O ocidente bate em retirada na Ucrânia
por M. K. Bhadrakumar
[*]
Considerando o enorme destaque dado pela Casa Branca à visita do
presidente ucraniano Petro Poroshenko na semana passada a "rara
honra" de discursar numa sessão conjunta do Congresso dos EUA
poder-se-ia pensar que a administração Barack Obama estava
a envolver-se num clima de elevada beligerância para com a Rússia.
Mas uma leitura atenta das
observações do presidente Obama
após a reunião bilateral com Poroshenko na quinta-feira passada
[18/Set] em Washington desperta dúvidas.
Obama é um político flexível que pode fazer uma retirada
parecer uma vitória. Ele já o fez no Afeganistão.
Estará a fazê-lo na Ucrânia? Considere o seguinte. Obama que
manifetou desdém pelo diálogo de Minsk tornou-se agora devoto do
mesmo.
Ele também está a advogar que a Ucrânia deveria ter
"boas relações com todos os seus vizinhos, tanto de Leste
como do Oeste" e recomenda que a Ucrânia deveria continuar seus
fortes laços económicos e relações de
povo-para-povo com a Rússia. Isto é do melhor Obama
(vintage Obama).
Estaremos nós a ver os sinais de Obama quase a aconselhar Poroshenko a
resolver as questões difíceis directamente com Moscovo? Assim
parece. Ao retornar a Kiev, Poroshenko
revelou
hoje que os EUA só fornecerão à Ucrânia material
militar "não letal", o que naturalmente fica aquém da
sua lista de desejos.
E, quanto à assistência económica, a Casa Branca concordou
em dar a principesca quantia de US$50 milhões para ajudar Poroshenko a
atravessar o ano de 2015. Isto é um tanto tragicómico, pois vem
num momento em que, segundo o FMI, a Ucrânia precisa de cerca de US$19
mil milhões no próximo ano, se a guerra civil continuar, a
título de assistência financeira para sobreviver ao longo de 2015,
além do programa global de salvamento para o país.
Enquanto isso, o FMI reviu a sua própria estimativa de seis meses
atrás e agora diz que é necessário um estarrecedor
salvamento
(bailout)
de US$55 mil milhões em financiamento externo para a Ucrânia.
Peritos prevêem
que este número poderia acabar por ficar mais próximo dos US$100
mil milhões do que dos US$55 mil milhões.
É uma brincadeira macabra dar uma esmola miserável de
US$50 milhões depois de atiçar a Ucrânia a ir à
guerra com a Rússia. De onde virão os restantes US$18450
milhões para a Ucrânia no próximo ano?
Bem, da Europa, de onde mais? E quem da Europa pagará? Não a
Polónia, não a Lituânia, não a Estónia. Isto
tem de vir da "Velha Europa". Basicamente, a Alemanha tem de afrouxar
os cordões da bolsa. A chanceler Angela Merkel deve estar a saltar como
louca.
Ao contrário de estimativas anteriores, a contracção da
economia da Ucrânia este ano pode revelar-se como de dois dígitos.
Tudo isto pode conduzir a um longo caminho a fim de explicar certos
desenvolvimentos intrigantes relacionados com a Ucrânia nas
últimas semanas: a) A
decisão sumária
da União Europeia de remeter o seu Acordo de Associação
assinado às pressas com a Ucrânia para o congelador até
pelo menos o fim de 2015; b) o forte apoio da UE ao
acordo de Minsk
entre Kiev e os separatistas no Sudeste da Ucrânia; c) a reunião
altamente secreta entre os ministros dos Estrangeiros da França,
Alemanha e Rússia do lado de fora da recente conferência
internacional em Paris quanto ao Estado Islâmico; d) o
tardio reconhecimento
da NATO de que a Rússia retirou tropas da fronteira da Ucrânia; e
e)
reunião entre os ministros dos Estrangeiros
da Rússia e dos EUA em Nova York ainda hoje.
Basta dizer que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pode estar a
conseguir uma grande vitória diplomática ao fazer com que o
Ocidente reconheça que Moscovo tem interesses legítimos na
Ucrânia. O Ocidente não tem opção senão
aceitar que a economia da Ucrânia está conectada a Moscovo com um
cordão umbilical e sem a firme cooperação russa ela
não pode ser salva.
Em retrospectiva, Moscovo fez bem em ignorar o mais recente conjunto de
sanções da UE anunciado três semanas atrás.
Já há sinais de que Poroshenko está a olhar Putin como,
talvez, o seu interlocutor mais consequente.
Ao mesmo tempo, Washington também deveria começar a perceber que
envolver Moscovo está a tornar-se uma necessidade para mobilizar
efectivamente uma campanha internacional contra o Estado Islâmico.
Poderia ser um sinal do rumo que está a tomar o vento que o antigo
secretário da Defesa britânico e deputado conservador, Liam Fox,
hoje tenha explicitamente acautelado a Europa e os EUA contra fazer
ameaças à Rússia acerca da Ucrânia.
Disse Fox: "Penso que é muito importante não pretender que
você [o Ocidente] poderá ou fará coisas que claramente
não fará. Fazer falsas ameaças, penso, é um grande
problema. Temos de encarar meios diferentes de tratar com a
situação ucraniana".
Bravo!
Não será de surpreender, portanto, se um dia destes Putin vier em
ajuda de Obama mais uma vez na Síria. A Rússia pode ajudar Obama
a legitimar a campanha internacional contra o Estado Islâmico pela
obtenção de um mandato para isso no Conselho de Segurança
da ONU; a Rússia pode ser útil na negociação (ou
falta dela) dos EUA com o presidente Bashar Al-Assad, da Síria. Sem
dúvida, a posição da Rússia (
aqui
,
aqui
e
aqui
) sobre a ameaça do Estado Islâmico é inequívoca e
em linhas gerais favorável à campanha internacional conduzida
pelos EUA.
A
única condição da Rússia
é que as operações dos EUA na Síria deveriam ter a
concordância do governo sírio e/ou deveriam ter um mandato da ONU,
mas então, o que impede Obama de procurar um mandato da ONU é
também a apreensão de que Moscovo possa não cooperar.
É bem possível que o gelo em relação à
Síria seja quebrado hoje na reunião entre Sergey Lavrov e John
Kerry em Nova York. A Nova Guerra Fria, que começou com um estrondo,
pode estar a acabar com um gemido.
24/Setembro/2014
Ver também:
Os prós e os contras dos Acordos de Minsk
O empréstimo do FMI à Ucrânia, sob a nova guerra fria
[*]
Antigo diplomata indiano.
O original encontra-se em
blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/09/24/west-beats-retreat-in-ukraine/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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