A revolução nos assuntos militares ainda não reconhecida
pelos ignaros
por Daniel Vaz de Carvalho
1 - A incapacidade das elites ocidentais de entenderem a realidade
O novo livro Andrei Martyanov (AM),
The (Real) Revolution in Military Affairs
[1]
prossegue e desenvolve teses anteriormente expostas em
"Losing American Supremacy: The myopia of American Strategic planning"
,
[2]
do qual, para além da descrição dos novos sistemas
militares russos, salientamos os seguintes pontos:
-
O grande problema com os manipuladores é acabarem por acreditar na
própria manipulação
-
O poder militar dos EUA é apenas eficaz contra Estados
política, económica e militarmente enfraquecidos.
-
A insanidade dos belicistas constitui um enorme perigo para a paz mundial.
Esta nova obra demonstra como o mito da invulnerabilidade dos EUA chegou ao fim
e como a sua capacidade militar está totalmente posta em causa. A
questão, porém, agrava-se com a disfuncionalidade do seu sistema
e dos seus "aliados"/satélites, que continuam a propagandear
os EUA como exemplo de defesa de democracia, direitos humanos e supremacia
geopolítica, enquanto agridem direta ou indiretamente outros
países.
O problema dos seus "cientistas políticos" é uma
obstinada falta de vontade de lidar com os factos (9). Assim não
é de surpreender que a mitologia do excecionalismo militar e
tecnológico dos EUA conduza a graves lacunas e a uma espécie de
miopia no seu planeamento estratégico (13).
A constante regurgitação de velhas verdades com novos
rótulos, serve apenas para a promoção da gente que as
inventa. Além disto, a educação das
populações sobre as questões militares e
geopolíticas é, em geral, feita por filmes e séries de
Hollywood que apresentam a guerra como um jogo de vídeo (25-28).
O extremamente baixo nível educacional do corpo jornalístico dos
EUA (109) pode ser observado na deturpação de processos
históricos, como por exemplo considerar fator decisivo para a derrota
nazi na 2ª Guerra Mundial o poder aéreo dos EUA (ou a
invasão da Normandia), quando 80% da máquina de guerra nazi foi
destruída na Frente Leste pela URSS (127-128).
2 - O liberalismo, a propaganda e a Armadilha de Tucídides
"Analistas militares" de poltrona não podem conceber nem
dispõem do mínimo de conhecimentos de matemática,
física, princípios de tática e operacionais para avaliar a
guerra moderna (2). Apenas grandes pensadores como Paul Craig Roberts (ou
Michael Hudson, Finiam Cunningham, André Vitchek, etc, publicados neste
site) reconhecem a crise económica e intelectual do liberalismo, bem
como o seu fracasso total em proporcionar qualquer resposta coerente acerca do
que é realmente um bom padrão de vida quando grande parte
da espécie humana que vive fora das fronteiras dos EUA suporta
diariamente a luta pela mera sobrevivência. Isto equivale a dizer que um
imenso número de pessoas, mesmo nações inteiras, tem de
combater pela própria vida (4 - 5).
A triste realidade é a luta pela vida devido a fatores não
naturais, como as sanções aplicadas ao Iraque que levaram
à morte de centenas de milhares de crianças ou a
destruição da relativamente estável e próspera
Líbia. (5) A que podemos acrescentar o Afeganistão, Síria,
Iémen, Venezuela, etc.
O liberalismo nas suas manifestações contemporâneas, tal
como a globalização capitalista, tem um recorde de usar as
ameaças como primeira ferramenta das relações
internacionais. A globalização é agressiva em primeiro
lugar porque se baseia em puros interesses económicos e em
convicções de superioridade cultural. (7)
O liberalismo dos EUA é um eufemismo para o imperialismo e capitalismo
financeiro. (108) Um país que desde 1945 é responsável
pela morte de milhões de civis com a destruição de
nações e culturas, que se retirou unilateralmente de tratados de
não proliferação, como o crucial de 1972 sobre ABM. Um
país que parece subestimar os efeitos da perda de qualquer sentido moral
e de uma completa falta de sabedoria (158).
A teoria militar dos EUA baseia-se no que é conhecido como a Armadilha
de Tucídides: "o crescimento do poder de Atenas e o alarme que isto
causava a Esparta, tornava a guerra inevitável" (16).
Esta tese é aplicada à China (ou à Rússia) em que a
proteção por meios militares e diplomáticos das suas zonas
marítimas e fronteiras é considerada uma ameaça aos EUA,
ignorando que estes países se encontram rodeados por largas dezenas de
bases militares dos EUA. Parece portanto que o direito de auto defesa
não lhes é reconhecido.
Os EUA, levados pela crença absurda no seu "excecionalismo",
vão ao ponto de não permitirem a emergência de outros
poderes económicos e militares paralelos (p. 185). Esta visão do
mundo, constitui uma convicção temerária, dadas as
consequências de "destruição mutuamente
assegurada" (acrónimo em inglês MAD) que os países
enfrentam, com o atual poder nuclear (17).
3 - O poder geopolítico dos EUA e os seus falsos princípios
As elites ocidentais exibem uma total incapacidade de compreensão das
realidades na idade dos mísseis. A desvalorização das
capacidades russas conduz a uma absoluta incompreensão dos problemas
militares que enfrentam. Por exemplo, "especialistas"
concluíam que a ponte que a Rússia construiu ligando a Crimeia,
tornava difícil grandes navios (da NATO) moverem-se entre o
Mediterrâneo e o Mar Negro. A questão que deveriam colocar
não era se podiam atingir o Mar de Azov, mas se "grandes
navios" da NATO sobreviveriam na viagem para a ponte da Crimeia (105).
Os gastos militares dos EUA são superiores à soma da despesa
militar dos sete países seguintes. Apesar disto é absolutamente
clara a continuada perda de capacidade militar face à
nação que pensavam ter derrotado na guerra fria. (47) Um
único submarino estratégico de mísseis da futura classe
Columbia custa tanto como oito submarinos da classe Borei (no mínimo
equivalentes) três dos quais já operacionais (48).
Os porta-aviões proporcionam grandiosas visões, mas a guerra
moderna deixa pouco espaço para estes navios (30). Uma simples salva de
vários 3M22 Zircon, cujo custo total é de algumas dezenas de
milhões de dólares, pode destruir estruturas navais, como os
porta-aviões, de dezenas de milhares de milhões de dólares
(49).
Os modelos usados para as definições geoestratégicas dos
EUA, mostraram estar completamente errados. Previam um firme declínio da
Rússia ao longo dos anos. As revelações de Putin em
março de 2018, não apenas demonstraram esses erros como tornaram
tais modelos irrelevantes (50).
Em 2015, Obama declarou que as sanções deixariam a Rússia
em frangalhos. Como a economia russa se porta bastante bem, pergunta-se com que
critérios foi analisada a realidade russa? (31) A narrativa
económica e militar dos EUA sofre portanto de uma dissonância
cognitiva, incapaz de encarar os factos e vive de grosseiros modelos
erróneos.
AM descreve e discute alguns modelos matemáticos da
avaliação militar e geoestratégica, mostrando como os
modelos utilizados pelos EUA e NATO pouco têm a ver com a realidade. Por
exemplo, ao considerar o PIB e as despesas militares como grandezas principais,
omitem que o seu PIB se encontra inflacionado pela especulação e
outro capital fictício, não podendo ser comparado com o da China
que se baseia em valores da economia real. Quanto às despesas militares
pouco contam quando se está perante a revolução militar
introduzida pelo armamento hipersónico (63).
Se o poder geopolítico se baseasse nas despesas militares, a guerra
genocida da Arábia Saudita contra o Iémen teria terminado
há muito, uma vez que as despesas militares sauditas equivalem às
da Rússia (134).
Os chamados estudos sobre a Rússia não passam de um conjunto de
lugares comuns, banalidades e ultrajantes mentiras (constantemente debitadas
pelos media) procurando enganar os povos da América e da Europa (162). A
Rússia já não vê os EUA como uma parte com a qual
valha a pena negociar. O ministro dos Negócios Estrangeiros Lavrov, ao
não responder a uma pergunta do correspondente do
Washington Post,
disse-lhe para escrever o que quisesse pois o que seria apresentado ao
público americano seria sempre deturpado (147-148).
Em 2018, numa sondagem conduzida pela Gallup, apenas 30% disseram aceitar a
liderança global dos EUA, tanto como para a Rússia ou a China.
Porém, escapou à Gallup que os EUA são invariavelmente
vistos como a principal ameaça à paz mundial (152).
4 - Acerca das capacidades militares dos EUA e da Rússia
Os adversários que os EUA encontrarão agora pela frente nada
têm a ver com a tremenda incapacidade tática e estratégica
do exército iraquiano (22) ou dos Talibans no Afeganistão.
O Irão tem capacidade de produção militar. As
milícias xiitas do Iémen mostraram não só as
capacidades militares derivadas do Irão como a fraqueza das defesas
anti-míssil dos EUA no ataque a instalações
petrolíferas da Arábia Saudita.
Em 2013 foi calculado que um ataque dos EUA ao Irão custaria à
economia mundial 2,8 milhões de milhões de dólares
só nos primeiros três meses. Note-se que o estudo não
incluía a extensão das perdas em vidas e material dos EUA, nem as
consequências geopolíticas de tal comportamento (138-139).
A Rússia dispõe de armamento convencional que permite atacar
alvos em termos operacionais ou estratégicos não apenas na
Europa, mas na América do Norte, sem falar da força de
dissuasão nuclear (56). As operações da Rússia na
Síria mostraram a extraordinária precisão dos
mísseis Kalibur X-101 com alcance de 5 000 km e 3M14 com alcance de 2
500 km lançados bem do interior da Rússia. Pela primeira vez na
sua história as instalações da NATO e EUA na Europa,
Médio Oriente e partes dos EUA estão dentro do alcance de
mísseis não balísticos, quer em versões
convencionais quer nucleares (57).
O míssil Zircon 3M22, com alcance superior a 1 000 km, velocidade Mach
9, e as suas versões aligeiradas para navios reescreveram totalmente a
guerra naval (68). O Zircon pode também ser lançado pela
aviação ou por submarino. Os EUA não podem ignorar que uma
salva de 2, 4 ou 6 mísseis hipersónicos não podem ser
parada por nenhum sistema dos EUA ou quaisquer outros (65).
A NATO enfrenta mísseis hipersónicos capazes de manobras evasivas
extraordinariamente rápidas, particularmente na
aproximação ao alvo, como o P-800 Onyx e os famosos Kalibr (85).
Os mísseis KH-32, podem aliás atacar alvos praticamente na
vertical (112).
O recente míssil Kinzal, Mach 10, alcance de 2 000 km (que cobre em 10
minutos), deixa vulneráveis as esquadras navais dos EUA, podendo ser
lançados de MiG-31K, fora do alcance da aviação inimiga
(91).
A guerra é por definição altamente probabilística e
as probabilidades são um elemento crucial da análise militar
(59). AM apresenta o cálculo de quantos mísseis defensivos seriam
necessários para derrubar um único míssil
hipersónico Zircon. Admitindo uma probabilidade altamente inflacionada
de 0,2, seriam necessários 11. Com uma probabilidade de 0,1 seriam
necessários 21. O quadro complica-se radicalmente considerando uma salva
de quatro Zircon, lançados de dois submarinos em diferentes
posições (66-67).
AM refere-se ainda aos avanços técnicos dos novos submarinos
ultra-silenciosos em termos de deteção a centenas de
quilómetros e do seu armamento de mísseis quer contra navios quer
contra outros submarinos.
As capacidades russas ficaram demonstradas ao permitirem que as
repúblicas do Donbass vencessem os exércitos numericamente
superiores de Kiev, nas devastadoras batalhas de Ilovaisk e Debaltsevo,
utilizando os meios russos de guerra eletrónica (EW) suprimindo as
comunicações do inimigo (85). Os modernos sistemas
estratégicos russos de interferências podem inviabilizar as
comunicações da NATO até 5 000 km. (157).
Na Síria uma salva de seis Kalibr lançados do moderno navio russo
SSK levou 15 segundos a ser lançada o que deixaria poucas
hipóteses à defesa antiaérea a reagir (99).
A aviação tem também sido objeto de intensa
modernização com os bombardeiros TU-22M3M que podem disparar
mísseis KH32 (1 000km, Mach 4) ou Kinzal (2 000km, Mach 9) (100). Quanto
ao SU-35 é considerado superior ao F-35, cujo medíocre desempenho
como invisível ou furtivo
(shelter aircraft)
e duvidosa sobrevivência num conflito real é reconhecida por
vários países da NATO (131).
Quanto aos mísseis defensivos são famosos os S-400, capazes de
deter os F-35 (118-119). O mais recente S-500 é capaz de realizar
intercetações exo-atmosféricas de mísseis
balísticos, derrubar aviões AWAC (centros de comando e controlo
dos EUA) estabelecendo zonas de exclusão para a aviação da
NATO, que teria de operar em zonas de densa EW russa (123-124). Sistemas laser
Peresvet estão também já disponíveis e o seu
desenvolvimento prossegue como um dos pilares da defesa russa (178).
A China tem atualmente o seu próprio programa de engenhos
hipersónicos e tem adquirido sistemas de defesa anti-míssil
S-400, criando um sério impedimento para eventuais ataques à
China. Segundo o estudo de um instituto australiano, os EUA não
são mais o poder dominante no Pacífico ocidental e teriam que se
esforçar muito para vencer um conflito contra a China, podendo mesmo
perdê-lo.
[3]
5 - O fim da invulnerabilidade dos EUA
Os EUA produzem resultados bastante medíocres no campo militar, mas
proporcionam contudo imensas teorias sobre como vencer guerras (7). O
nível de fantasia que percorre os EUA está patente no estudo de
uma "autoridade" em aviação de combate, D. Ochmaneck,
que "previu" que para derrotar a Rússia seriam
necessários 28 esquadrões de caças e sete
esquadrões de bombardeiros, cerca de 800 aviões (120). Esta
"autoridade" ignora as capacidades já demonstradas pela
Rússia em EW e que os aviões "invisíveis" dos
EUA são detetáveis pelos novos radares russos (121).
O recente míssil Avangard, capaz de Mach 27, torna qualquer sistema de
defesa inútil. Estão também já operacionais
mísseis de propulsão nuclear 9M730 Petrel, subsónicos,
praticamente sem limite de alcance ou tempo no ar que podem atacar nas mais
inesperadas direções (108-109). O novo míssil
balístico intercontinental RS-25 Sarmat, com alcance praticamente
ilimitado, pode atacar os EUA a partir do hemisfério Sul (184).
São paradigmas completamente novos para os falcões de Washington.
Os dissuasores nucleares da Rússia, e em menor grau da China, são
atualmente capazes de atravessar os existentes sistemas anti-balísticos
dos EUA e destruir este país (101). As elites do ocidente têm,
assim, graves conflitos com as realidades da era dos mísseis. Acreditam
que em caso de guerra entre a NATO e a Rússia, Londres, Bruxelas ou
Washington estariam muito longe de sofrer quaisquer danos. Nada pode estar mais
longe da verdade que o mito da retaguarda segura em que se baseiam os
planificadores da NATO e do Pentágono (106).
Os mísseis Zircon e Kinzal modificaram completamente a guerra naval. Num
cenário abstrato de guerra convencional, os EUA não poderiam
aproximar os seus porta-aviões mais perto que 2 000 km da linha de costa
russa, sob pena de os perder, tornando-se, portanto, inútil a sua
principal força de ataque (190).
Mesmo a China com o novo míssil YJ-12 contra navios constitui uma
séria ameaça ao poder naval dos EUA. O general norte-americano,
John E. Hyten, afirmou que o armamento hipersónico da China e da
Rússia, dada a sua velocidade e manobrabilidade pode derrotar a maior
parte das defesas existentes (...) não existem contra-medidas (93).
Trata-se de uma verdadeira revolução que altera a dinâmica
do poder global em que os EUA não podem mais ditar a sua vontade sem
receio de se tornarem eles próprios vulneráveis. Não
importa quanta quantidade de propaganda e auto-engrandecimento continue a
esconder este facto (112). Os EUA podem adiar o seu reconhecimento e as elites
no poder continuar a acender os rastilhos de uma guerra global, acreditando que
os EUA seriam poupados à morte e destruição planeadas para
outras terras. Esta crença é perigosa e absolutamente
ilusória (150).
Na Síria num ataque de 103 Tomahawk (misseis de cruzeiro) em abril de
2018 foram derrubados 71, apesar de a Síria apenas dispor de antigos
sistemas soviéticos, embora melhorados. Nem o S-300 ou o S-400 estiveram
envolvidos na operação (116-117). O receio de encontrar
mísseis S-200, impede Israel (e EUA) de fazer uso do F-22 ou F-35.
Acredita-se que um F-35 israelense tenha sido atingido na Síria (119).
Em fevereiro de 2019, Putin afirmou que a Rússia havia sido obrigada a
desenvolver o seu armamento não só contra as ameaças
diretas, mas também contra as regiões onde se localizam os
centros onde tais decisões tivessem sido tomadas (167).
Neste momento, nem sequer se pode falar de paridade entre os EUA e a
Rússia nos campos de defesa aérea, armamento hipersónico,
desenvolvimento de mísseis. Em todos estes campos os EUA perderam o
domínio tecnológico e estão largos anos atrás
(125). Isto, devido à sua miopia, arrogância, mitologias criadas e
inabilidade para aprender lições baseadas em factos e
cálculos exatos (132).
6 - Concluindo
O espantoso desenvolvimento do armamento russo provém dos tempos
soviéticos. Os elevados conhecimentos de física,
eletrónica, novos materiais, sobreviveram à época
criminosa de Yeltsin e dos "liberais", adorados como grandes
democratas pelo ocidente. A descrição que AM faz das capacidades
tecnológicas e militares já disponíveis na época
soviética mostram que a URSS não morreu de morte natural, nem se
suicidou, foi assassinada, contra a vontade esmagadora do seu povo, por
traidores que apenas desejavam partilhar com o imperialismo da pilhagem global
dos países dominados.
Já nos anos 1980 a URSS dispunha de mísseis contra navios e de
meios de deteção que utilizavam múltiplos tipos de
sensores (80-81). Desenvolviam-se mísseis hipersónicos, navios
eram equipados com radares capazes de deteção para lá do
horizonte, até 400 km (modo passivo) e 250 km (modo ativo). A URSS era
líder nas tecnologias de mísseis teleguiados (103).
A capacidade de defesa antiaérea foi posta à prova no Vietname:
só durante os 24 meses da operação Rollig Thunder os EUA
perderam 881 aviões. Em 1973, na guerra do Yom Kippur (19 dias) Israel
perdeu 100 aviões em grande parte devido aos mísseis SAM (113).
Para AM, o poder imperialista dos EUA corresponde exatamente ao que Lenine
definiu em "O imperialismo, estado supremo do capitalismo".
Porém, os EUA têm declinado não só militarmente, mas
também em termos ideológicos e económicos. Caído o
véu da propaganda e dos mitos da sua capacidade militar, o que resta
revelará um país que não poderá mais manter o atual
nível discricionário de despesa militar e endividamento.
As elites dos EUA tornaram-se temerárias porque não
dispõem de reais bases de conhecimentos militares. A sua crença
no "excecionalismo" constitui a principal ameaça à paz
mundial, porque o seu poder militar não é capaz de assegurar a
alegada supremacia, que continua a ser uma convicção fundamental
dessas pessoas (154).
A questão que se coloca é se os políticos dos EUA podem
ignorar a escala dos problemas que o seu país enfrenta (144). O povo dos
EUA está sujeito a uma incessante propaganda de promoção
de estilos de vida bizarros e estranhos conceitos esotéricos, admitindo,
embora escamoteando, as injustiças reais da sua radical
estratificação social (168).
Os EUA assumem-se como um poder benevolente capaz de espalhar a democracia
globalmente, inclusivamente por meio da força, o que é tão
absurdo como impossível. Baseiam-se em falsas premissas como,
hipocritamente, considerar que a Rússia apoia forças terroristas,
o que equivale a uma declaração de guerra, embora se demonstre
ser falso (153).
Dizer que o mundo está em mudança é um truísmo.
Porém, o mundo mudou claramente em 2014, quando a Rússia trouxe
de volta a Crimeia e não permitiu que os fantoches de Kiev capturassem
as jovens repúblicas do Donbass. Na Síria confirmaram-se as
capacidades militares da Rússia, criando um forte abalo de histeria nos
EUA (168).
O aparecimento na Venezuela de conselheiros militares russos é um claro
aviso aos EUA de que não deixariam cair este país nas mãos
de uma conspiração de lacaios treinados e financiados pelos EUA
(170). A Coreia do Norte não se deixou intimidar e voltou-se para a
Rússia (e a China) como garantias da sua segurança. A China
não se deixou intimidar e continua o desenvolvimento massivo do seu
armamento (171).
A menos que desencadeiem um holocausto nuclear, no qual seriam certamente
aniquilados, a era do imperialismo dos EUA está acabada, embora
não tenhamos ainda visto o fim da sua autoproclamada
posição hegemónica (173).
Os EUA mantêm pelo mundo um imensamente dispendioso aparelho militar
inútil em caso de conflito face à moderna tecnologia. Contudo,
ter no poder fanáticos que têm zero qualificações em
assuntos externos ou especialmente sobre a guerra moderna é a receita
para o desastre.
Poderá a elite dos EUA produzir um verdadeiro homem de Estado? A
resposta é não. Nos EUA a elite política está
ocupada com a sua própria reeleição e a tratar de obter
subsídios para as suas campanhas. As suas burocracias (e da UE)
estão recheadas de advogados, economistas, jornalistas, "cientistas
políticos" que não fazem a mínima ideia do que seria
uma guerra com a China, para não falar da Rússia (163).
Como pode então ser possível evitar uma guerra global, quando as
elites que crescentemente conduzem o mundo para ela são ignorantes sobre
a real natureza dessa guerra?
Educar o povo em geral, pode ajudar, porém para além de teorias
controversas o importante é mostrar o que a guerra é em si: uma
sangrenta, horrível realidade que apenas traz morte, sofrimento e
destruição (27-28).
[1] Ed. Clarity Press, Atlanta, 2019, 225p., ISBN13 9781949762075.
Entre parêntesis os números das páginas a que se referem
transcrições e comentários ao texto de AM.
[2] Ver
resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_1.html
e
resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_2.html
[3] Study: U.S. No Longer Dominant Power in the Pacific,
www.informationclearinghouse.info/52140.htm
Ver também:
"A revolução (real) nos assuntos militares"
, The Saker,
10/Dez/19
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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