Há negócios que são uma tragicomédia
O
[Jornal de] Negócios
decidiu assinalar ontem os seus 16 anos com um número especial
cheio de "ideias dos líderes para o país". Sendo leitor
regular deste jornal, dou um conselho: parem com estes números
celebratórios. Um cidadão lê o
Negócios
para tentar saber o que se passa no capitalismo nacional e não
para ler os lugares comuns debitados por representantes do capital monopolista
e seus ideólogos. Os artigos até parecem ter sido escritos por
uma qualquer agência de comunicação. O efeito é
tristemente cómico.
Assim, uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando, por exemplo, Pedro
Soares dos Santos, filho de Alexandre Soares dos Santos e actual Presidente do
Grupo Jerónimo Martins defende aí que "é preciso
promover uma cultura de meritocracia". Não sabia que o capitalismo
de herdeiros, cada vez mais relevante, segundo Thomas Piketty, promovia tal
cultura.
Uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando Paula Amorim, outro exemplo
do capitalismo de herdeiros na versão
Amorim Luxury,
declara o sistema fiscal "imoral", apelando "a um compromisso
estratégico multipartidário - patriótico -, para os temas
macro estratégicos da economia", incluindo a questão fiscal.
Deve ser por patriotismo que a Galp, a exemplo da Jerónimo Martins, usa
a Holanda para o chamado planeamento fiscal agressivo, de resto promovido
activamente pela integração europeia realmente existente. Deve
ser por isso que do PS de Costa Pina ao CDS de Mesquita Nunes, o tal
compromisso multipartidário tem sido ensaiado na Galp.
Uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando o Director do
Negócios
anuncia uma das propostas que saiu de uma reunião com jovens
estudantes escolhidos a dedo de uma qualquer escola de negócios:
"Um dos grupos de alunos convida-nos a imaginar bairros inteiros de Lisboa
ou do Porto livres de impostos para os empreendedores (...) temos de sonhar e
de ser audazes". É a distopia fiscal de uma sociedade liberal, ou
seja, de uma sociedade fragmentada, um somatório de ilhas em
concorrência. Maximizando o todos contra todos, o sonho liberal é
a guerra social total.
Eu bem sei que isto é uma periferia e que não se pode ter o
equivalente luso do
Financial Times,
mas também não é preciso viver ideologicamente
tão abaixo das possibilidades e responsabilidades jornalísticas.
30/Maio/2019
[*]
Economista.
O original encontra-se em
ladroesdebicicletas.blogspot.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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