A caixa de vidro blindado é um instrumento de tortura

por Craig Murray [*]

Assange na caixa de vidro blindado do tribunal de Woolwhich. Na audiência separada de quinta-feira acerca de permitir a Assange sair da caixa blindada para sentar-se com a sua equipe jurídica, testemunhei directamente que a decisão de Baraitser contra Assange foi por ela lida ANTES de ter ouvido o advogado de defesa apresentar os seus argumentos; e que ela os leu sem qualquer modificação.

Posso começar por explicar a minha posição na galeria pública em relação à juíza. Durante toda a semana sentei-me deliberadamente na frente, no banco direito. A galeria dá para uma janela de vidro blindado com uma altura de cerca de dois metros acima da sala de audiência. Ela corre de um lado do tribunal e a extremidade direita da galeria pública está acima da tribuna da juíza, a qual se senta abaixo perpendicular à mesma. Surpreendentemente, portanto, nos assentos do lado direito da galeria pública, tem-se uma visão ininterrupta do topo de toda a tribuna do juiz e podem-se ver todos os documentos do juiz e a tela do computador.

O advogado Mark Summers sublinhou que, no caso Belousov vs Rússia o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, decidiu contra o Estado da Rússia porque Belousov fora julgado numa gaiola de vidro praticamente idêntica na sua construção e posição em tribunal àquela na qual agora estava Assange. Isso prejudicou a sua participação no julgamento e o seu livre acesso a advogados e privou-o de dignidade humana como réu.

Summers continuou dizendo que era prática normal para certas categorias de prisioneiros não condenados que fossem libertadas do banco dos réus para se sentar junto aos seus advogados. O tribunal tinha relatórios psiquiátricos sobre a depressão clínica extrema de Assange e, de facto, o guia das melhores práticas do Departamento de Justiça do Reino Unido declara que pessoas vulneráveis deveriam ser libertadas para se sentarem ao lado dos seus advogados. Não estava a ser solicitado tratamento especial para Assange – ele estava a pedindo para ser tratado como qualquer outra pessoa vulnerável.

A defesa foi obstruída pela sua incapacidade de se comunicar confidencialmente com seu cliente durante as audiências. Na próxima etapa do julgamento, onde testemunhas estavam a ser examinadas, a comunicação oportuna era essencial. Além disso, os advogados não podiam falar com ele senão através de uma fenda no vidro, com audição ao alcance dos agentes da empresa privada de segurança que o vigiavam (ficou claro que eles eram Serco, não do Grupo 4, como Baraitser havia dito no dia anterior) e na presença de microfones.

Baraitser ficou de mau humor neste ponto e falou com um tom de voz incisivo. "Quem são aquelas pessoas atrás de si na fila de trás?" perguntou sarcasticamente a Summers – uma pergunta de que sabia muito bem a resposta. Summers respondeu que faziam parte da equipe jurídica de defesa. Baraitser disse que Assange poderia contactá-los se tivesse algo a transmitir. Summers respondeu que havia um corredor e um muro baixo entre a caixa de vidro e a posição em que estava e que tudo o que Assange podia ver por cima do muro era o topo da sua nuca. Baraitser disse que vira Assange chamar. Summers disse que gritar no tribunal não era nem confidencial nem satisfatório.

Fui advertido agora que é definitivamente uma ofensa publicar a foto de Julian na sua gaiola de vidro, ainda que eu não o tivesse feito e que esteja absolutamente por toda a Internet. Também vale a pena notar que estou de volta ao meu país, a Escócia, onde meu blog se baseia, e nenhum deles está sob a jurisdição do tribunal inglês. Mas estou ansioso para não lhes dar uma desculpa para me afastarem da audiência, portanto removi-o, mas pode vê-lo aqui .

Esta é a foto tirada ilegalmente (não por mim) de Assange no tribunal. Se olhar cuidadosamente, poderá ver que há uma passagem e uma cerca baixa de madeira entre ele e a fila de trás dos advogados. Pode ver também um dos dois agentes prisionais da [empresa] Serco a guardá-lo dentro da caixa.

Baraitser disse que Assange poderia passar notas e ela testemunhata notas a serem passadas por ele. Summers respondeu que os funcionários do tribunal haviam agora proibido a passagem de notas. Baraitser disse que eles poderiam falar deste assunto com a Serco, que era um assunto para as autoridades prisionais.

Summers afirmou que, ao contrário da declaração de Baraitser no dia anterior, ela realmente tinha jurisdição sobre a questão de libertar Assange do banco dos réus. Baraitser interveio para dizer que agora aceitava isso. Summers disse então que havia produzido certo número de elementos para mostrar que Baraitser também estava errada ao dizer que estar em custódia só poderia significar estar no banco dos réus. Pode-se estar sob custódia em qualquer lugar dentro do recinto do tribunal ou mesmo fora dele. Baraitser ficou muito irritada com isso e afirmou que só havia dito que a entrega à custódia do tribunal devia ser igual à entrega à caixa de vidro.

Ao que Summers respondeu de forma memorável, agora muito zangado: "Bem, isso também está errado e tem estado errado nos últimos oito anos".

Concluindo o argumento, Baraitser emitiu seu julgamento sobre essa questão. Agora, a coisa interessante é isto e sou uma testemunha ocular directa. Ela leu seu julgamento, o qual tinha várias páginas e foi escrito à mão. Ela o havia trazido consigo para o tribunal num pacote e não fez nenhuma alteração. Ela havia escrito seu julgamento antes de ouvir Mark Summers falar.

Seus pontos-chave eram que Assange era capaz de se comunicar com seus advogados gritando a partir da caixa. Ela o viu passar notas. Ela estava disposta a adiar o tribunal a qualquer momento para que Assange pudesse descer e falar com seus advogados para discussões nas celas, e se isso prolongasse a duração da audiência de três para seis semanas, isso poderia tanto tempo quanto necessário.

Baraitser declarou que nenhum dos relatórios psiquiátricos prévios que dispunha afirmava que era necessário que Assange deixasse a caixa blindada. Como essa pergunta não fora feita a nenhum dos psiquiatras havia feito – e muito provavelmente nenhum sabia nada acerca da disposição física do tribunal – isso não é surpreendente

Tenho estado a perguntar-me porque é tão essencial para o governo britânico manter Assange naquela caixa, incapaz de ouvir audiências ou instruir seus advogados em reacção a provas, mesmo quando um advogado do governo dos EUA declarou que não tinha objecção a Assange sentar-se com os seus advogados.

A resposta está na avaliação psiquiátrica de Assange dada ao tribunal pelo extremamente ilustre professor Michael Kopelman (que é familiar a todos os que leram Murder in Samarkand ):

"O Sr. Assange mostra virtualmente todos os factores de risco que investigadores de Oxford descreveram em prisioneiros que ou se suicidam ou fazem tentativas letais. … Estou tão confiante quanto um psiquiatra pode estar de que, se a extradição para os Estados Unidos se tornasse iminente, o sr. Assange encontraria um meio de se suicidar".

O facto de que Kopelman, como disse Baraitser, não declarar especificamente que a caixa de vidro blindado é má para Assange não reflecte nada mais do que facto de não lhe ter sida feita aquela pergunta. Qualquer ser humano com um mínimo de decência seria capaz de extrair a inferência. O argumento estreito de Baraitser de que nenhum psiquiatra declarara especificamente que ele deveria ser libertado da caixa blindada é espantosamente insensível, desonesto e desumano. Quase certamente nenhum psiquiatra havia concebido que ela determinaria a imposição de tal tortura.

Então, por que Baraitser está a fazer isso?

Acredito que o confinamento de Assange, um geek intelectual da informática, à maneira de Hannibal Lecter não tem qualquer base racional, é uma tentativa deliberada de levar Julian ao suicídio. O tribunal antiterrorista de segurança máxima encontra-se fisicamente dentro do complexo da fortaleza que abriga a prisão de alta segurança. Ele é conduzido algemado e sob forte escolta da sua cela de isolamento até a caixa blindada através de um túnel subterrâneo. Nestas circunstâncias, qual é a possível necessidade de ele ser despido e ter as suas cavidade investigadas continuamente? Por que é que ele não tem permissão para ter seus documentos judiciais? O mais revelador para mim foi o facto de não lhe ser permitido apertar as mãos ou tocar seus advogados através da fenda na caixa blindada.

Eles estão implacavelmente a impor-lhe a negação sistemática de qualquer conforto humano básico, como o toque das pontas dos dedos de um amigo ou a bloquear o alívio que poderia ter apenas por estar ao lado de alguém amigável. Eles estão a garantir a continuação dos efeitos psicológicos extremos do isolamento de um ano de virtual confinamento solitário. Um mínimo de conforto humano poderia fazer um enorme bem à sua saúde mental e resiliência. Eles estão determinados a travar isto a todo o custo. Eles estão a tentar fazer com que se mate a si próprio – ou criar nele a condição em que a sua morte por estrangulamento possa ser explicada como suicídio.

Esta também é a única explicação em que posso pensar porque estão a arriscar a criação de condições óbvias para julgamento nulo (mistrial). Pessoas mortas não podem recorrer.

Recordo que Julian é um prisioneiro que cumpriu sua sentença sem precedentes por se ter foragido sob fiança. Actualmente o seu status é supostamente o de um homem inocente a enfrentar acusações. Estas acusações são por nada, excepto pela publicação das revelações de Chelsea Manning de crimes de guerra.

Que Baraitser está a actuar sob instruções parece-me certo. Ela tem estado desesperada ao longo do julgamento para aproveitar qualquer oportunidade de negar qualquer responsabilidade pelo que está a acontecer a Julian. Ela declarou que não tem jurisdição sobre o seu tratamento na prisão e, mesmo quando tanto a defesa quanto a acusação juntas declaravam que era prática normal para os magistrados emitirem instruções ou solicitações ao serviço prisional, ela se recusou-se a aceitar isso.

Baraitser está claramente a tentar distanciar-se psicologicamente de qualquer responsabilidade no que está a ser feito. Para isto, ela fez uma série de negações de jurisdição ou capacidade de influenciar eventos. Ela tem dito que não tem jurisdição para interferir nas buscas corporais, algemas e remoção de documentos de Assange ou com o facto de ele ser mantido em solitária. Ela disse que não tem jurisdição para solicitar que seus advogados de defesa tenham mais acesso ao cliente preso a fim de preparar a sua defesa. Ela disse que não tem jurisdição sobre a posição dele na sala do tribunal. Ela sugeriu várias vezes que cabe à Serco decidir se pode passar notas aos seus advogados e à [empresa] Grupo 4 decidir se ele pode ser libertado da caixa blindada. Os momentos em que ela parece mais satisfeita de ouvir são aqueles em que o advogado de acusação, James Lewis, argumenta que ela não tem nenhuma decisão a fazer a não ser assinar a extradição porque está em boa forma e que o artigo 4 do Tratado não tem legitimidade legal.

Um membro da família Assange comentou comigo no final da primeira semana que ela parecia muito preguiçosa e, portanto, encantada por aceitar quaisquer argumentos que reduzissem a quantidade de trabalho que ela precisava fazer. Penso que é algo diferente disso. Penso que há um canto da mente dessa filha de dissidentes do apartheid que rejeita seu próprio papel na tortura de Assange e está constantemente a pedir: "Não tive escolha, não tinha responsabilidade". Aqueles que sucumbem ao mal devem encontrar o conforto interno que puderem.

Este artigo é totalmente gratuito para reprodução e publicação, inclusive em tradução, e espero que as pessoas assim o façam activamente. A verdade nos libertará.

02/Março/2020

Ver também:
  • wikispooks.com/wiki/Vanessa_Baraitser

    [*] Ex-embaixador britânico.

    O original encontra-se em www.craigmurray.org.uk/...


    Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
  • 04/Mar/20