Há cerca de vinte anos, quando me mudei para Hanói, a cidade
estava sombria, cinzenta, coberta de fumaça. A guerra terminara, mas
permaneciam terríveis cicatrizes.
Eu trouxe o meu veículo com tração às quatro rodas
do Chile e insisti em conduzi-lo pessoalmente. Foi um dos primeiros SUV da
cidade. Cada vez que conduzia, era atingido por scooters, que voavam como
projéteis pelas amplas avenidas da capital.
Hanói era linda, melancólica, mas claramente marcada pela guerra.
Havia histórias, histórias terríveis do passado. Nos
"meus dias", o Vietname era um dos países mais pobres da
Ásia.
Muitos patrimónios históricos, incluindo o Santuário My
Son, no Vietname Central, eram basicamente vastos campos de minas, mesmo muitos
anos após os terríveis bombardeios dos EUA. A única
maneira de visitá-los era em veículos militares de propriedade do
governo.
O prédio onde eu morava literalmente surgiu do infame "Hanói
Hilton", a antiga prisão francesa onde os patriotas e
revolucionários vietnamitas eram torturados, violentados e executados e
onde alguns pilotos americanos capturados foram mantidos durante o que é
chamada no Vietname a Guerra Americana. Da minha janela, podia ver uma das duas
guilhotinas no pátio do que então se tinha tornado um museu do
colonialismo.
Em 2000, Hanói não tinha um único centro comercial e,
quando chegámos, o terminal do aeroporto Noi Bai era apenas um pequeno
edifício, do tamanho de uma estação de ferroviária
da província.
Naqueles dias, para o povo vietnamita, uma viagem a Bangkok parecia uma viagem
a uma galáxia diferente. Para jornalistas como eu, que moravam em
Hanói, uma viagem regular a Bangkok ou Singapura era uma necessidade
absoluta, pois quase nenhum equipamento profissional ou peças de
substituição estavam disponíveis no Vietname.
Duas décadas depois, o Vietname tornou-se um dos países mais
confortáveis da Ásia. Um lugar onde milhões de ocidentais
adorariam viver.
Sua qualidade de vida cresce continuamente. Seu modelo socialista e de
planeamento central são claramente bem-sucedidos. O Vietname parece a
China, há cerca de vinte anos. Existem magníficos passeios nas
cidades de Hue e Danang, há a construção de modernas redes
de transporte público, além de instalações
desportivas. Tudo isto contrasta fortemente com a extrema tristeza capitalista
de países como a Indonésia e mesmo a Tailândia. O povo
vietnamita conta com a melhoria constante do saneamento, assistência
médica, educação e vida cultural. Com um orçamento
relativamente pequeno, o país está em muitas
situações a par de nações muito mais ricas da
Ásia e do mundo.
Seu povo está entre os mais otimistas do mundo. Nos três anos em
que morei no Vietname, o país mudou drasticamente. A tremenda
força e determinação do povo vietnamita ajudaram a
colmatar o vazio deixado após a destruição da União
Soviética e dos outros países socialistas da Europa Oriental.
Assim como a China, o Vietname optou, com êxito, por uma economia mista,
sob a liderança do Partido Comunista.
As intensas tentativas dos EUA e de países europeus de desviar o
país do sistema socialista, usando ONGs e indivíduos patrocinados
pelo Ocidente dentro do país, foi identificada e derrotada
decisivamente. Facções pró-comunistas e
pró-chinesas dentro do governo e do Partido dominaram aqueles que
tentavam empurrar o Vietname para o Ocidente. O que se seguiu foi um sucesso
significativo, em muitas frentes.
De acordo com o relatório
Southeast Asian Globe,
publicado em 1 de outubro de 2018, "o Vietname obteve o melhor desempenho
em 151 países num estudo que
avaliou a qualidade de vida versus sustentabilidade ambiental".
Esta não é a primeira vez que o Vietname tem um desempenho
excecional, quando comparado a outros países da região e do
mundo. O artigo explica mais adiante:
"O amplo estudo, chamado "Uma boa vida para todos dentro dos limites
planetários", publicado por um grupo de investigadores da
Universidade de Leeds, argumenta que precisamos repensar dramaticamente a
maneira como vemos o desenvolvimento e a sua relação com o meio
ambiente.
"Estávamos a trabalhar basicamente com vários indicadores e
relações diferentes entre resultados sociais e indicadores
ambientais", disse Fanning ao
Southeast Asia Globe.
"Tivemos a ideia de que se estávamos a analisar indicadores
sociais, poderíamos definir um nível que seria equivalente a uma
vida boa".
A pesquisa incluiu 151 países e o Vietname mostrou os melhores
indicadores.
"Os investigadores estabeleceram 11 indicadores sociais que
incluíam satisfação com a vida, nutrição,
educação, qualidade democrática e
emprego"."Surpreendeu-nos que o Vietname se tenha saído
tão bem no geral", disse Fanning. "Podia esperar -se que fosse
a Costa Rica ou Cuba, pois o Vietname normalmente não aparece como um
herói da sustentabilidade". Fanning estava a referir-se a dois
países que os pesquisadores esperavam ter bom desempenho, já que
geralmente fornecem um bom apoio social e não viram o mesmo dano
ambiental que muitos países tiveram".
Mas este não é o único relatório que celebra o
grande sucesso do modelo socialista do Vietname. Na região do sudeste da
Ásia, o Vietname já ganhou a reputação de uma
estrela económica e social. Em comparação com o
fundamentalismo pró-mercado da Indonésia ou mesmo das Filipinas,
as elegantes cidades socialistas do Vietname projetadas e mantidas para o povo,
bem como a paisagem cada vez mais ecológica, mostram claramente qual dos
dois sistemas é superior e adequado para o povo asiático e sua
cultura.
Em tempos de graves emergências, de desastres naturais e médicos,
o Vietname também está bastante à frente de outros
países do Sudeste Asiático. Tal como Cuba e a China, tem
investido fortemente na prevenção de calamidades.
Segundo a
New Age,
os estados socialistas, incluindo o Vietname, fizeram um excelente trabalho
lutando contra o recente surto da pandemia do Covid-19:
"Países em desenvolvimento como Cuba e Vietname, com estruturas e
filosofia socialistas ou comunistas, lidam com sucesso com a pandemia do
Covid-19. Quais as as estratégias económicas e de saúde de
longo prazo por trás desse sucesso? O médico Talebur Islam Rupom
faz essa pergunta e estipula que é mais do que tempo dos Estados
investirem fortemente nos sectores da saúde para garantirem
assistência médica para todos".
"Os países com sistemas de saúde subsidiados centralmente ou
totalmente financiados estão a enfrentar a crise do Covid-19 melhor do
que qualquer outro país. Existem também várias outras
razões pro-ativas que permitem diminuir as mortes e os casos positivos.
Cuba e Vietname são dois países em desenvolvimento que se
mobilizaram rapidamente para lidar com a ameaça emergente. Apesar do
embargo e das restrições dos Estados Unidos e dos recursos
limitados, o tratamento da pandemia por Cuba pode ser um exemplo para outros.
Com uma economia menor que o Bangladesh, o Vietname também ganha
credibilidade para reiniciar a sua economia depois de erradicar o Covid-19 do
país, apesar de partilhar uma fronteira crucial com a China."
No final de maio de 2020, quando este ensaio estava a ser escrito, a
República Socialista do Vietname, com 95,5 milhões de habitantes,
registava apenas 327 infeções e zero mortes, segundo dados
fornecidos pela Universidade Johns Hopkins.
[NT]
Mesmo a revista britânica de direita,
The Economist,
não podia ignorar o grande sucesso na luta contra o Covid-19 em Estados
comunistas, como o indiano Kerala e o Vietname:
" Com 95 milhões de pessoas, o Vietname é um lugar
muito maior. Ao lidar com o Covid-19, no entanto, seguiu um roteiro
surpreendentemente semelhante, com um resultado ainda mais impressionante. Como
Kerala, foi exposto ao vírus mais cedo e viu uma onda de
infeções em março. Os casos ativos também atingiram
o pico mais cedo, no entanto, caíram para apenas 39. Exclusivamente
entre países de tamanho remotamente semelhante e, em contraste com
histórias de sucesso mais conhecidas como Taiwan e Nova Zelândia,
ainda não sofreu uma única confirmação de
fatalidade. As Filipinas, um país próximo com aproximadamente a
mesma população e riqueza, sofreram mais de 10 000
infeções e 650 mortes.
Assim como Kerala, o Vietname recentemente enfrentou epidemias mortais, durante
os surtos globais do Sars em 2003 e da gripe suína em 2009. O Vietname e
Kerala beneficiam de um longo legado de investimentos em saúde
pública e, particularmente, nos cuidados primários, com uma
gestão forte e centralizada, um alcance institucional desde bairros da
cidade a vilas remotas, com abundância de pessoal qualificado. Não
por coincidência, o comunismo tem sido uma forte influência, como
ideologia incontestada no Vietname e como uma marca divulgada pelos partidos de
esquerda que dominam Kerala desde os anos 50".
Algumas análises, mesmo produzidas no Ocidente, chegam ao ponto de
afirmar que o Vietname já ultrapassou muitos países da
região, incluindo aqueles que são, pelo menos no papel, muito
mais ricos.
A
Deutsche Welle (DW),
por exemplo, relatava em 22 de maio de 2020:
"Adam McCarty, economista-chefe da empresa de pesquisa e consultoria
Mekong Economics, espera que o Vietname beneficie amplamente da forma como
lidou com o Covid-19. Talvez este seja um ponto de viragem no qual o Vietname
deixa o grupo de países como Camboja e Filipinas e se junta a
países mais sofisticados como Tailândia e Coreia do Sul, mesmo que
o Vietname ainda não tenha um PIB semelhante", disse McCarty
à DW de Hanói.
"Com o resto do mundo ainda sofrendo com o Covid-19, as
exportações realmente serão prejudicadas", disse
McCarty. O economista enfatizou que as coisas não podem simplesmente
voltar ao que eram. Embora o consumo interno possa aumentar nos próximos
meses, um crescimento de 5% para 2020 pode ser muito ambicioso.
"Provavelmente será mais como 3%, mas ainda é bom nestas
circunstâncias. Ainda significa que o Vietname é um vencedor".
Volto periodicamente ao Vietname. Uma coisa impressionante que noto é
que o país não tem favelas, a miséria extrema tão
comum no capitalismo brutal da Indonésia e Filipinas, mas também
no Camboja e na Tailândia. Não há miséria nas
cidades, vilas e campos vietnamitas. Isto por si só é um enorme
sucesso.
O planeamento comunista significa que a maioria dos desastres naturais e de
saúde são bem prevenidos. Quando morava em Hanói, as
vastas e densamente povoadas áreas entre o rio Vermelho e a cidade eram
inundadas anualmente. Gradualmente, o bairro foi realojado e vastas
áreas verdes foram reintroduzidas, impedindo que a água chegue
à cidade.
Passo a passo lógico, o Vietname vem implementando mudanças
projetadas para melhorar a vida dos cidadãos. Os meios de
comunicação de massa no Ocidente e na região escrevem
muito pouco sobre este "milagre vietnamita", por razões
óbvias.
Com tremendo sacrifício, os cidadãos vietnamitas derrotaram os
colonizadores franceses e depois os ocupantes dos EUA. Milhões de
pessoas desapareceram, mas uma nação nova, confiante e poderosa
nasceu. Literalmente ressuscitou das cinzas. Construiu o seu próprio
"modelo vietnamita". Agora, mostra o caminho aos países muito
mais fracos e menos determinados do sudeste da Ásia; aqueles que ainda
estão a sacrificar os seus próprios cidadãos, em
obediência aos ditames da América do Norte e da Europa.
De um dos países asiáticos mais pobres, o Vietname tornou-se um
dos mais fortes, determinados e otimistas.
(NT] Segundo a OMS, Situation Report de 18 de julho, o número de
casos no Vietname é de 382 e o de mortes de 0.
[*]
Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de
investigação.
Fez a cobertura de guerras e conflitos em dezenas de países.
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