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							Questões chave para entender a situação venezuelana (I)
						
								
									por Maria Páez Victor
									[*]
									entrevistada por Mohsen Abdelmoumen
 
							 Mohsen Abdelmoumen: Pode dizer-nos qual é a situação
								atualmente existente na
								Venezuela? 
 María Páez Victor: Existem seis questões-chave para
							entender a situação na Venezuela.
 
 1) O petróleo:
							
							a primeira coisa a entender é que tudo gira em torno do
							petróleo. A Venezuela tem as maiores reservas petrolíferas
							conhecidas do mundo inteiro num local altamente estratégico. Um
							navio-tanque do Médio Oriente demora 43 dias numa viagem para as
							refinarias do Texas, enquanto leva apenas quatro dias da Venezuela. As empresas
							petrolíferas e os governos que as apoiam, cobiçam o
							petróleo venezuelano. Se o país produzisse mangas, ninguém
							queria saber o que acontecia. O governo venezuelano assumiu o controlo da sua
							companhia de petróleo (PDVSA), abriu contratos de parceria de
							exploração de petróleo com empresas privadas, mas em que o
							Estado detém a maioria das ações, faz-lhes pagar impostos,
							que tinham estado em 1% durante 60 anos. O rendimento em vez de ser
							distribuído para a elite dos negócios do petróleo tem sido
							usado para financiar os serviços públicos que, durante
							décadas, não tiveram capacidade de responder às
							necessidades da população.
 
 2)	A soberania:
							
							um governo que não segue a linha dos Estados Unidos, não se
							verga às ditaduras neoliberais do FMI e do Banco Mundial, insistindo em
							que o seu povo é soberano e vai decidir sobre seu próprio futuro
							e se esforça para construir uma sociedade humanista e socialista,
							não será tolerado pela superpotência existente. Acima de
							tudo, um país da região, que os Estados Unidos consideram o seu
							"quintal". Como o governo venezuelano ousou nacionalizar seus
							recursos naturais, retirar o seu exército da infame Escola Militar das
							Américas e vender o seu petróleo outros países e
							não exclusivamente aos Estados Unidos!
 
 3) 	A guerra económica:
							
							Há um plano sistemático e estratégico, concebido por
							Washington para privar o povo venezuelano de alimentos e medicamentos. Seus
							executores são as grandes empresas, a elite empresarial e a banca. Isto
							não poderia ser mais evidente. Em 1972-1973, os Estados Unidos,
							indignados com o fato de Dr. Salvador Allende, um comunista 
							[NR]
							, ter ganho as eleições no Chile, prometeram a si próprio
							derrubá-lo. O Presidente Nixon disse: vamos fazer gemer a economia do
							Chile. E aconteceu. Antes do golpe terrível que ceifou a vida de
							Allende, a economia chilena foi objecto de açambarcamento, escassez
							induzida, inflação, manipulação monetária,
							sabotagem e contrabando. É o mesmo cenário na Venezuela, mas
							ainda pior. Há cinco anos que existe uma guerra económica; as
							elites económicas venezuelanas, os lacaios de potências
							estrangeiras, são de tal forma apoiados financeiramente que podem por em
							prática o açambarcamento, a sabotagem, o armazenamento, a
							manipulação monetária, exclusão financeira e o
							contrabando.
 
 4) 	Uma elite corrupta e racista:
							
							A elite da Venezuela controlou o governo durante anos  eles eram os
							beneficiários de todas as receitas do petróleo. Durante 40 anos,
							apropriaram-se e gastaram o equivalente a 12 planos Marshall. Em 1999, quando o
							presidente Hugo Chávez foi eleito, a pobreza situava-se entre 60 e 80
							por cento da população, a extrema pobreza e
							desnutrição afetava um terço da nação. A
							Revolução Bolivariana da Venezuela reduziu drasticamente a
							pobreza, a desnutrição e a marginalidade, forneceu cuidados de
							saúde universais e educação gratuita do
							jardim-de-infância à Universidade. Construiu dois milhões
							de habitações sociais nos últimos anos.
 
 A elite venezuelana tem demonstrado pela sua horrorosa violência na
							oposição que é egoísta, vil e racista, ao ponto de
							pagar a criminosos para atear fogo em edifícios públicos, matar
							transeuntes, atacar uma maternidade, atirar granadas de um helicóptero
							sobre o Supremo Tribunal, destruir transportes públicos, e o mais
							horrível incendiar jovens "que tinham ar de chavistas". Por
							outras palavras, que tinham a pele escura. Esta elite não se importa com
							o sofrimento do seu próprio povo desde que potências estrangeiras
							lhe dêem o governo que é incapaz de ganhar nas urnas. Os
							principais dirigentes da oposição têm viajado pelo mundo
							pedindo aos países poderosos para sancionar e isolar seu próprio
							país, diplomática e financeiramente sem se preocupar que
							alimentos e medicamentos escasseiem.
 
 5) Um excelente processo de eleição:
							
							É escandaloso, mesmo com este clima político de mentiras e
							desinformação, que se possa considerar que o governo venezuelano
							não é democrático e que o Presidente Maduro é um
							ditador. Em 19 anos, houve 23 eleições diferentes, todas
							supervisionadas por testemunhas nacionais e internacionais e o governo ganhou a
							maioria, mas também perdeu algumas. Lembremos o que o ex-presidente dos
							Estados Unidos, Jimmy Carter, declarou em 2012:   
							
								"Com efeito, em 92 eleições que acompanhámos, eu
								diria que o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo".
 
 A proteção antifraude do sistema é muito eficaz, pois cada
							voto tem três garantias: uma impressão digital, uma
							votação electrónica e um recibo em papel. Além
							disso, há uma forte presença de observadores nacionais e
							internacionais. Ironicamente, nem os Estados Unidos, o Canadá ou a
							maioria dos países europeus aceitam observadores internacionais nas suas
							eleições.
 
 6) Eleições presidenciais de 20 de maio de 2018:
							
							Os Estados Unidos e seus aliados estão envolvidos na subversão
							e na desqualificação da democracia venezuelana desacreditando
							às eleições presidenciais, de 20 de maio. Depois de terem
							agressivamente exigido estas eleições, agora condenam-nas e
							exigem que não sejam realizadas porque sabem que a maioria dos
							venezuelanos apoia o seu governo.
 
 Num incrível exemplo de hipocrisia e mentalidade colonial, o Parlamento
							Europeu aprovou uma resolução em 3 de maio (492 votos a favor,
							87, contra e 77 abstenções) exigindo que a Venezuela suspendesse
							as eleições presidenciais. Claramente, a arrogância
							europeia tende a exigir que outro país (mesmo fora da Europa!)
							não respeite sua própria lei, regulamentos eleitorais e acordos
							negociados com os líderes de sua oposição.
 
 O Canadá, Estados Unidos, União Europeia, a OEA
							(Organização dos Estados Americanos) e o auto proclamado Grupo de
							Lima dos lacaios da ala direita dos governos da região, atacam as
							eleições que haviam reclamado há um ano. As leis
							venezuelanas estipulam que deveriam ter lugar em dezembro de 2018, mas eles
							queriam eleições no ano passado. O governo negociou com a
							oposição na Republica Dominicana e uma data em abril foi
							acordada. A oposição pediu mais tempo e a data de 20 de maio foi
							acordada.
 
 Agora, a União Europeia disse que "não aceita" a
							eleição porque não há "garantias", sem
							especificar o que com isso pretendem significar e pedem um "retorno
							à ordem constitucional" sem alusão ou tentar conhecer e
							compreender as leis e a Constituição venezuelana.
 
 Na realidade, é a política da abstenção dos Estados
							Unidos que os principais líderes da oposição seguem para
							que as eleições possam ser desqualificadas. Eles recusaram
							apresentar-se às eleições e exortaram as pessoas a
							não votar.
 
 O governo pediu repetidamente a estes partidos da oposição para
							concorrerem às eleições. Tentam diabolizar um eficiente
							sistema eleitoral. Em suma, é uma montagem, um cenário para
							continuar a diabolizar, contrariar e sancionar um governo que querem derrubar.
							Felizmente, a oposição está dividida e alguns
							líderes estão presentes nas eleições, apesar das
							críticas dos seus próprios camaradas adversários.
 
 Enquanto isso, a mais conceituada empresa de pesquisas da Venezuela apresentou
							os resultados interessantes de uma sondagem relativamente às
							eleições presidenciais 20 de maio:
 
 
 
								
								86% dos venezuelanos rejeita qualquer intervenção internacional
								no país 
								
								70% dos venezuelanos dizem que participarão nas eleições
								 é mais uma derrota para a sector da oposição,
								apoiado por Washington, que apela à abstenção 
								
								55% dizem que vão votar Maduro 
								
								11% dizem que votarão Henri Falcon 
								
								2% que irão votar para Javier Bertucci 
								
								50% afirmaram que consideram a ação da Assembleia Nacional
								Constituinte: "muito boa, boa ou normalmente boa. ' 
								
								71% consideram que Maduro vai ganhar as eleições (2 de maio de
								2018, Telesur)
							 
							Há uma forte confiança de que a democracia na Venezuela
							está viva e bem, e é por isso que os Estados Unidos,
							Canadá, União Europeia e seus aliados têm medo.
							(NR) Allende foi membro do Partido Socialista chileno, não do Partido
									Comunista.
 Em resumo, os Estados Unidos e seus aliados no Canadá e na Europa
							estão envolvidos numa conspiração para derrubar o governo
							democrático e popular de Nicolas Maduro porque querem controlar as mais
							ricas jazidas petrolíferas do mundo localizadas na Venezuela e querem um
							governo servil e obediente que aceite subornos e permitirá que os
							Estados Unidos e suas transnacionais governem e oprimam o povo venezuelano,
							como fizeram nos últimos 40 anos antes do Presidente Hugo Chávez.
 
 Como explica a determinação do imperialismo dos EUA em querer
								desestabilizar todos os governos progressistas da América Latina?
 
 Haverá uma explicação adequada para a ganância, o
							preconceito e o orgulho de querer dominar o mundo?
 
 Há a questão dos recursos naturais dos quais os Estados Unidos
							necessitam para o seu capitalismo voraz. Eles esgotaram ou perderam recursos
							devido à falta de proteção ambiental e consumismo
							desenfreado. A região latino-americana brilha com suas riquezas
							incalculáveis como um outro El Dorado para este "capitalismo
							selvagem" como Chavez o designou.
 
 A procura de poder dos EUA é escondida pela ideia de seu
							"excecionalísmo", semelhante à adopção
							pelo Império britânico do "fardo do homem branco " como
							pretexto para oprimir outras nações. Há um
							histórico, uma evidência clara de que os Estados Unidos se
							têm oposto, desestabilizado, derrubado ou assassinado cada reformador
							progressista que apareceu na cena política da região desde
							há um século.
 
 As suas políticas agressivas remontam ao século XIX, quando
							roubaram ao México, por guerras e duplicidade, 50% de suas terras atuais
							do sudoeste, incluindo Califórnia, Texas, Novo México, Arizona,
							Nevada, Utah, Colorado, Wyoming, Kansas e Oklahoma. A doutrina Monroe é
							um colonialismo flagrante em que os Estados Unidos se atribuem a
							"proteção" da região.
 
 A Organização dos Estados Americanos (OEA) é o instrumento
							através do qual os Estados Unidos manobram para impor as suas
							políticas na região e a sua criação deu à
							sinistra Escola das Américas os meios pelos quais controlavam as
							forças armadas de diferentes países. O FMI e o Banco Mundial
							tornaram-se a isca venenosa pela qual as suas economias foram colocadas
							como reféns da armadilha da usura.
 
 A obstinação dos Estados Unidos é uma mistura de
							ganância  por recursos naturais e expansão para suas
							sociedades capitalistas  e também de preconceito. A sua
							tendência racista radica profundamente na cultura e na história
							dos Estados Unidos. Os restos de sua sangrenta guerra civil ainda são
							visíveis hoje no tratamento de cidadãos negros, que são de
							forma desproporcionada presos e mortos pela polícia. Pessoas negras e
							morenas da América Latina e do Caribe parecem ser consideradas
							inferiores. Recentemente, o Presidente Trump chamou aos mexicanos de criminosos
							e violadores e as Nações Africanas de "tocas de ratos".
 
 Qual é a sua análise sobre a demissão de Dilma Roussef e a
								detenção do ex-presidente Lula? Na sua opinião, é
								uma coincidência que se aprisione o ex-presidente Lula que todas as
								sondagens davam como vencedor nas futuras eleições brasileiras?
								Não acha que é uma manipulação vulgar e uma
								conspiração?
 
 Assistimos à corrupção do próprio quadro da
							democracia, como o entendíamos até agora. É o que chamamos
							de uma batalha jurídica pela qual o Parlamento e o sistema de
							justiça são manipulados para eliminar opositores
							políticos, desprezando as preferências eleitorais de um povo. Foi
							assim que Dilma Rousseff, Lula e Cristina Fernandez foram demitidos. Eles
							tentam fazer o mesmo com Rafael Correa que, mesmo fora do poder, é
							considerado uma ameaça. Eles tentam fazer o mesmo ao Presidente Maduro
							organizando processos extraterritoriais ridículos tentando manipular o
							direito internacional.
 
 Nada disto tem a ver com justiça ou democracia, mas sim com eliminar
							poderosos adversários políticos de outras maneiras que não
							eleições porque a direita é incapaz de obter o voto
							popular. Sua intolerância, sua mentalidade tacanha, as suas "medidas
							de austeridade" para reduzir o Estado de bem-estar social são
							questões que não levam as pessoas a votar para eles, a não
							ser, é claro, mentindo sobre o que pretendem fazer (como Macri e Lenin
							Moreno).
 
 A guerra jurídica torce e distorce o primado do direito, o que é
							algo muito perigoso. Estes adeptos do direito não respeitam as regras da
							democracia representativa. A fim de controlarem o governo, eles estão
							prontos a atacar os pilares do próprio Estado. Na sua
							corrupção, de acordo com as suas ambições, eles
							desacreditam o poder da justiça e o poder legislativo. Isto
							conduzirá inevitavelmente a ala esquerda e governos progressistas (e
							eles vão voltar ao poder) a reescreverem as regras da democracia,
							reforçando a democracia participativa, democratizando os bancos e os
							meios de comunicação, que são prostitutas na o altar da
							servidão desenfreada perante os poderosos, e implementarem novas leis
							criativas para proteger os direitos humanos e a vontade do povo.
 
 Como explica o facto da extrema-direita ter voltado em força na
								América Latina, nomeadamente no Brasil e na Argentina, depois de ter
								governos progressistas?
 
 Alguns governos progressistas, incluindo o Brasil, a Argentina e até o
							Equador, pensavam que a vitória eleitoral política era
							suficiente. Eles jogaram com um baralho de cartas, não se dando conta
							que estava marcado contra eles. Foi subestimado o poder da ala direita (e seus
							apoiantes estrangeiros), e não foi controlada a influência
							estrangeira. Por exemplo, apesar de os funcionários da embaixada dos
							Estados Unidos terem encontros com a oposição, recompensando-a e
							financiando-a, poucas coisas foram feitas durante muitos anos. Consultores
							estrangeiros e fundos estrangeiros foram encaminhados por ONGs para a
							oposição. Nada disto seria tolerado nos Estados Unidos, no
							Canadá ou na Europa. No Brasil, a mudança política sob
							Lula não se refletiu em mudanças estruturais e legais, como na
							Venezuela, e uma forte aliança com os movimentos sociais pecou por
							defeito.
 
 Uma das primeiras coisas que o Presidente Chávez fez foi pedir uma nova
							Constituição, que foi crucial para conseguir o tipo de
							mudança que o país precisava. Da mesma forma, na Venezuela, os
							movimentos sociais de todos os tipos (agrário, indígena,
							cultural, estudantil, focado em gênero, trabalhadores, etc) foram
							incorporados como atores na cena política, o que levou a uma profunda
							"consciência" (como diria o famoso educador brasileiro Paulo
							Freire) em que um povo se torna consciente de sua opressão, sua
							situação no campo político e começa a agir como uma
							classe unidos entre si (como Marx teria dito). Isto concretizou-se menos
							noutros países onde a direita chegou ao poder. Mas a experiência e
							a necessidade são grandes mestres, e as pessoas em países onde a
							direita tem agora o controlo irão em breve tomar outra
							direção.
 
 A verdade é que são os governos de esquerda que frequentemente
							restabelecem os direitos humanos e protegem a democracia na região. Os
							governos de direita na América Latina são incapazes de controlar
							o voto popular e chegam ao poder pela corrupção (Peru,
							Colômbia, Panamá), fraude (cidade do México), golpe de
							Estado (Honduras) golpes de Estado parlamentares e jurídicos (Brasil,
							Paraguai). Macri na Argentina e Moreno no Equador são as únicas
							exceções, porque eles claramente venceram as
							eleições, mas, diriam alguns, escondendo suas reais
							intenções. Nós veremos uma nova "maré
							vermelha" na região e mais cedo do que mais tarde, porque uma vez,
							as pessoas tenham tomado o gosto pela soberania, provavelmente não
							voltarão a deixarem-se acorrentar.
 
 
 Continua
 
 Ver também:
 O "Golpe de Mestre" dos Estados Unidos contra a Venezuela
								
								 Tribuna Popular, edição de 24/Maio/2108
 
 [*]
								Socióloga, venezuelana, doutorada em sociologia pela Universidade de
								York, Toronto, Canadá. Lecionou sociologia da saúde e da medicina
								bem como políticas de saúde e ambiente na Universidade de
								Toronto. É membro ativo da comunidade latino-americana no Canadá.
 
 O original encontra-se em 
								 mohsenabdelmoumen.wordpress.com/...
 
 Esta entrevista encontra-se em
								 http://resistir.info/
								.
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