Assange revolucionou o jornalismo e a elite nunca o perdoará
Privado de asilo pelo Equador e procurado pela Suécia e pelos EUA por
crimes duvidosos, o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, é um dos
homens mais perseguidos do planeta, o preço que tem de pagar pela sua
devoção à verdade numa era de enganos.
Quando se considera a verdadeira finalidade do jornalismo, resumida pela
falecida repórter americana Helen Thomas como "procurar a verdade e
aplicar pressão constante sobre os nossos líderes até
obter respostas", torna-se mais compreensível quão
inestimável é Julian Assange para antiga profissão. Isto
também explica porque algumas pessoas consideram-no uma ameaça
profunda.
Nestes tempos cínicos, quando muitos jornalistas estão contentes
por
servirem
como porta-vozes para os poderes instalados, este modesto australiano
ocupava-se a expor a superpotência americana quanto a questões
relativas a crimes de guerra, tortura e corrupção em alto
nível.
Aquela implacável busca da verdade, sem se importar com os riscos
pessoais que envolvia, explica porque este jornalista de 47 anos e programador
informática está hoje sujeita a tanta fúria e
perseguição patrocinada pelo Estado.
Na verdade, a simples perversidade da Embaixada equatoriana de revogar seu
asilo humanitário, permitindo dessa forma que as autoridades
britânicas prendessem Assange, será recordada como um dos dias
mais negros dos anais do jornalismo. E a situação promete piorar.
O destino do co-fundador da WikiLeaks pende na balança, com
responsáveis britânicos a decidirem se sim ou não o
extraditam para os EUA. Uma vez ali, ele poderia enfrentar a pena capital.
Enquanto isso, a Suécia reabriu um processo contra Assange por causa de
uma alegação de violação em 2010, um processo em
que o sistema legal britânico tem sido acusado de
interferência
flagrante.
O que isto demonstra é que as potências ocidentais estão
determinadas a ensinar uma dura lição para qualquer outra pessoa
que considerasse praticar o bom e tradicional jornalismo, para não
mencionar a ética, o que é exactamente o que Assange e a
WikiLeaks têm estado a fazer. Mas o heroísmo e a bravura
não começam e terminam magicamente com Julian Assange. De facto,
os heróis reais desta tragédia que se desdobra são os
muitos denunciantes Chelsea Manning, Edward Snowden e William Binney,
para mencionar apenas alguns que assumiram grande risco pessoal ao
revelarem milhões de documentos classificados num esforço para
provar que alguma violação da lei havia ocorrido ou ainda estava
a ocorrer.
Como compensação pelo seu sacrifício pessoal, o qual quase
sempre resulta em pesado tempo de prisão, os denunciantes só
pedem que os media revelem a informação de modo a que a sociedade
civil possa responder consequentemente. Mas os media
mainstream
parece ter perdido o seu apetite pela confrontação com o
establishment.
Na verdade, como poderiam eles não perder quando o próprio
establishment
possui
os media, aferrolhados para o obedecerem ao pé da letra? E se eles
possuem os media, então é lógico que eles possuam os
repórteres, os quais nada têm em comum com pessoas como Julian
Assange.
Hoje, há um tipo muito particular de jornalistas que os media mainstream
preferem; pessoas que têm um grande ponto fraco nos seus
corações e cérebros quanto a sangue e violência
não provocada. Tome-se por exemplo Brian Williams, da MSNBC, o qual em
2017 chamou de "belo" o lançamento de um míssil contra
a Síria a partir de um navio da US Navy. Ou o apresentador da CNN Fareed
Zakaria que, ao comentar o mesmo ataque de míssil, disse: "Penso
que Donald Trump tornou-se presidente dos Estados Unidos na noite
passada". Será a abertura de agressão militar contra um
estado soberano o que é preciso hoje para ganhar o apoio dos media
mercadores da morte?
Na verdade, os media afastaram-se muito daquele momento dourado em 13 de Junho
de 1971 quando o
New York Times
publicou
os 47 volumes do Pentagon Papers, os documentos top secret que
revelavam o processo de tomada de decisão na Guerra do Vietname, porque,
nas palavras do editor do Times, Arthur Ochs Sulzberger, "o povo ter o
direito de saber".
Compare-se agora aquele apelo ético ao julgamento com o modo como Julian
Assange, um jornalista com muitos prémios acumulados, está a ser
maltratado
hoje exactamente pela mesma publicação quando ela o liga, sem
qualquer prova, ao assim chamado escândalo do "Russiagate",
indubitavelmente a mais fantástica teoria da conspiração a
captar a imaginação do público desde a Guerra do Iraque. O
Reino Unidos contribuiu com a sua parte para enlamear e silenciar Assange,
cortando-o da Internet na Embaixada equatoriana após o tweet dele a
dizer que a Grã-Bretanha estava empenhada numa "propaganda de
guerra" contra a Rússia.
Pessoalmente, acredito que o que está a acontecer em
relação a Julian Assange e à WikiLeaks é apenas o
último capítulo da "herança" dos media
mainstream a tentarem reafirmar o poder e influência que têm estado
a perder desde há muitos anos. De facto, a fundação da
WikiLeaks em 2006 podia ser encarada como um momento decisivo na moderna
história dos media, o ano em que Assange ajudou a revolucionar o
trabalho de jornalistas em todo o mundo nos seus esforços para sujeitar
autoridades públicas a responsabilizarem-se pelas suas
acções.
Contudo, é importante recordar que o nascimento da WikiLeaks não
ocorreu num vácuo. Mais ou menos ao mesmo tempo, plataformas de media
sociais como o Facebook começaram a aparecer em cena como vanguarda dos
geradores de notícias, opinião e informação, como
fontes de notícias alternativas internacionais, as quais davam aos
consumidores de notícias fontes adicionais de informação
vital.
Embora a lógica e o senso comum nos diga que mais
informação é naturalmente uma vantagem, pois permite
às pessoas tomarem decisões melhor informadas, nem tudo é
excitante na paisagem dos novos media, como o lamentável caso de Julian
Assange pode confirmar.
Hoje, quaisquer pessoas com espírito aberto, qualquer indivíduo
idealista que espera proporcionar um espaço informacional melhor
informado e menos concentrado, são encarados como os inimigos de uma
tecnocracia rastejante que tem como objectivo trazer todas as notícias e
informações para debaixo do seu domínio. Para os monstros
do universo dos media, não há qualquer outra opção
excepto maior controle uma vez que esta é a única realidade que
eles sempre conheceram. E com a tecnologia disponível agora à sua
disposição, incluindo a manipulação de algoritmos
para controlar o que o público pode ver, o trabalho jornalístico
de pessoas como Julian Assange é mais crítico do que nunca. Nada
menos do que a verdade está em causa.
14/Maio/2019
Ver também:
https://twitter.com/wikileaks
[*]
Jornalista, americano, foi editor-chefe de
The Moscow News,
é co-autor do livro
Midnight in the American Empire,
@Robert_Bridge
O original encontra-se em
www.rt.com/op-ed/459324-assange-elite-journalism-sweden/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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