As sanções contra a Rússia são um "gesto de
desespero"
por Maria Zakharova
[*]
Entrevistada pela RT
Pergunta:
Que impacto tiveram as sanções sobre as relações
entre a Rússia e o ocidente?
Maria Zakharova:
Infelizmente, a utilização crescente de medidas restritivas
unilaterais, politicamente motivadas, por um certo número de
países ocidentais, primariamente os Estados Unidos, tornou-se uma
realidade do nosso tempo. Encaramos as sanções contra a
Rússia como um "gesto de desespero" e uma
manifestação da incapacidade das elites locais de aceitar a nova
realidade, abandonar os estereótipos do seu pensamento baseado em blocos
e reconhecer o direito da Rússia de determinar independentemente seu
caminho de desenvolvimento e construir relacionamentos com os seus parceiros.
Aparentemente, eles acham difícil manusear os êxitos óbvios
da economia russa, a qual está tornar-se mais competitiva,
internacionalmente, e a maior presença de bens e serviços russos
de alta qualidade nos mercados mundiais.
A prática viciosa de impor restrições políticas e
económicas unilaterais, especialmente a aplicação
extraterritorial de tais medidas, é uma infracção à
soberania dos estados e interferência em seus assuntos internos destinada
a manter, a qualquer custo, sua posição dominante na economia
global e na política internacional, os quais eles estão a perder
gradualmente. A diplomacia está a ser substituída por
sanções; sanções ajudam a mascarar proteccionismo
comercial e também as tentativas de desviar atenção dos
seus problemas internos.
Bastante significativamente, o ocidente ignorou os apelos do
secretário-geral da ONU e do Alto-Comissário das
Nações Unidas para Direitos Humanos para suspender
sanções unilaterais ilegítimas sobre o fornecimento de
remédios, alimentos e equipamentos necessários para combater o
coronavírus durante a pandemia. Também não temos visto
qualquer interesse dos nossos parceiros à iniciativa do presidente russo
Vladimir Putin proposta durante a cimeira do G20 de criar corredores verdes no
comércio internacional, livres de sanções ou de outras
barreiras artificiais.
As restrições postas em prática contra o nosso país
sem dúvida tiveram um impacto negativo nas nossas relações
com o ocidente colectivo. Elas estão a minar a confiança
mútua e a ensombrar as perspectivas para a normalização de
relações. Embora não apoiemos de forma alguma o aumento da
espiral de sanções, aceitamos no entanto o desafio e respondemos
prontamente e de forma orientada. Dado o facto óbvio de que as
sanções anti-Rússia são uma arma de dois gumes que
não inflige menos danos a que a empunha, esperamos que o bom senso
prevaleça e que os nossos parceiros voltem a construir laços
connosco, confiando nos princípios da justiça e igualdade e
renunciando ao "direito do mais forte" e à invasão nos
assuntos soberanos de outros Estados. Deixámos claro reiteradamente que
não começámos esta guerra de sanções, mas
estamos prontos, a qualquer momento, a fazer a nossa parte para pôr fim a
esta confrontação inútil, no qual não haverá
e não poderá haver quaisquer vencedores.
Pergunta:
Quão forte é o impacto das acções ocidentais sobre
a economia russa?
Maria Zakharova:
A escalada da pressão das sanções recíprocas
está a ter uma influência negativa generalizada tanto sobre a
economia russa como sobre a ocidental. As avaliações dos danos
recíprocos variam devido à sua natureza objectiva, mas andam na
ordem das centenas de milhares de milhões de dólares. Sob estas
circunstâncias, continuamos a responder às
restrições de uma maneira equilibrada e adequada, guiados pelos
interesses do desenvolvimento económico nacional e dos operadores
económicos internos. Nestas acções, partimos do
princípio de "não causarmos danos a nós
próprios". Em parte, mantemos as nossas medidas económicas
especiais recíprocas, ou seja, restrições à
importação de certos produtos dos países que introduziram
sanções anti-Rússia. Estamos a consolidar o nosso sistema
financeiro nacional e à procura de novos parceiros internacionais,
incluindo os regionais. Também estamos a tomar outras medidas destinadas
a diversificar os nossos laços económicos estrangeiros. Estamos a
trabalhar em mecanismos económicos e legais para reduzir o impacto
negativo das restrições no desenvolvimento do comércio
bilateral e da cooperação em matéria de investimentos.
Elaborámos legislação que prevê medidas para
contrariar novas potenciais medidas unilaterais por parte dos Estados Unidos e
de outros países. Conseguimos em grande medida adaptar-nos aos desafios
externos e virar a situação a nosso favor, bem como lançar
programas de substituição de importações e de
desenvolvimento de indústrias internas avançadas e competitivas.
Pergunta:
Quais os passos que a Rússia está a tomar para reduzir a sua
dependência dos sistemas financeiros ocidentais?
Maria Zakharova:
A discussão sobre a necessidade de reduzir a dependência do
dólar como principal divisa mundial tem decorrido desde há pelo
menos uma década. As anteriores convulsões no mercado financeiro
dos EUA e a subsequente crise financeira e económica global exacerbaram
a vulnerabilidade da economia mundial ao domínio do dólar e
puseram em dúvida a sustentabilidade do sistema monetário mundial
baseado na supremacia de uma unidade monetária nacional. O actual
"voluntarismo" das sanções de Washington está a
tornar ainda mais duvidosa a fiabilidade das transacções em
dólares. Nestas condições, a tarefa de consolidar a
independência e a sustentabilidade do sistema financeiro face às
ameaças externas está a tornar-se cada vez mais uma prioridade
para qualquer Estado.
Pergunta:
Estará a Rússia destinada para sempre a ser dependente do US
dólar?
Maria Zakharova:
A fim de reduzir a dependência excessiva sobre meios de pagamentos
estrangeiros, os estados e os participantes dos mercados financeiros têm
de se adaptar às novas realidades, nomeadamente encontrando e
desenvolvendo mecanismos alternativos de liquidação. Nesta
perspectiva, o abandono gradual da configuração do sistema
monetário mundial centrado nos EUA é uma resposta objectiva a uma
combinação de factores. Passos consistentes nesta
direcção, em coordenação com os nossos parceiros
comerciais, ajudariam a fortalecer as moedas nacionais, bem como a minimizar os
potenciais danos económicos decorrentes de novas medidas restritivas que
os países ocidentais possam introduzir. Este trabalho exigirá sem
dúvida um esforço significativo para reformatar os modelos de
cooperação estabelecidos, para criar mecanismos de apoio e
funcionamento de novos sistemas de pagamentos mútuos e de
fixação de preços no mercado. A Rússia assinou
recentemente acordos para expandir a utilização de divisas
nacionais em pagamentos mútuos com a China e a Turquia. Existem acordos
semelhantes no âmbito dos BRICS. Observam-se tendências positivas
na EAEU [União Económica da Eurásia], com uma fatia
crescente de moedas nacionais nos pagamentos mútuos, bem como na
cooperação comercial e económica entre a Rússia e
os países da região Ásia-Pacífico e da
América Latina.
A possível desconexão da Rússia do SWIFT
[1]
é até agora considerada um cenário hipotético. No
entanto, está em curso um trabalho interdepartamental para minimizar os
riscos e danos económicos para o nosso país decorrentes do acesso
restrito aos instrumentos financeiros e mecanismos de pagamento internacionais
habituais. O Sistema de Mensagens Financeiras do Banco Central é um
exemplo de instrumentos alternativos. Estão também a ser
discutidas opções para acrescentar interface com os seus
homólogos estrangeiros, tais como a SEPA
[2]
europeia, a SEPAM
[3]
iraniana e as CUP
[4]
e CIPS
[5]
chinesas.
A cooperação entre o sistema de pagamento MIR russo e os seus
homólogos estrangeiros está a crescer, em particular, a UnionPay
chinesa, a JCB japonesa e o cartão Maestro internacional. Estes
cartões
co-branded
são aceites tanto na Rússia como no estrangeiro. Em particular,
já são possíveis várias operações com
eles na Arménia, Abcásia, Ossécia do Sul,
Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão
e Turquia. Ao mesmo tempo, isto é um processo longo e laborioso. E
é demasiado cedo para falar de quaisquer datas específicas para a
elaboração de um kit de ferramentas nacional e abrangente para
transacções de pagamento ou para a sua promoção nos
mercados internacionais.
Ao mesmo tempo, a Rússia está a explorar vigorosamente as
oportunidades oferecidas pelas modernas tecnologias digitais e o potencial da
sua utilização para aumentar a sustentabilidade, estabilidade e
independência do sistema financeiro nacional e dos meios de pagamento,
com um claro entendimento de que o dinheiro digital pode tornar-se no futuro a
base de um sistema financeiro internacional actualizado e de
transacções transfronteiriças.
Pergunta:
Poderá a Rússia alguma vez isolar verdadeiramente a sua economia
de uma política externa hostil?
Maria Zakharova:
Apenas um pequeno grupo de países em seu próprio
prejuízo está a seguir uma política hostil em
relação à Rússia. Em resposta, a Rússia
continuará a utilizar desafios externos como incentivos adicionais para
aumentar a estabilidade da sua economia, mobilizar a criatividade das empresas
nacionais, modernizar a produção e diversificar os laços
económicos.
Não vamos excluir o mundo exterior, o que é algo que os
iniciadores das sanções nos pressionam persistentemente a fazer.
Ao contrário, estamos sempre abertos ao diálogo sobre todos os
problemas ou preocupações e estamos prontos para uma
cooperação igual e mutuamente benéfica com todos os
países, mas só com base nos princípios da igualdade e da
consideração mútua de interesses. É assim que vemos
realmente relações internacionais estáveis.
Pela nossa parte, apoiamos fortemente uma ampla discussão internacional
sobre meios para contrariar as medidas unilaterais ilegítimas. Estamos
confiantes de que um diálogo sistemático deverá ajudar a
reduzir as preocupações da comunidade empresarial relativamente
à incerteza e instabilidade nos assuntos globais, que são
provocadas pela política unilateral e inconsistente do Ocidente. Ainda
hoje podemos ver que os iniciadores das sanções começam a
perceber, ainda que lentamente, que quaisquer medidas unilaterais causam danos
inaceitáveis a quem as toma e são inúteis e
contraproducentes.
03/Maio/2021
[1] SWIFT: Society for Worldwide Interbank Financial Transactions
[2] SEPA: Single Euro Payments Area
[3]
SEPAM
[4] CUP: China Union Pay
[5] CIPS: China International Payments System
[*]
Porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia
A versão em inglês encontra-se em
www.mid.ru/en/...
Esta entrevista encontra-se em
https://resistir.info/
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