Euro, cinco anos depois:
"Confirmam-se as consequências da perda de soberania
monetária"
por Jerónimo de Sousa
Cinco anos passados após a introdução do Euro é
já tempo suficiente para se verificar e confirmar quanto objectivas eram
as análises, não apenas do PCP, mas de muito analistas e
economistas de diversos quadrantes, sobre as negativas consequências
económicas e sociais da marcha e da entrada forçada da
frágil economia portuguesa para a Moeda Única, mas também
para a grande maioria dos trabalhadores e dos povos da União Europeia.
Antes de qualquer outra consideração, bastaria constatar que
Portugal está desde 2001 confrontado com o mais longo período de
estagnação das últimas décadas, com uma das mais
altas taxas de desemprego dos últimos anos e num preocupante processo de
aprofundamento e agravamento das desigualdades sociais.
Cinco anos depois aqui estamos também a verificar quanto falsas eram as
premissas e ilusória a propaganda das dispendiosas campanhas não
só da Comissão Europeia, mas do todo-poderoso bloco central
pró-Maastricht que dizia garantir com a União Económica e
Monetária uma Europa de pleno emprego, de progresso social e de trabalho
em comum pela paz e pelo desenvolvimento harmonioso do espaço europeu.
Cinco anos depois o que a realidade mostra é exactamente o
contrário. A persistência da União Europeia dos
milhões de desempregados, de dezenas de milhões de pobres e o
agravamento do fenómeno da polarização da riqueza.
O Euro e a União Económica e Monetária não
são uma necessidade económica objectiva, mas sim uma
decisão política no contexto de uma integração da
União Europeia ao serviço do grande capital e das grandes
potências. Nestes cinco anos o Euro revelou-se o que na realidade sempre
foi e é o instrumento de classe ao serviço do projecto neoliberal
e de uma Europa federalista.
Em relação a Portugal, dissemo-lo e a vida confirma-o que as
anunciadas vantagens do Euro quebra de riscos cambiais no interior da
União Europeia e a descida das taxas de juro, que a
evolução mais recente mostra quanto efémera pode ser tal
vantagem tinham como reverso, em função dos
constrangimentos dos critérios nominais do Pacto de Estabilidade, do
papel do Banco Central Europeu e da perda de soberania nacional sobre a
política monetária, graves consequências negativas
económicas e sociais para o país. Tinham e confirmam-se tais
consequências no debilitado aparelho produtivo nacional que viu
acentuarem-se nestes últimos anos todas as suas fragilidades. Tinham e
confirmam-se na diminuição da capacidade competitiva da economia
portuguesa estimada numa perda de cerca de 20% desde a adesão. Tinham e
confirmam-se nas nefastas consequências sociais no plano das
desregulamentação laboral, no ataque aos salários e
às funções sociais do Estado, nomeadamente no direito
à saúde, à segurança social e à
educação.
Dissemo-lo e a realidade confirma-o que a imposição dos
critérios de Maastricht que o Pacto de Estabilidade consagrou a
política monetária rígida e cega tendo como exclusivo
objectivo a estabilidade dos preços, iriam travar o normal e
necessário crescimento económico e inviabilizar a
convergência económica e social, afastando Portugal, dos
níveis médios de desenvolvimento da União Europeia.
É irrefutável que o longo processo de convergência nominal
no caminho e após a introdução do Euro teve graves
implicações na economia real e na convergência real de
Portugal com a União Europeia. É inquestionável que a
política monetária e orçamental seguida pelos governos dos
últimos anos, para cumprir os critérios de Maastricht, de cariz
restritivo e ditadas pela obsessão da redução do
défice, teve graves consequências sobre o crescimento e o emprego.
É verdade que o crescimento económico médio de Portugal
tem vindo a desacelerar de década para década e que a
convergência com a União Europeia também, mas o
período pós Euro tem sido dos mais negativos da nossa
história recente.
O crescimento médio do PIB da década de 1990 foi de 2,9%, desde
2000 o crescimento médio situou-se nos 0,9%. O crescimento do PIB per
capita ainda foi pior, ficando perto dos 0%, isto é da completa
estagnação.
Desde 2000 que Portugal está em divergência económica com a
União Europeia ao nível do PIB e do PIB per capita. Tendo em
conta o PIB per capita em paridade do poder de compra em relação
à UE, este passou de 73,2% para 64,85 em 2006, prevendo-se que continue
a descer para os 63,5% em 2008. Um valor menor que em 1991 (69,1%). Isto
significa 15 anos perdidos no caminho da convergência. Mais atraso
relativo do país em relação aos seus parceiros europeus.
Novas e mais graves consequências para a agricultura, para as pescas e
para importantes sectores industriais que se traduziram na
liquidação de milhares de explorações e na
liquidação de muitas e muitas empresas e numa maior
dependência e subcontratação do aparelho produtivo
nacional.
Foi por isso que vimos passar a taxa de desemprego de 4% em 2000 para 7,6% em
2006. Desde 1999 até ao fim do terceiro trimestre de 2006, Portugal tem
mais 200 mil desempregados.
À distância de cinco anos são inquestionáveis as
consequências resultantes da séria limitação que
significa a introdução do Euro e da União Económica
e Monetária para a soberania nacional, com a passagem para a esfera
supranacional da política monetária e cambial e da emissão
de moeda.
Como se não bastasse, o país passou a desbaratar o
património público, para cumprir antecipadamente os
critérios de Maastricht e depois a pretexto do cumprimento dos
critérios nominais do Pacto de Estabilidade.
Assim fizeram os governos do PS e do PSD no passado com o leilão e a
venda ao desbarato das empresas públicas. Assim ainda hoje o faz o
governo do PS de José Sócrates com o novo pacote de
privatizações do capital da TAP, da GALP, da ANA, da REN e da
EDP, acelerando a política de concentração de riqueza,
dando mais um golpe no património público e um novo rombo nas
receitas fiscais.
Pela natureza estratégica de algumas dessas empresas e pelo seu
carácter estruturante no território nacional, é a
própria soberania nacional que está em causa. O que se acrescenta
à perda de instrumentos essenciais ao exercício dessa mesma
soberania decorrente dos compromissos com a adesão ao Euro, como as
restrições na gestão orçamental e a já
referenciada perda de decisão sobre a política monetária.
O país foi assim perdendo alavancas fundamentais para responder aos seus
problemas e promover e afirmar um projecto nacional de desenvolvimento
económico e social.
Aliás, subordinados aos ditames de um Banco Central Europeu sem
controlo, os portugueses passaram a olhar com angústia para as
consequências económicas e sociais que resultam da
evolução das taxas de juro com o seu crescimento pela 5ª.
vez no espaço de um ano e com a promessa de haver um novo aumento no fim
do ano a que se seguirá outro no primeiro trimestre de 2007.
Está hoje também muito mais claro que não só o
país perdeu o controlo das taxas de juro para controlar a massa
monetária e a liquidez da economia, como com os actuais mecanismos, nos
quais se inscrevem o sistema rotativo de votações das
decisões monetárias tomadas no conselho de Governadores do Banco
Central Europeu, os pequenos países, como Portugal, ficam de facto
afastados das decisões monetárias da zona euro. Se as economias
das grandes potências eram a referência de uma política
monetária única que tendeu sempre a responder às suas
necessidades, esta tendência está reforçada com o seu
domínio e a sua permanente presença no sistema de
rotação na Comissão Executiva do BCE, em detrimento dos
restantes países.
Dissemo-lo, a situação actual do nosso país confirma-o que
a integração artificial e forçada de Portugal no
"pelotão da frente" da Moeda Única e a consequente
integração na União Económica e Monetária se
iria traduzir também em mais austeridade para os trabalhadores e para o
povo, em mais regressão social, em mais trabalho precário.
Situação que se agrava quando a perda da soberania
monetária e as limitações orçamentais impostas pelo
Pacto de Estabilidade e Crescimento impõem como principais e
praticamente únicas variáveis de ajustamento económico
o emprego e os salários e as políticas sociais.
Essa é outra evidente constatação nestes cinco anos
decorridos com a entrada de Portugal no Euro. Os salários e o emprego
passaram a ser sacrificados em nome da competitividade das
exportações e a pretexto da crise que a inserção do
país na União Económica e Monetária na realidade
acentuou.
O crescimento médio dos salários reais passou a descer fortemente
com a passagem de um crescimento médio de 2,5% na década de 90,
para os 0,5% desde o ano 2000, o que significa uma perda substancial, todos os
anos, da capacidade de poder compra dos salários dos trabalhadores
portugueses, ao mesmo tempo que a carga fiscal para os rendimentos do trabalho
e o aumento dos impostos indirectos no consumo penalizavam ainda mais os
rendimentos do trabalho e o consumo das camadas populares.
Os rendimentos do trabalho assalariado ainda viriam a ser mais penalizados pelo
aumento dos bens essenciais que a simples passagem para o Euro acarretou.
No que diz respeito à pobreza, desde 1999 que mais 69 mil pessoas em
Portugal vivem abaixo do limiar da pobreza, engrossando os agora 2,2
milhões de pobres existentes no nosso país. No mesmo
período as desigualdades de rendimento entre os 20% mais ricos e os 20%
mais pobres aumentaram, de 6,4% vezes para 7,2 vezes.
Desde 1999 que cresce também o trabalho precário na sociedade
portuguesa e temos hoje mais 150 mil trabalhadores contratados a prazo que
são hoje já 678 mil. Só no último ano aumentaram
14% os trabalhadores nesta situação e sem contar os muitos
milhares que se mantêm a tempo parcial.
Com os mais baixos salários, com o mais baixo salário
mínimo, com as mais baixas reformas e com os mais elevados níveis
de pobreza e concentração de riqueza, Portugal viu agudizarem-se
todos os seus problemas sociais com a adesão ao Euro.
É inevitável concluir que a moeda única e os
critérios monetaristas e federalistas que lhe estão associados
não foram e não são um factor de coesão
económica e social, mas um factor de aceleração das
desigualdades sociais, mas também regionais.
É por isso que reafirmamos hoje o que afirmámos no passado. Uma
política monetária única não pode dar resposta
às necessidades diferenciadas de economias diversas, com níveis
díspares de desenvolvimento económico e social e uma real
diversidade de estruturas e especializações produtivas,
níveis de produtividade, normas de fiscais, recursos materiais e
humanos, opções políticas e culturas administrativas
diferentes.
E se tal era verdade para as 12 economias da xona euro, mais se impõe
perante a perspectiva de uma União Europeia alargada a 27, com a
inclusão de novos países nessa zona e com as consequentes
disparidades económicas sociais e regionais.
A inserção artificial de uma moeda única e a
imposição da política monetária única
está a arrastar e arrastará inevitavelmente choques para as
economias mais frágeis, menos produtivas e mais periféricas.
Consequências que continuaram a ser particularmente graves para Portugal,
acentuadas com a liberalização do comércio internacional e
o processo de alargamento da União Europeia a Leste, nomeadamente com a
crescente intensificação da concorrência com a
produção nacional no interior da comunidade.
O que é ainda hoje inaceitável é que, perante tão
profundas alterações e com consequências tão
relevantes em todos os domínios da vida nacional, a decisão da
substituição da moeda nacional pelo Euro se tenha realizado sem
que os portugueses se tivessem pronunciado em Referendo. O que ainda hoje
é inaceitável e o continuamos a denunciar é que a grave
abdicação de soberania que representa a troca da nossa moeda pelo
Euro e a sujeição da política orçamental e a
política monetária, respectivamente ao Pacto de Estabilidade e ao
Banco Central Europeu tenha sido concretizada pela via do facto consumado com a
cumplicidade e empenhamento do PS e do PSD e a marginalização do
povo português.
A ofensiva global que está em curso pela acção e
iniciativa do actual governo do PS de José Sócrates contra os
direitos dos trabalhadores e os direitos sociais do povo, contra os
serviços públicos e a alienação e
redução das funções económicas, sociais e
culturais do Estado, sendo o resultado de uma deliberada opção da
sua política nacional e da sua inteira responsabilidade, radica
também na incondicional aceitação e assunção
das orientações neoliberais e monetaristas que estão
subjacentes à actual "construção europeia"
guiada pelos interesses das transnacionais e do capital financeiro.
A procura fundamentalista e obsessiva do cumprimento do "Pacto de
Estabilidade e Crescimento" que sempre esquece a vertente do
"Crescimento" na prática, mesmo quando o afirma em palavras,
restando como exclusiva orientação da política
económica a "Estabilidade" passou a ser com os últimos
governos do país e agora, particularmente, com o governo do PS de
José Sócrates o pretexto e fundamento de um vasto programa de
contra-reformas que na cartilha neoliberal se anunciam como "reformas
estruturais".
Foi assim no passado recente com os governos do PSD/CDS-PP, nomeadamente com a
contra-reforma do mercado de trabalho que levou à
imposição do novo Código de Trabalho e à
redução de um vasto conjunto de direitos laborais, nomeadamente
os direitos conquistados na contratação colectiva que hoje
é também posta em causa.
É assim agora com a acção do governo do PS de José
Sócrates com as suas contra-reformas da segurança social, da
saúde, da educação, da Administração
Pública, entre outras.
Contra-reformas que na segurança social significam o sacrifício
dos direitos dos trabalhadores e dos reformados e que levará no imediato
a um violento ataque às reformas, às pensões, ao
subsídio de desemprego e à diminuição das
prestações sociais e ao aumento da idade da reforma.
Contra-reformas que na saúde visam a construção do
"grande mercado da saúde" com o crescente processo de
privatização dos serviços e sectores mais lucrativos e a
adopção paulatina do principio do utilizador/pagador no
Serviço Nacional de Saúde.
Contra-reformas que na Administração pública têm o
claro objectivo de subverter a natureza do Estado saído da
Revolução do 25 Abril e da própria
Administração Pública e que ataca com particular agudeza
os direitos dos trabalhadores, que este governo transformou em bode
expiatório das suas desastrosas políticas.
Contra-reformas que na educação conduzirão à
crescente elitização do ensino e à
desvalorização e degradação da Escola
Pública e da actividade docente como está a acontecer. .
É contra esta política de regressão social que em Portugal
os trabalhadores e o povo têm vindo a desenvolver uma intensa e abnegada
luta. Luta que se impõe prosseguir aqui e por toda a Europa, promovendo
também a cooperação de todos os que estão dispostos
a travar o caminho e fazer recuar as políticas de direita e neoliberais.
Políticas que o grande capital e as forças políticas que o
suportam querem dar legitimidade constitucional com a reanimação
do derrotado "Tratado Constitucional" da União Europeia. A
actual operação da sua recuperação conduzida pela
Alemanha e que se pretende prossiga com a cobertura da Presidência
portuguesa da União Europeia no próximo ano terá, estamos
certos, não apenas o firme combate do PCP, dos trabalhadores e do povo
português, mas de todas as forças progressistas e de esquerda e
dos povos da Europa.
Mas se temos assumido uma posição crítica e de fundo ao
rumo imposto à integração europeia, o nosso Partido jamais
deixou de procurar afincadamente agir para minimizar os seus aspectos negativos
e dinamizar tudo o que se apresente como positivo, contribuindo através
de propostas e de uma intervenção diversificada e empenhada na
defesa dos interesses nacionais, nomeadamente no Parlamento Europeu.
Tem sido essa a nossa postura e é seguindo essa orientação
que nos temos batido e continuaremos a bater pela concretização
efectiva do princípio da coesão económica e social, pelo
reforço dos fundos estruturais, nomeadamente dirigidos aos países
de economias mais frágeis e para que o emprego, a economia real, o
desenvolvimento do país e o nível de vida dos portugueses
não fossem sacrificados aos critérios da convergência
nominal.
É neste quadro que consideramos necessário no imediato na
União Europeia uma política monetária e financeira virada
para o crescimento económico.
Que consideramos e continuamos a bater-nos por uma revisão do Quadro
Financeiro e pelo aumento dos montantes dos Fundos Estruturais e de
Coesão a favor dos países menos desenvolvidos.
Que se impõe a suspensão do actual "Pacto de Estabilidade e
Crescimento" e a sua reorientação e revisão global
transformando-o num pacto de emprego e de convergência real das economias.
Que é necessário e urgente considerar a modificação
do papel do Banco Central Europeu com a revisão do objectivo
único da estabilidade dos preços, por objectivos de suporte da
economia e do emprego, bem como rever os seus processos decisórios e os
seus poderes, os quais não podem estar acima das escolhas dos governos e
dos parlamentos nacionais.
Tal como consideramos necessária a taxação das
transacções financeiras e dos movimentos de capitais
especulativos.
Estas são algumas linhas que propomos e defendemos sobre um novo rumo
para a construção europeia livre do fundamentalismo neoliberal e
reorientada para responder no concreto, não aos interesses
egoístas do grande capital financeiro, mas às
aspirações dos trabalhadores e dos povos.
Uma União Europeia que parta da cooperação de Estados
soberanos e iguais em direitos para concretizar o que são os objectivos
assumidos nos seus Tratados: a coesão económica e social e a
convergência real das economias.
Uma União Europeia assente numa Europa plural capaz de atacar o grande
problema do desemprego e o grave problema das desigualdades sociais e
regionais.
Uma União Europeia que reforce a cooperação e a
complementaridade das economias e a sua convergência real e promova o
diálogo de culturas e a paz.
Este é o combate em que estamos empenhados.
[*]
Discurso no encerramento do colóquio "Euro: cinco anos
depois", realizado em Lisboa a 17 de Novembro de 2006.
O original encontra-se em
http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=6870&Itemid=129
Este discurso encontra-se em
http://resistir.info/
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