O que o Pentágono oculta sobre uma possível
intervenção militar na Venezuela
por José Negrón Valera
A visceralidade com que Donald Trump maneja a sua política externa
levou-o a um beco sem saída na Venezuela. Arrastado pelos seus
operacionais político-militares no eixo Miami-Bogotá-Madrid,
encontra-se às portas de uma nova derrota diplomática que
afundará ainda mais a sua precária liderança internacional.
Uma guerra, travada através dos seus aliados na América do Sul,
parece ser a única opção, mas uma coisa é o
marketing
mediático e outra, muito diferente, é a realidade operacional.
O que não querem que se saiba
As Forças Armadas Bolivarianas mantêm-se unidas em volta da
Constituição do país e da liderança do seu supremo
comandante Nicolás Maduro. Para além de individualidades sem
qualquer peso real dentro do aparelho militar, não existe nada que nos
indique que o bastião que define a estabilidade do sistema
político na Venezuela vá desmoronar.
Gina Haspel, especialista em operações secretas, foi a grande
artífice da campanha para tentar quebrar a vontade das Forças
Armadas Bolivarianas. O seu objetivo é organizar e alimentar o
exército paralelo que se está a preparar na Colômbia e que
foi denunciado pelo governo venezuelano. Para isso, conta com amplos perfis dos
oficiais que foram afastados por atos ilegais ou pouco éticos, para
além de informações sobre aqueles que possuem dinheiro,
familiares e propriedades fora da Venezuela. Qualquer elemento é usado
como ponto de pressão.
Haspel precisa de uma vanguarda mediática, pois não pode mostrar
às câmaras de televisão o grosso do exército
paralelo, formado maioritariamente por paramilitares e elementos de bandos
criminosos, ligados fundamentalmente ao tráfico de drogas. No entanto,
apesar da crua guerra de intimidação, nada se conseguiu a
não ser declarações pontuais e tímidas que
desconhecem Nicolás Maduro. Se pensarmos que a Forças Armadas
Bolivarianas contam com mais de 500 mil efetivos e, neste momento, está
perto de incorporar mais de dois milhões de milicianos na defesa do
território, o que Haspel conseguiu é totalmente insignificante.
Outro aspeto corresponde à realidade interna de cada um dos
países que serão usados como ponta de lança para a
agressão bélica.
A Colômbia vive em guerra há mais de 50 anos. Neste momento,
goradas as conversações com o Exército de
Libertação Nacional (ELN) e com o incumprimento dos acordos de
paz firmados com as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC), o exército colombiano reconhece que deixaria
grande vulnerabilidade no seu próprio território se se
comprometesse num conflito fora das suas fronteiras.
A isso somamos a impossibilidade de a Colômbia fazer frente aos
deslocados, o que seria provocado por um conflito militar com a Venezuela.
O Brasil não está melhor. Neste momento, especula-se muito sobre
o verdadeiro estado de saúde do presidente Jair Bolsonaro. A narrativa
oficial atribui a operação a que ele foi submetido há mais
de uma semana ao acontecimento, ainda não esclarecido de todo, em que
foi apunhalado, enquanto era candidato presidencial. Uma luta pela
sucessão do poder parece estar a começar no Planalto. Se
acrescentarmos a esta tensão os indícios de
corrupção que Flávio Bolsonaro recebeu e a
rejeição do exército brasileiro de aceitar uma base
militar norte-americana no seu território, podemos concluir que as
condições políticas no Brasil não são nada
propícias para quem deseja envolvê-lo numa guerra.
O que temem os Estados Unidos?
A 3 de outubro de 1993, rebeldes somalis derrubaram dois helicópteros
Black Hawk, matando mais de 18 soldados das forças especiais e
ferindo outros 37. As imagens transmitidas por cadeias de notícias
como a CNN, em que se podia apreciar como os rebeldes desfilaram pelas ruas de
Mogadíscio com os corpos dos soldados, geraram tais protestos da
opinião pública nos Estados Unidos, que a
administração de Clinton se viu forçada a retirar as suas
tropas da Somália uns meses depois.
Numa época de intensa interligação digital, os Estados
Unidos não podem dar-se ao luxo de se submeterem a mais derrotas que se
tornarão virais instantaneamente. Por isso, optaram por subsidiar a
guerra através de mercenários, como aconteceu na Síria e
na Líbia, mas também por levar outros países a travar a
guerra em seu lugar. Não obstante, o problema continua latente:
estará a população brasileira e colombiana disposta a ver
os seus soldados mortos por um conflito cujos únicos beneficiados, tal
como referiu expressamente John Bolton, serão as empresas
petrolíferas norte-americanas?
Através da propaganda mediática, quis-se vender a ideia de que
uma guerra contra o país sul-americano seria uma espécie de
"operação cirúrgica", ao melhor estilo dos
filmes de Hollywood. Sem vítimas, para além dos combatentes
militares e civis que se oponham a que Nicolás Maduro seja afastado do
poder, e com os partidários da oposição escondidos
comodamente em casa, seguindo tudo em tempo real através das redes
sociais.
O Pentágono fez uma análise exaustiva das capacidades de
armamento venezuelanas e sabe que está a mentir quando afirma que a
intervenção será curta e que, além disso,
não encontrará resistência.
Yuri Liamin, especialista militar, considera que a prioridade dos Estados
Unidos é fraturar as Forças Armadas Bolivarianas, para não
ter de enfrentar o armamento russo que inclui sistemas de defesa aérea
de grande alcance S-300VM Antey-2500, Buk-M2E e o Pechora-2M de médio
alcance, assim como um grande número de tanques T-72B1V, BMP-3, BTR-80A,
SAU Msta-S, e armas autopropulsadas Noah-SVK, MLRS Grad y Smerch.
Liamin aponta especialmente para o poder aéreo do estado venezuelano que
conta com aviões de combate Su-30MK2
, o que o coloca como um dos primeiros da América do Sul.
Outra complexidade para os Estados Unidos são as forças
terrestres venezuelanas, equipadas com sistemas Igla-S MANPADS e ZU-23 /
30m1-4, assim como os comandos de operações especiais,
especialmente os grupos de franco-atiradores altamente treinados e apetrechados
com espingardas Dragunov SVD, capazes de deter, só por si, todo um
contingente de soldados inimigos.
Mas talvez o maior dos obstáculos para os que reclamam um desenlace
militar na Venezuela é precisamente a própria doutrina militar de
defesa integral do país, que contempla "a guerra de todo o
povo", assim como um sistema ágil e poderoso de treino, conhecido
por Método Tático de Resistência Revolucionária.
Se se cumprirem as expetativas do governo venezuelano para fortalecer a
Milícia Bolivariana com dois milhões de membros, antes de abril,
e para organizá-las em cerca de 50 mil unidades de defesa ao longo
de todo o território nacional, é possível gerar um
poderoso elemento de dissuasão (e mesmo de consciência) para quem
não quiser um desastre militar à escala continental.
O assédio psíquico como último recurso
Percebendo a realidade operacional, os Estados Unidos optaram, durante as
últimas horas, por manter saturadas as redes sociais com notícias
falsas e rumores sobre a entrada da 'ajuda humanitária' na Venezuela. A
intenção é tentar quebrar a unidade das Forças
Armadas Bolivarianas e do próprio povo venezuelano que apoia o projeto
bolivariano.
Enquanto os partidários da oposição se encontram
aterrorizados em casa, presos aos últimos áudios ou mensagens que
proclamam o fim do mundo, quem deseja a paz do país deve comprometer-se
numa opção que liberte a 'mente coletiva' do assédio que
se quer impor.
Isto não implica escolher um caminho passivo nem ignorar as
ameaças, mas dotá-las de novos significados: politizar de novo a
população em volta da necessidade do projeto político,
organizá-la e formá-la para a defesa do território,
conseguir o maior consenso e diálogo entre todos os setores que se
opõem à guerra e à intervenção militar; e,
por último, vencer a agressão económica a que se submeteu
o povo venezuelano.
Neste momento, o inimigo chama-se a falta de esperança e a sua arma mais
potente é a que tenta fazer crer que a Venezuela é um país
isolado, sem apoio, sem possibilidade de resposta perante uma agressão e
que espera resignadamente o apocalipse que lhe oferecem. Nada mais longe da
verdade.
Recordemos que, há 200 anos, este mesmo país venceu o que, nessa
época, era o império mais poderoso da terra. Oxalá
não seja preciso demonstrar de novo do que é capaz e se lhe permita,
tal como pedem os versos da poetisa palestina, Suheir Hammad, uma vida
afastada da tragédia bélica.
Não dançarei ao ritmo do seu tambor de guerra.
Não entregarei a minha alma e os meus ossos ao tambor da guerra.
Não dançarei ao seu ritmo.
Conheço esse ritmo, é um ritmo sem vida.
Conheço muito bem essa pele que vocês golpeiam.
Ainda fiquei viva depois de perseguida, roubada, expandida.
Não dançarei ao ritmo do seu tambor de guerra.
Não vou odiar por vossa conta, nem sequer vos vou odiar.
Não vou matar por vossa conta. E não vou morrer por vocês.
Não vou chorar a morte com assassínios nem suicídio.
Não dançarei com bombas só porque os outros estão a
dançar.
Podem estar todos enganados.
A vida é um direito, não um dano colateral ou casual.
Não me esquecerei de onde venho, tocarei o meu tambor.
Reunirei os meus amados e o nosso canto será dança.
O nosso zumbido será o ritmo. Não serei enganada.
Não emprestarei o meu nome nem o meu ritmo ao vosso som
Dançarei e resistirei, dançarei e continuarei e dançarei
Este bater do meu coração soa mais forte do que a morte
O vosso tambor de guerra não soará mais forte do que o meu alento.
12/Fevereiro/2019
O original encontra-se em
www.resumenlatinoamericano.org/2019/02/12/lo-que-oculta-
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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