A defesa e a segurança no discurso europeísta

por Rui Namorado Rosa

Estimativa das despesas militares regionais e mundiais (1993-2002). Clique para ampliar. UM ESTADO DE GUERRA QUE O IMPERIALISMO DESEJARIA INTERMINÁVEL

Não obstante a recessão económica, a despesa militar mundial tem crescido sustentadamente desde 1998, tendo recebido novo impulso em 2002, quando cresceu 6% (10% nos EUA, 12% na Rússia e 18% na China), para atingir 2,5% do PIB mundial, o que correspondeu ao dispêndio de US$128 per capita. Os EUA destacam-se por serem responsáveis por 43% da despesa mundial e o Médio Oriente destaca-se por ter a mais elevada intensidade de despesa, 6,3% do PIB.
[ http://www.acronym.org.uk/dd/dd72/72nr11.htm ].

Estas despesas são colossais e insensatas, e as tendências observadas razão de grande alarme. Como fenómeno tem as suas explicações; elas radicam na dinâmica das indústrias de guerra e de “segurança” que se alimentam do capitalismo e suportam a sua hegemonia mundial. Aqui tem principal destaque o complexo militar-industrial, que apoiado na mobilidade do capital financeiro, alimentado pela vaga privatizadora neoliberal, atingiu dimensão planetária. Observando os dados disponibilizados pelo Center for Defense Information conclui-se que é intensa a actividade de fusão e aquisição entre empresas da indústria militar, incluindo aquisições transatlânticas, sobretudo entre os EUA e o RU.

A outra face da mesma realidade é a aceleração de intervenções militares em várias escalas e variadas regiões do mundo. Contabilizando as intervenções armadas dos EUA no estrangeiro verificamos: do elenco das 89 acções catalogadas entre Abril de 1975 e Fevereiro de 2001, 62 foram desencadeadas desde 1990, e 26 desde 1998; o intervencionismo imperial é patente após o colapso do sistema socialista na URSS e na Europa de Leste
[ http://www.cdi.org/products/almanac0102.pdf ].

O mercado mundial de armamento atingiu US$35 mil milhões em 2002 (mas atingira níveis de US$65 mil milhões/ano em fins da década de 1980 e aquando da guerra do Golfo (1990-91). O complexo militar-industrial fará todos os possíveis para explorar esse espaço de manobra e retomar esses altos volumes de negócios. Nesse mesmo ano de 2002 os EUA deteve 40% das vendas, logo seguidos pelo RU com 21%.

Para o ministro da Defesa britânico a presente guerra no Iraque tem sido uma “feliz” oportunidade para o teste de novidades da indústria britânica em carros de combate, peças de artilharia, aviões de combate, bombas e mísseis, bem como de sistemas integrados de comunicação e informação e de gestão de stocks, desde já a pensar em futuros negócios de venda de armamentos [ http://www.deso.mod.uk/archive_030910_sp.htm ]. O que é um mau mas forte argumento para o total alinhamento do governo do RU na invasão do Iraque em Março de 2003. O complexo militar-industrial agradece.

O LONGA E APERTADO ABRAÇO ATLÂNTICO

O RU será possivelmente a primeira potência militar europeia enquanto certamente é aquela que mais estreitos laços tem e interesses partilha com os EUA. O RU mantém relações estreitas com os laboratórios militares norte-americanos na manutenção e desenvolvimento de ogivas nucleares, apoia-se nos sistemas de navegação via satélite, inteligência e localização de alvos fornecidos pelos EUA e a sua política nuclear militar está intimamente sincronizada com a dos EUA (e da NATO).

Após a Segunda Guerra Mundial, nos EUA a lei Atomic Energy Act (1954, revista em 58) veio iniciar uma era de cooperação externa desse país no âmbito do projecto, desenvolvimento e fabrico de armamentos nucleares, bem como da transferência de combustíveis nucleares. Foi na base dessa lei que foi firmado o “Acordo de Defesa Mútua” UK/US (UK/US MDA) em 1958, que desde então vem sendo renovado, de forma a acomodar as novas armas entretanto desenvolvidas bem como a transferência de novos materiais e de informação actualizada. Actualmente abrange não só armas nucleares mas também reactores nucleares. É um acordo gerido secretivamente, largamente à margem dos respectivos órgãos legislativos.

Alguns milhares de toneladas de combustível nuclear para fins militares foram transferidos nos dois sentidos entre os EUA e o RU, pelo menos no período 1960-79, ao abrigo desse Acordo de Defesa Mútua, cujas origens e destinos não são inteiramente conhecidos; todavia parece evidente que os ciclos de combustível nuclear, civil e militar, decorreram em paralelo e em certa extensão se misturaram, de modo que se poderá falar de desvios de combustível civil para fins militares e vice-versa. [ http://www.cnduk.org/press2/press31.htm ; http://www.cnduk.org/pages/binfo/ttus.html ].

Esse Acordo serve de base para a estreita cooperação entre corporações dos dois países, como foi o caso entre a Westinghouse e a Rolls Royce no fabrico de reactores para a propulsão de submarinos nucleares. A Rolls Royce & Associates, constituída em 1959, beneficiou da transferência de tecnologia a partir daquela corporação norte-americana para construir e aprovisionar 25 reactores para submarinos nucleares britânicos (incluindo lançadores de mísseis balísticos). Após a aquisição de activos pela principal accionista em 1998, transformou-se na actual Rolls Royce Marine Power Operations. Após ter construído e mantido reactores para submarinos nucleares da classe Trident, está agora a desenvolver submarinos da nova classe Astute [ http://www.cnduk.org/pages/binfo/derby.html ].

A interdependência e a cooperação entre as indústrias de defesa norte-americana e europeia são públicas ainda que não publicitadas. Fusões, aquisições e joint-ventures são comuns entre os dois lados, sob o olhar vigilante do General Accounting Office (órgão do Congresso dos EUA) [ http://www.fas.org/man/gao/ ]. Nos últimos anos assiste-se mesmo ao crescimento do investimento por parte de corporações de base europeia, que procuram assimilar tecnologia e alargar os seus negócios ao outro lado do Atlântico; é o caso da BAE Systems, uma das maiores transnacionais do sector aeroespacial [ http://www.us.net/signal/index.html ].

ORIGENS E VICISSITUDES DA POLÍTICA EUROPEIA DE DEFESA

A União da Europa Ocidental (UEO) foi fundada pelo Reino Unido, França e o Benelux através do Tratado de Bruxelas para a Colaboração Económica, Social e Cultural e a Defesa Colectiva (1948); iniciativa europeia, terá sido um passo precursor da criação do Tratado do Atlântico Norte (NATO) em 4 de Abril de 1949, já sob o domínio dos EUA. O Tratado de Bruxelas foi depois reformulado pelo Protocolo de Paris de 23 de Outubro de 1954, incorporando já a Alemanha e a Itália, as duas potências europeias derrotadas na Guerra mundial. Quando o Reino Unido integrou a Comunidade Europeia em 1973, a importância da UEO como fórum de coordenação de políticas de defesa europeias ficou prejudicada e declinou.

A Declaração de Roma (Outubro de 1984) marca a reactivação da UEO, ao expressar a vontade de reforço da “segurança ocidental”, não só da Europa Ocidental mas de toda a Aliança Atlântica, e ao afirmar a solidariedade mútua face a qualquer situação de potencial ameaça à paz, em qualquer parte do mundo, ou perigo da estabilidade económica. A Plataforma de Hague (Outubro de 1987) assinala a identificação da UEO com a União Europeia nos objectivos de defesa e segurança europeias e assume a indivisibilidade da segurança atlântica e a vontade de reforçar o pilar europeu da Aliança Atlântica.

A identidade de interesses políticos e económicos dos dois lados do Atlântico foi-se assim revelando desinibidamente evidente.

A UEO veio a assumir parte activa aquando da guerra Irão-Iraque (1980-88) e na guerra do Golfo (1990-91), e de novo na guerra dos Balcãs (embargo à Jugoslávia com operações no Adriático e no Danúbio, 1992-96, e missões na Bósnia, Albânia, Kosovo e Croácia, 1993-2001), a pedido e com o apoio da UE, e em articulação com a NATO e a OSCE. Na realidade, o seu envolvimento em acções concretas mas menores, em ambos teatros de guerra, significou que, mais do que importância militar operacional, a função principal da UEO era a coordenação político-militar dos Estados membros da UE e a “legitimização” política internacional dessas intervenções estrangeiras no Golfo Pérsico-Arábico e nos Balcãs.

De novo em Roma (Novembro 1992), o Conselho de Ministros da UEO anunciou o seu alargamento a par do fortalecimento do seu papel operacional e a transferência da sua sede para Bruxelas; e reafirmou o seu compromisso com as Declarações de Masstricht (EU, Dezembro 1991) e de Petersberg (UEO, Junho 1992) e a sua vontade de desempenhar a missão de instrumento da defesa da UE e de pilar europeu da Aliança Atlântica. Em Junho de 1997, o Tratado de Amesterdão expressamente incorporou no seu articulado as missões de Petersberg (socorro humanitário, manutenção de paz, forças de combate no controlo de crises), as quais passaram a ser parte integrante da Política Europeia de Segurança e Defesa. A UEO seria pois o braço da UE para a coordenação e cumprimento dessas missões. Foi mais um passo no atribulado caminho para a integração das políticas de defesa e de forças militares na Europa Ocidental, mas desde 2000 a UEO persiste essencialmente limitada à coordenação de programas de armamentos [ http://www.assembly-weu.org/en/accueil.php ; http://www.weu.int/Key%20texts.htm ].

A actual minuta do Tratado Constitucional da UE afirma a vontade de intervir em missões «fora da União na manutenção da paz, prevenção de conflitos e fortalecimento da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas». A vontade de a UE projectar a sua influência, mesmo militar, pelo mundo é manifesta; e não mostra, à semelhança dos EUA, disponibilidade para actuar dentro do quadro das instâncias internacionais máximas, designadamente da Assembleia-Geral ou do Conselho de Segurança da ONU, mas tão só cumprir os seus princípios, interpretados à sua maneira.

AS FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS

A ideia de um exército europeu é remota, mas só na última década teve avanços sensíveis. Assim, a França e a Alemanha, que realizam periodicamente Conselhos de Defesa bilaterais, no Conselho de La Rochelle (Maio de 1992) acordaram constituir um grande unidade militar, com vocação europeia, que contribuísse para a dotação da UE com capacidade militar própria, e convidaram os restantes estados membros da União da Europa Ocidental a participar nesse exército europeu. http://www.france.diplomatie.fr/actu/article.asp?ART=30242

Aquando da cimeira franco-britânica de Saint-Malo (Maio de 1998) a França e o Reino Unido afirmaram a vontade de protagonismo da União na cena internacional e propuseram a criação de capacidade militar autónoma e de uma política de defesa comum.

O Tratado de Amesterdão, em vigor desde 1 de Maio de 1999, fixou de facto o desenvolvimento de uma Política Externa e de Segurança Comum (CFSP) visando a progressiva elaboração de uma Política de Segurança e Defesa Europeia (ESDP), com capacidade de acção autónoma, suportada em meios militares e civis e por órgãos de decisão comuns.

No Conselho Europeu de Helsínquia (Dezembro de 1999) foram adoptados os objectivos globais de defesa europeia: forças militares de cerca de 100 mil soldados, 400 aviões e 100 navios, capazes de entrar em acção no prazo de 60 dias por um período de pelo menos um ano; esse era o conceito de Força Europeia de Reacção Rápida (ERRF). Um dos componentes básicos para viabilizar esse objectivo seria a disponibilidade de meios de transporte de tropas e de equipamentos para intervenção rápida e em larga escala em teatro de guerra; outra condição seria a constituição de órgãos de planeamento e comando.

Em 2000, foram formalizados planos para a ERRF, estabelecidos laços formais com a NATO e acordos sobre as contribuições nacionais com estados membros. Mas a UE carece de capacidade suficiente para intervenções significativas fora do seu território e prossegue contactos com a NATO para a utilização conjunta dos meios desta Aliança em caso de crise.

Recentemente, no Conselho franco-alemão de Defesa e de Segurança, realizado em Paris, a 22 de Janeiro de 2003, os dois países insistiram no reforço da capacidade de acção da EU e no estabelecimento da Política Europeia de Segurança e Defesa (ESDP); mais propuseram a sua conversão numa União Europeia da Segurança e Defesa (UESD) que capacite a União Europeia para o desempenho do “seu” papel na cena internacional, sem prejuízo de contribuir também para o “pilar europeu” da Aliança Atlântica. Para o efeito, reconheceram de novo a necessidade de desenvolver uma capacidade de reacção rápida, e mostram-se favoráveis à constituição de um estado-maior conjunto. [ http://www.delegfrance-cd-geneve.org/chapter1/ ].

Analogamente, a França e o Reino Unido têm realizado Conferências de Defesa bilaterais, e na cimeira franco-britânica de Le Touquet-Pas de Calais, a 4 de Fevereiro de 2003, avaliaram positivamente os progressos realizados no quadro da ESDP e da cooperação desta com a NATO, e propuseram novas iniciativas para acelerar esse progresso. E não foram modestos nas suas propostas, ou não fossem a França e o Reino Unido as duas maiores potências militares europeias. Afirmaram a necessidade de reforço de responsabilidades da UE na gestão de crises assim como a vocação mundial da ESDP não só em apoio dos objectivos da política externa da União mas também na promoção de “democracia, direitos humanos, boa governação e reformas”. Afirmaram o princípio da solidariedade e assistência mútua, civil e militar, no seio da UE face a ameaças comuns, a ser incorporado como cláusula de solidariedade no novo tratado da União; a vontade de partilharem meios a fim de se apoiarem na luta face a novos risco, como o terrorismo, convidando à parceria os restantes estados membros; e comprometeram-se a respeitar os compromissos subscritos no seio da NATO, reconhecida como permanecendo o fundamento da defesa colectiva dos seus membros. Mais afirmaram a necessidade de serem fixados objectivos qualitativos e quantitativos que assegurem quer capacidade de reacção rápida quer capacidade para a condução simultânea de várias operações, que contribuam também para a constituição duma força de reacção da NATO; e insistiram na criação de uma agência europeia inter-governamental para o desenvolvimento coordenado de capacidades de defesa que garanta o cumprimento de missões no quadro da PESD. Por sua parte fixaram-se os objectivos de constituir forças terrestres, aéreas e marítimas de intervenção rápida, suportadas na cooperação entre os seus estados-maiores na planificação e no comando de operações, bem como de dotarem-se de novos porta-aviões e de cooperarem na melhoria da disponibilidade e eficácia de grupos aéreos embarcados; finalmente, a cooperação bilateral alargar-se-á ao domínio industrial através dos programas de aquisição de porta-aviões.
[ http://www.defense.gouv.fr/actualites/discours_divers/2003/d050203/050203.htm ].

A INDÚSTRIA ARMAMENTISTA EUROPEIA

Os encontros bilaterais das potências europeias não foram em vão nos seus desígnios. Pouco depois das cimeiras relatadas, em Maio de 2003, os estados membros tomaram a decisão de contratar a aquisição de 180 aviões de transporte militar Airbus A-400 M por € 20 mil milhões, bem como de ultrapassar divergências e pressões exteriores (norte-americanas) quanto ao relançamento dos projectos espaciais Galileo e Ariane. Beneficiam dessa adjudicação o grupo franco-alemão-espanhol EADS e o grupo britânico BAE Systems, que são proprietários da sociedade Airbus; com este contrato, a Airbus vê largamente compensadas as suas perdas nas vendas para a aviação civil e a EADS ascende ao terceiro lugar mundial no sector aeronáutico
[ http://www.newsmax.com/archives/articles/2003/5/27/150125.shtml ].

Os países da EU com maiores orçamentos para a defesa são, num primeiro plano, o RU e a França e, num segundo plano a Alemanha e a Itália; mas do ponto de vista de esforço em investigação e desenvolvimento tecnológico para fins militares, em primeiro plano estão o RU e a Espanha e, em segundo plano, a França e a Alemanha.

Por estes dados e pela sua íntima ligação com os EUA, o RU tem destacado protagonismo na indústria armamentista. A indústria armamentista britânica orgulha-se de representar 3% da produção industrial e deter 21% do mercado mundial desse ramo. É um sector industrial com marcada presença no RU mas de capital já completamente privatizado e fortemente internacionalizado, um negócio assumidamente “global”; mas a BAE Systems e a Rolls-Royce continuam sendo duas das maiores corporações deste ramo com base no RU não obstante estarem internacionalizadas.

A “Política de Indústria de Defesa” britânica, adoptada em Outubro 2002, poucos meses antes da cimeira franco-britânica de Le Touquet (Fevereiro de 2003) é conduzida pelo governo em íntima colaboração com a indústria através de um “Conselho de Indústrias de Defesa”. Esta política compreende três prioridades: fomentar a competitividade empresarial, explorar as aplicações militares de tecnologias de todas as origens (programas militares e civis, nacionais e estrangeiros) e abertura e alargamento do mercado nas perspectivas da importação e da exportação. O RU coopera activamente com os EUA, com a NATO e com a UE, através de encontros políticos ao mais alto nível, na “Defense Capabilities Initiative” (NATO) e no “European Union Headline Goal” e na futura “European Defense Capabilities Development and Acquisition Agency”. Claro que esta política conforma-se perfeitamente com o complexo militar-industrial, altamente integrado em alguns poucos grupos empresariais e globalizado, e muito activo na procura de investimentos e mercados [ http://www.deso.mod.uk/archive_030910_sp.htm ].

A SEGURANÇA REENTRA EM CENA

Desde 2003 a Segurança surge como uma nova palavra-chave no discurso oficial da UE e seus governos, associada a ameaças de terrorismo, de crime organizado e desastres naturais, mas invocando simultaneamente a segurança dos cidadãos e a competitividade económica.

Segundo a CE, a UE deverá investir numa “cultura de segurança” que tire partido das potencialidades da “indústria de segurança” e da comunidade científica, para enfrentar actuais e futuros “desafios de segurança”. O Conselho Europeu de 12 de Dezembro de 2003 adoptou a versão final da Estratégia de Segurança Europeia, identificando os desafios e as ameaças, bem como uma Acção Preparatória (comunicação COM(2004) 72, 3 de Fevereiro 2004) que, antecipando um Programa Europeu de Investigação para a Segurança (ESRP), a arrancar em 2007, estabelecerá uma agenda de investigação para o avanço da segurança. A acção preparatória parte, entre outras, da constatação de sub-financiamento em I&D na área da segurança, relativamente a outras regiões do mundo, e no potencial existente para a colaboração entre actuais domínios de investigação civis e não civis mas relacionados com a segurança. A base legal da ESRP será decidida e aplicada à luz do actual Tratado e dos desenvolvimentos conducentes ao futuro Tratado Constitucional, incluindo à criação de uma Agência com competências no desenvolvimento de capacidade de defesa, investigação, aquisições e armamentos. Como órgão de consulta da CE nesta área, foi constituído um Grupo de Personalidades - GOP (incluindo administradores empresariais, directores de instituições de investigação, altos responsáveis da defesa, figuras políticas destacadas, membros do PE, observadores de instituições intergovernamentais) presidido por dois comissários — Philippe Busquin e Erkki Liikanen. No seu relatório, o GOP considera que a ESRP contribuirá para o reforço da base de investigação científica e o incremento da competitividade industrial, portanto para o crescimento económico, e para ele propõe um orçamento adicional de € 1000 milhões/ano, que deverá contribuir para atingir a meta de Barcelona: 3% do PIB para I&D em 2010 [ http://europa.eu.int/comm/research/security/news/article_682_en.html ].

A Segurança inter-relaciona-se com diversas políticas actuais ou emergentes, incluindo a ESDP (Política Europeia de Segurança e Defesa) e CFSP (Política Comum de Negócios Estrangeiros e Segurança). Mas o vector económico é evidente. As decisões anteriormente referidas foram antecedidas pela comunicação da CE COM(2003) 113, de 11 de Março de 2003, intitulada “European Defense – Industrial and Market Issues: Towards a EU Defense Equipment Policy” em que as questões do mercado europeu de armamentos surgem como centrais
[ ftp://ftp.cordis.lu/pub/era/docs/communication_security_030204_en.pdf ;
http://europa.eu.int/eur-lex/en/com/cnc/2003/com2003_0113en01.pdf ].

A UE dispõe de importantes projectos directa ou indirectamente vocacionados para a defesa e a segurança, com destaque para o quadro da European Space Policy: Galileo, sistema de rádio-navegação por satélite, e o sistema global de monitorização ambiental e segurança, GMES, ambos em desenvolvimento pela CE em associação com Agência Espacial Europeia (ESA), que se prevê estejam operacionais em 2008. A ESA, consórcio europeu da indústria aeroespacial, é igualmente responsável pelos veículos de lançamento de satélites, presentemente o Ariane
[ http://europa.eu.int/comm/space/index_en.html ; http://www.esa.int/esaLA/index.html ].

A “segurança” vai-se afirmando como mais um e promissor pretexto de financiamento público de grandes corporações privadas e de consolidação de interesses económicos industriais, já poderosos mas insaciáveis, ou meramente emergentes; as indústrias aeroespacial, química, farmacêutica, telecomunicações, informática, serviços diversos, etc. terão renovadas ou inovadoras oportunidades de negócio; naturalmente que em prejuízo de aplicações sociais dos recursos públicos e certamente cerceando garantias fundamentais dos cidadãos europeus. A indústria da defesa pretende assim ganhar renovado alento ao passo que o seu segredo de “sucesso” se alarga à esfera de outros sectores industriais.

Entretanto, as razões económico-sociais, ideológicas e geopolíticas subjacentes aos terrorismos e aos crimes organizados persistem essencialmente inatendidas, se não agravadas, como manifestações intrínsecas do presente estádio de imperialismo global.

15 de Abril de 2004.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
19/Abr/04