Tentativa de encerramento da penúltima refinaria nacional
As 9 mentiras da Administração da Galp e do Governo
por
Avante!
1. Por causa da COVID-19?
Mentira!
Com a crise provocada pela pandemia, de facto, assistiu-se a uma
redução do consumo dos produtos das refinarias nacionais.
Só que essa redução não foi assim tão
significativa (ver Quadro 1), e os efeitos foram minorados para a Galp!
porque a Petrogal utilizou a posição dominante no mercado
para influenciar de forma directa os preços dos combustíveis
praticados, respondendo à diminuição da procura com o
aumento das margens brutas de comercialização (ver Quadro 2).
Quadro 1
Vendas em Portugal (acumuladas até Outubro)
|
2018
|
2019
|
Variação
|
Gasolina (milhões t)
|
895
|
741
|
-17%
|
Gasóleo (milhões t)
|
3850
|
3297
|
-14%
|
Quadro 2
Margem Bruta de Comercialização
|
Set 2019
|
Set 2020
|
Aumento
|
Gasóleo Rodoviário
|
18,9
|
25,9
|
31%
|
Gasolina 95
|
21,1
|
26,7
|
27%
|
É falsa, pois, a principal razão apresentada pela
Administração da Galp para o encerramento da refinaria. A boleia
que os capitalistas apanharam da pandemia é para tentar concretizar uma
mudança explicada por dois factos do Relatório e Contas de 2019
do Grupo Galp: 1) a "Exploração e
Produção" assume um peso crescente nas receitas (1751
milhões de EBITDA face a "apenas" 415 milhões da
"Refinação e Distribuição"); e 2) a
grande aposta de futuro é a entrada no mercado da electricidade, o que
implica desviar investimentos.
Estas prioridades dos "accionistas" nada têm a ver com o
interesse nacional pois: 1) a actividade de produção e
exploração é realizada essencialmente no Brasil e Angola,
e os impostos dos lucros distribuídos são pagos fora de Portugal;
2) a actividade de refinação é realizada em solo
português, contribui com valores significativos para o PIB e as
exportações nacionais, é uma importante fonte de
rendimento para a Segurança Social e para o IRS, e envolve largos
milhares de trabalhadores e uma importante actividade a montante e jusante das
refinarias.
2. Pela descarbonização?
Mentira!
Dizem ainda, Governo e Administração da GALP, que este
encerramento é realizado no quadro da descarbonização e da
necessidade de reduzir as emissões de CO2, insinuando profundas
preocupações ambientais. Mas encerrar uma refinaria não
tem qualquer impacto na descarbonização se tal se traduzir numa
simples deslocalização da produção. Aliás,
até pode ter um efeito inverso pelo facto de se criarem novas
necessidades de transporte pesado de mercadorias (por exemplo, o
combustível da Região Norte passará a ser transportado de
mais longe, as matérias primas que as fábricas da região
norte adquiriam à refinaria passarão a ter que ser importadas).
O encerramento é realizado por opção económica dos
accionistas da Galp e a etiqueta "ambiente" serve para que a
operação seja financiada com fundos públicos: o Governo
já deu a entender estar acertado financiar os custos da GALP com esta
sua decisão, nomeadamente com os trabalhadores e a
recuperação dos solos da refinaria (e depois será a GALP a
decidir o que fazer com a "sua" propriedade, como disse o
subserviente ministro, se desviá-la para a especulação
imobiliária ou reutilizá-la num outro projecto industrial
recorrendo a verbas públicas para a reindustrialização).
2. Por causa da Transição Energética?
Mentira!
A transição energética não é um processo que
se conclua em 2021, e durante largos anos os combustíveis fósseis
continuarão a ter um papel na economia. O encerramento precipitado da
Refinaria vai obrigar o País a conviver muitos anos com a
utilização massiva de produtos refinados e menos uma refinaria
para os produzir. O encerramento da refinaria em 2021 só tem dois
objectivos: 1) o Governo poder fazer propaganda de estar no
"pelotão da frente" da União Europeia e 2) a Galp poder
concretizar um seu objectivo arrebanhando ainda uns apoios públicos.
O que é real é o excesso de oferta na União Europeia, que
gera pressões para manter as taxas de lucro encerrando alguma capacidade
produtiva: mesmo antes da pandemia, em 2019, a taxa de utilização
era de 86% duma capacidade instalada de refinação de 662,1
milhões de toneladas por ano, com 78 refinarias de mais de 1,5
milhões de toneladas/ano, das quais duas em Portugal e oito em Espanha.
E como tem acontecido sistematicamente, se na Europa há capacidade
produtiva a mais, rapidamente chegam os "apoios" para encerrar em
Portugal.
4. A refinaria de Matosinhos não faz falta ao aparelho produtivo
nacional?
Mentira!
Ficando o País com uma única refinaria, uma questão
é incontornável: sempre que esta refinaria seja encerrada (para
manutenção ou por acidente), o País passa a ficar
totalmente dependente da importação.
Mesmo para o abastecimento de combustível da Região Norte, a
Refinaria é essencial. E a alternativa não é Sines, como
agora nos dizem para simular um menor impacto para o País. A alternativa
é a Galiza e a sua refinaria da Repsol em La Coruña, que
já está ligada por um pipeline até à fronteira
portuguesa. Passaríamos a importar o que hoje se exporta (ver Quadro 3).
Quadro 3 Exportações da Refinaria do Porto (Matosinhos)
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
(acumulada
até Nov)
|
2020
(estimada)
|
Média
5 anos
|
Milhões
|
400
|
573
|
513
|
539
|
342
|
373
|
479
|
Milhões t
|
1 182
|
1 424
|
1 114
|
1 197
|
1 036
|
1 130
|
1 209
|
O Aeroporto Pedras Rubras é abastecido através de um pipeline com
origem na Refinaria de Matosinhos. Mesmo admitindo que a Galp manterá os
tanques e o pipeline em funcionamento (quando encerraram a Refinaria de Lisboa,
o pipeline de abastecimento do Aeroporto da Portela foi encerrado e ainda hoje
esse abastecimento é realizado por camião) esses tanques
passarão a ficar dependentes do abastecimento por camião ou barco.
Da refinaria de Matosinhos está ainda dependente um importante
cluster
industrial, da Fábrica de Aromáticos em Matosinhos ao Complexo
Químico de Estarreja, que enfrentarão importantes aumentos nos
custos de produção, colocando-a em risco e às empresas que
dela dependem: A venda de Químicos e Lubrificantes no Mercado Interno
pela Refinaria de Matosinhos foi de 48 mil toneladas e 72 milhões de
euros por ano (média dos últimos 5), com apenas uma
redução inferior a 10% neste ano de 2020.
Mesmo o despedimento colectivo em curso há um mês na Refinaria, no
seu objecto (12 trabalhadores) e na justificação formal
(reorganização da produção) deixa claro que
há um mês a própria Galp não considerava o
encerramento da Refinaria. E o ministro do Ambiente dizia há um
mês não prever o encerramento de qualquer refinaria em cinco anos.
Como é evidente aqui há gato escondido com rabo de fora.
5. Sines cobre todas as necessidades provocadas pelo encerramento de
Matosinhos?
Mentira!
O abastecimento de combustível a toda a região Norte do
País é realizado a partir da Refinaria de Matosinhos. É
verdade que poderá passar a ser feito a partir de Sines. Mas com um
muito significativo aumento de custos: existe um pipeline até Aveiras, a
partir daí o percurso tem que ser realizado por camião. E o
abastecimento de tanques em Matosinhos por navio é muito incerto por
conta das dificuldades de mar no Inverno, daí ter-se implementado um
sistema de abastecimento por monobóia, entretanto também
descontinuado. E algumas da valência hoje asseguradas pela Refinaria de
Matosinhos não existem na Refinaria de Sines (aromáticos e
óleos base).
6. São apenas 400 postos de trabalho que estão em causa?
Mentira!
Quando se trata de justificar dinheiro dado aos capitalistas para estes
investirem o nosso dinheiro em nome deles, os governos valorizam os empregos
que tal investimento público trará: contam os empregos directos
que se espera criar, contam os indirectos, incluem as
subcontratações, estimam o impacto noutras actividades a montante
e a jusante na respectiva fileira e ainda têm em conta a
dinamização económica na restauração,
comércio, serviços, etc. Mas quando se trata de encerrar uma
unidade produtiva, a contagem é realizada da forma mais estrita
possível: os trabalhadores efectivos da empresa que nominalmente
é encerrada. No caso da Refinaria de Matosinhos, o número de
despedimentos directos é de mais de 400 só na Refinaria (eram 446
a 31/10/2019), mas tem que se ter em conta os mais 98 no Porto e cerca de mil
postos de trabalho dos múltiplos prestadores de serviço que
aí operam.
Para agravar, estes mais de mil despedimentos ocorrem quando se admite vir a
utilizar as refinarias noutros projectos industriais. Pelo que a Galp e o
Governo estão a usar fundos públicos para financiar o
esvaziamento da infraestrutura e libertar os futuros utilizadores de
trabalhadores com direitos, contratação e antiguidade.
7. A Galp está em situação difícil?
Mentira!
A Administração da Galp toma esta opção porque
é a que melhor serve os interesses dos seus accionistas. Não
existe qualquer necessidade, qualquer crise a superar. Não está a
perder dinheiro nem nada perto disso. Quer é ganhar mais.
A Administração da Galp estima em 90 milhões as suas
"poupanças" anuais com o encerramento da Refinaria de
Matosinhos ("poupanças" que só existirão porque
o Estado português - orçamento de estado, fundos
comunitários, segurança social - pagará os custos directos
e indirectos do encerramento). Ora, a única dificuldade das contas da
Galp é a relativa à descapitalização criada pela
prática de pagar dividendos aos accionistas acima dos resultados
líquidos, como aconteceu com os dividendos relativos a 2019, que
totalizaram 580 milhões de euros, quando o resultado líquido RCA
foi "apenas" de 560 milhões. Uma decisão que, vale a
pena recordar, foi tomada em Abril, já depois de iniciado o surto
pandémico.
8. O Governo não pode opor-se à iniciativa privada?
Mentira!
Claro que pode. O Governo tem os instrumentos necessários para travar a
destruição de qualquer parte do aparelho produtivo nacional.
Neste caso, o Governo até é o segundo maior accionista da GALP
com 7,48%. Mas recusa-se a actuar em defesa do interesse nacional, seja no seu
seio como accionista seja como parceiro institucional. Aliás, quando
solicitado a intervir face aos sucessivos processos de despedimento, assumiu
publicamente que o seu interesse na GALP se resume aos dividendos que recebe.
Uma postura subserviente imitada pela maioria dos autarcas da Região
Norte: fosse a Galp uma empresa pública, e que tonitroantes
declarações em defesa da Região Norte se ouviriam.
Aliás, querendo, o Governo pode e deve ir mais longe do que simplesmente
impedir a destruição da Refinaria. A
renacionalização da Galp, que o PCP tem proposto diversas vezes,
é uma necessidade absoluta para que o Estado possa recuperar o controlo
sobre um sector estratégico: para salvar as refinarias (pois Sines
será a próxima vítima); para acabar com a
cartelização de preços e reduzi-los; para que a
transição energética seja mais que uma capa sob a qual
milhares de milhões de euros do erário público são
desviados para o bolso de capitalistas; para que a soberania nacional e o
interesse nacional possam comandar as opções de política
energética; para que a valorização do trabalho e dos
trabalhadores seja uma preocupação da Galp.
9. A decisão de encerramento da Refinaria é irrevogável e
não há nada a fazer?
Mentira!
A decisão está tomada mas não está concretizada.
Foi tomada pela Administração da Galp com o apoio do Governo.
Isso é um facto. Foi anunciada na véspera de Natal para ajudar a
disfarçar o seu impacto e tornar mais difícil a sua
denúncia. Mas, como aconteceu no passado, a decisão pode ser
revogada e a Refinaria pode ser salva. Mas só através da luta. E
o tempo de lutar é agora, antes de se consumar o encerramento da
Refinaria.
14/Janeiro/2021
O original encontra-se em
www.avante.pt/pt/2459//161906/
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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