por Bill Moyers e Scott Fogdall
[*]
Dizia-se que todas as estradas levavam a Roma. Ainda que exagerada, a imagem
está marcada na nossa mente, recordando-nos do implacável
engenho dos antigos romanos e da sua determinação em
controlar um império.
Durante séculos as estradas romanas ligaram províncias remotas
por meio de uma teia centralizada de poder. O poder das legiões
imperiais era nulo sem os meios para transportá-lo. O fluxo de
comércio o sangue vital da riqueza do império
também dependia da integridade das estradas. E como os cidadãos
romanos podiam ir a todo lugar, mais ou menos sem restrições nas
suas viagens, as ideias e elementos culturais circulavam com a mesma fluidez
que o comércio.
Tal como os romanos, nós americanos temos usado a nossa tecnologia para
construir uma infraestrutura extensa de portos, ferrovias e estradas, as quais
servem para o fortalecimento da nossa economia e para a mobilidade da nossa
sociedade. Mas por mais significativo que tenha sido isto, estas
infraestruturas parecem pouco importantes em comparação com o
potencial da Internet. Quase da noite para o dia, ela tornou mais fácil
do que nunca o envio e recepção de informação. Ela
abriu um vasto e novo mercado de ideias, e está a transformar o
comércio e a cultura.
Ela pode também revitalizar a democracia.
"Espere um minuto!", diz você. "Você não
pode comparar a Internet com o Império Romano. Não há
César electrónico, nenhum centro a controlar como é
utilizada a World Wide Web.
Você está certo até agora. A Internet é
revolucionária porque é o mais democrático dos media.
Tudo o que é preciso para aderir à revolução
é um computador e uma conexão. Nós não observamos
apenas, nós participamos, colaboramos e criamos. Ao contrário da
televisão, da rádio e do cabo, cujos assalariados criam
conteúdos destinados a nós pelas suas próprias
razões, com a Internet todo cidadão é potencialmente um
produtor. A prática da democracia pertence-nos.
Este acesso plenamente aberto é o princípio fundador da Internet,
mas pode estar a deslizar através dos nossos dedos. Quão
irónico se isto passasse irreparavelmente à história, no
próprio dealbar da Era da Internet.
A Internet tornou-se o principal campo de teste onde convergem as forças
da inovação, o poder corporativo, o interesse público e a
regulação governamental. A noção de um campo de
jogo nivelado aquilo que é chamado neutralidade da rede
já está sob o assédio de forças poderosas que
tentam inclinar o campo para sua vantagem. A maioria de Bush na FCC tem
reverenciado os interesses das grandes companhias de cabo e de telefone no
sentido de esvaziar, ou desfazer, o DNA básico da Internet, de abertura
e não discriminação. Quando alguns membros do Congresso
avançaram para restaurar a neutralidade da rede, eles foram demovidos
pelos lobbystas muito bem pagos da indústria. Isto aconteceu de acordo
com as práticas padrão de um Congresso arrendado com pouca
percepção pública e escassa atenção da
imprensa. Houve um blackout semelhante 10 anos atrás, quando, no
Telecommunications Act de 1996, o Congresso mutilou o panorama dos media. Eles
deram uma punhalada no coração da rádio, dispararam uma
onda de consolidações que deixaram as grandes companhias de media
tornaram-se ainda maiores, e entregaram às ricas
corporações gratuitamente ondas públicas que
valem milhares de milhões.
Desta vez eles não podiam manter secreto o que estavam a fazer. Correu
a notícia de que sem a participação pública estas
mudanças podiam conduzir a fenómenos preocupantes o
ascenso de impérios digitais que limitam, ou mesmo destroem, as
capacidades de pequenos utilizadores da Internet. Organizações
de todo o espectro político desde a Coligação
Cristã até a MoveOn.org juntaram-se em protesto, inundando
o Congresso com mais de um milhão de cartas e petições
para restaurar a neutralidade da rede. Muitos políticos responderam no
sentido de manter o futuro em causa.
Na essência isto é uma luta acerca do papel e das dimensões
da liberdade humana e do livre discurso. Mas é também um choque
contemporâneo de um debate velho de séculos sobre a economia do
mercado livre e a regulação governamental, um debate que encontra
Adam Smith mencionado tanto pelos advogados da acção
governamental a fim de proteger o viajante online médio como pelos que
se opõem de todo a qualquer regulação.
Em
A riqueza das nações,
Smith argumentou que só negociações livres de
comerciantes e consumidores podiam assim assegurar prosperidade
económica. Mas ele também advertiu contra a
formação de monopólios poderosos mamutes que
enfrentam pouca ou nenhuma competição. A nossa história
ultrapassa a sua herança. Considere-se a explosão da
indústria e o reinado dos barões ladrões durante a
primeira Era Dourada nas últimas déxada do século XIX.
Assentamentos e cidades começaram a preencher o continente, estimulados
por um avanço tecnológico crucial: a ferrovia. Quando as
companhias ferroviárias cresceram, elas fundiram-se em
monopólios. Comerciantes e agricultores foram muitas vezes onerados com
estranhos preços de fretes até a década de 1870,
quando as Granger Laws e outras formas de regulação
pública proporcionaram alguma protecção aos clientes.
Mais ou menos na mesma altura, o químico Samuel Andrews inventor
de um novo método para refinar petróleo transformando-o em
querosene associou-se a John D. Rockefeller na criação da
Standard Oil Company. No fim do século a Standard Oil havia forjado um
monopólio, controlando uma rede de oleodutos e ferrovias que abarcava o
país. A competição tornou-se praticamente
impossível quando a companhia mamute manipulava preços e esmagava
desventurados rivais uns após os outros. Só com a
aprovação do Sherman Anti-Trust Act em 1890 o público teve
alguma esperança de recurso contra a força esmagadora do poder
económico e político concentrados. Mas, menos de um
século depois um punhado de grandes companhias montaria
monopólios sobre a difusão de rádio e TV, jornais, cabo e
mesmo o sistema operativo de computadores, e o seu domínio ficaria
essencialmente não desafiado pelo governo americano.
Agora temos uma infraestrutura de Internet que está a evoluir
rapidamente, por mais de um caminho. Como acontecia frequentemente nas antigas
estradas de Roma, em breve os ciber-transeuntes poderão encontrar-se a
ter de pagar para viajar livremente. Nossos novos monopolistas digitais querem
utilizar o seu novo poder para reverter o modo como a Internet funciona agora:
permitir que aqueles com maior poder financeiro encaminhem o seu
conteúdo por avenidas rápidas, enquanto colocam outros em ruas
congestionadas. Se eles tiverem êxito na tomada de um meio que tem
natureza essencialmente democrática e na monetização de
todos os seus aspectos, a América dividir-se-á mais uma vez entre
os ricos e os pobres e entre aqueles que têm acesso ao conhecimento e
aqueles que não têm.
As companhias destacam que tem havido poucas violações da
neutralidade da Internet. Não interfira com uma coisa que tem estado a
funcionar para toda a gente, dizem eles, não acrescentem salvaguardas
quando ninguém tem necessidade delas. Mas a geração que
vem aí, a qual herdará os resultados desta batalha de Washington,
sofrerá as consequências. Escrevendo em
The Yale Daily News,
o estudante Dariush Nothaft, depois de ouvir com respeito as
alegações da indústria, argumenta que:
No entanto, o poder da Internet como força social reage a estes
argumentos. Uma Internet não neutra desencorajaria a
competição, portanto custaria dinheiro aos consumidores e
diminuiria os benefícios da assinatura para acesso à Internet por
preços mais baixos. Ainda mais importante: as pessoas hoje pagar pelo
acesso à Internet com entendimento de que estão a acessar um
vasto campo nivelado de sítios em que serão guiadas unicamente
pelas suas preferências. A não neutralidade muda a própria
essência da Internet, tornando assim menos valioso o produto fornecido
aos utilizadores.
Assim, a Internet está a alcançar uma encruzilhada crucial na sua
espantosa evolução. Será que vamos modelá-la a fim
de ampliar a democracia na era digital? Será que garantiremos que o
comércio não é a sua única
contribuição para a experiência americana?
Os monopolistas dizem-nos para não nos preocuparmos. Eles
cuidarão de nós, e veremos que o interesse público
é honrado e a democracia servida pela mais notável das
tecnologias.
Eles disseram a mesma coisa acerca da rádio.
E acerca da televisão
E acerca do cabo.
Será que os historiadores do futuro falarão de uma Idade de Ouro
da Internet que acabou quando o século XXI começou?
20/Outubro/2006
Bill Moyers é o apresentador de "The Net At Risk," um
documentário especial difundido na PBS. Scott Fogdall trabalha com o
Films Media Group. Visite
www.pbs.org/moyers
.
O original encontra-se em
http://www.tompaine.com/articles/2006/10/16/against_an_imperial_internet.php
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.