seguinte, publicados pelo INE, que se referem apenas ao desemprego oficial, revelam uma realidade cada vez mais preocupante.

Tabela 3.

Como mostram os dados do quadro, o desemprego de longa duração (12 a 24 meses) e o desemprego de longuíssima duração (mais de 25 meses) são aqueles que têm aumentado mais no nosso País. Assim, entre o 4º Trimestre de 2001 e o 3º Trimestre de 2005, o desemprego oficial total aumentou 101,9%, portanto praticamente duplicou, que é um valor muito elevado: No entanto, durante o mesmo período de tempo, o desemprego de longa duração cresceu 153,6% e o de longuíssima duração subiu 186,3%.

Este crescimento muito mais elevado do desemprego de longa e longuíssima duração indiciam que uma parte importante dos desempregados está a encontrar dificuldades crescentes de reinserção no mercado de trabalho, correndo riscos crescentes de exclusão social.

MENOS DE 29 EM CADA 100 DESEMPREGADOS RECEBEM SUBSÍDIO DE DESEMPREGO

O número de desempregados a receber o subsídio de desemprego é extremamente baixo em Portugal como mostram os dados do quadro seguinte.

Tabela 4.

Como mostram os dados do quadro, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, o número de desempregados a receber subsidio de desemprego em Portugal representava, no 3º trimestre de 2005, apenas 28,6% do total de desempregados existentes na mesma altura.

E apesar do seu número ser bastante baixo, o governo de Sócrates pretende reduzi-lo ainda mais. Para isso, o Ministério do Trabalho apresentou em 28/10/2005 aos parceiros sociais um documento a que chamou "Medidas de revisão da protecção social na eventualidade de desemprego", que está neste momento em debate no Conselho Permanente da Concertação Social" , que visa reduzir ainda mais o número de trabalhadores desempregados a receber o subsidio de desemprego. Com esse objectivo, reduz para 6 meses o tempo máximo que um trabalhador com menos de 30 anos de idade pode receber subsidio de desemprego (actualmente o tempo de duração do subsidio é de um ano); obriga o desempregado, sob pena de perder o subsidio, a aceitar o chamado emprego conveniente que pode significar ter de aceitar uma remuneração para a categoria que vai ocupar que pode ser inferior à constante do CCT do sector a que pertence a empresa; que o obriga a aceitar um emprego em que gastará em transportes até 20% da sua remuneração liquida mensal que vai auferir, etc, etc.

O objectivo claro é reduzir o já baixo numero de desempregados a receber subsidio de desemprego e, consequentemente, as despesas com o pagamento de subsídios de desemprego. A confirmar está o facto que o Orçamento para 2006 apresentado pelo governo ter uma verba orçamentada com esse fim que representa um aumento de apenas 4,9% relativamente à de 2005 (mais 88,1 milhões de euros) quando o crescimento em 2005 foi de 8,2% (mais 135,1 milhões de euros). E isto apesar de se estar a verificar um aumento rápido do desemprego como os números apresentados neste estudo revelam.

OS CUSTOS DO DESEMPREGO PARA O PAÍS, PARA OS TRABALHADORES E PARA A SEGURANÇA SOCIAL

O desemprego tem elevados custos quer para o Pais (riqueza perdida) quer para os trabalhadores (salários não recebidos), quer para a Segurança Social (contribuições não recebidas e subsídios pagos) quer para o próprio Estado (impostos não recebidos).

No quadro seguinte estão quantificadas algumas das consequências económicas do desemprego.

Tabela 5.

Em dois anos apenas – 2005 e 2006 – Portugal perderá, devido ao desemprego, 31.608 milhões de euros de riqueza não produzida, ou seja, se os 550 mil trabalhadores que se encontram no desemprego estivessem a trabalhar produziriam nestes dois anos 31.608 milhões de riqueza, que corresponde a cerca de 10,7% do PIB destes dois anos.

Se estivessem empregados, os desempregados teriam recebido 12.643 milhões de euros de salários, o que lhes permitiria ter uma vida mais digna do que na situação de desempregados, o que contribuiria também para dinamizar a actividade económica, devido ao aumento do mercado interno que a utilização desses salários determinaria .

Por outro lado, se os desempregados estivessem a trabalhar, a Segurança Social receberia nestes dois anos mais 4.394 milhões de euros de contribuições, e não pagaria 3.685 milhões de euros de subsídios de desemprego o que contribuiria para resolver os problemas financeiros da Segurança Social e garantir a sustentabilidade financeira futura.

Finalmente, se os desempregados estivessem a trabalhar, produzindo riqueza, o Estado teria recebido só de IVA, nos dois anos considerados, mais 6.482 milhões de euros, o que permitiria reduzir de uma forma sustentada o défice orçamental.

O problema do desemprego é muito mais grave do que o problema do défice orçamental. O governo, ao não compreender esta verdade económica elementar, e em teimar na obsessão do défice como prova o Orçamento que apresentou para 2006, está a conduzir o País para uma crise muito mais grave e profunda, e para recessão económica.

19/Novembro/2005

Economista, edr@mail.telepac.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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