O fim da hegemonia do dólar
Uma centena de anos atrás isto era denominado "diplomacia do
dólar". Após a II Guerra Mundial, e especialmente
após a queda da União Soviética em 1989, aquela
política evoluiu para a "hegemonia do dólar". Mas
após todos aqueles muitos anos de grande êxito, a nossa
dominância do dólar está a chegar a um fim.
Tem sido dito, correctamente, que quem possui o ouro determina as regras. Em
tempos antigos era imediatamente aceite que comércio justo e
honesto exigia uma troca por alguma coisa com valor real.
Primeiro havia simplesmente permuta
(barter)
de bens. A seguir foi descoberto que o ouro possuía uma atractividade
universal, e era um substituto conveniente para transacções por
permuta, mais incómodas. Não só facilitava a permuta de
bens e serviços, servia como uma armazenagem de valor para aqueles que
queriam poupá-lo para os dias difíceis.
Embora o dinheiro tenha-se desenvolvimento naturalmente no mercado, à
medida que os governos aumentavam de poder assumiam controle sobre o dinheiro.
Por vezes governos tinham êxito em garantir a qualidade e a pureza do
ouro, mas com o tempo aprenderam a gastar mais do que os seus rendimentos.
Impostos novos ou mais elevados incorriam sempre na desaprovação
do povo, assim não demorou muito até que reis e césares
aprendessem a inflacionar suas divisas reduzindo a quantidade de ouro em cada
moeda esperando sempre que os seus súditos não
descobrissem a fraude. Mas o povo sempre descobria, e protestava vigorosamente.
Isto ajudou a pressionar os dirigentes a procurarem mais ouro através
da conquista de outras nações. O povo acostumou-se a viver para
além dos seus meios, e desfrutou o pão e o circo. Financiar
extravagâncias através da conquista de terras estranhas parecia
uma alternativa mais lógica a trabalhar mais arduamente para produzir mais.
Além disso, conquistas de nações não só
trazia ouro para casa, trazia também escravos. Aplicar impostos ao povo
nos territórios conquistados também proporcionava um incentivo
à construção de impérios. Este sistema de governo
funcionava bem por algum tempo, mas o declínio moral do povo levava a
uma relutância em produzir por si próprio. Havia um limite para o
número de países que podiam ser saqueados da sua riqueza, e isto
levava sempre os impérios a um fim. Quando o ouro não mais podia
ser obtido, o seu poder militar desmoronava. Naqueles dias quem possuía
o ouro na verdade ditava as regras e vivia bem.
Esta regra geral foi mantida constante através das eras. Quando era
usado ouro, e as regras protegiam o comércio honesto, as
nações produtivas tinham êxito. Sempre que as
nações ricas aquelas com exércitos poderosos e ouro
competiam apenas pelo império e por fortunas fáceis para
suportar o bem estar em casa, aquelas nações falhavam.
Hoje os princípios são os mesmos, mas os processos são
bastante diferentes. O ouro não é mais a divisa do mundo, o
papel sim. A verdade agora é: "Quem imprime o dinheiro faz as
regras" pelo menos por enquanto. Embora o ouro não seja
utilizado, os objectivos são os mesmos: obrigar países
estrangeiros a produzir e subsidiar o país com superioridade militar e
controle sobre as impressoras de dinheiro.
Uma vez que o dinheiro de papel impresso não é senão
contrafacção, o emissor da divisa internacional deve ser sempre o
país com poder militar para garantir controle sobre o sistema. Este
magnífico esquema parece o sistema perfeito para obter a riqueza
perpétua para o país que emite a divisa mundial de facto. O
único problema, contudo, é que um tal sistema destroi o
carácter
do povo da nação que faz contrafacção
exactamente como foi o caso quando o ouro era a divisa e era obtido pela
conquista de outras nações. E isto destroi o incentivo para
poupar e produzir, ao mesmo tempo que encoraja a dívida e o bem estar
desenfreado.
A pressão interna para inflacionar a divisa vem das
corporações receptoras dessa prosperidade, bem como daqueles que
pedem doações para compensar as suas necessidades e o que
consideram danos por parte de outros. Em ambos os casos é rejeitada a
responsabilidade pessoal pelas próprias acções.
Quando o dinheiro de papel é rejeitado, ou quando o ouro desaparece, a
riqueza e estabilidade políticas são perdidas. O país deve
então mudar da vida para além dos seus meios para a vida
abaixo dos seus meios, até que os sistemas económicos e
políticos se ajustem às novas regras regras escritas
não mais por aqueles que mandam nas agora defuntas máquinas de
impressão.
A "Diplomacia do dólar", uma política instituída
por William Howard Taft e o seu secretário de Estado Philander C. Knox,
foi concebida para aumentar os investimentos comerciais dos EUA na
América Latina e no Extremo Oriente. McKinley fabricou uma guerra
contra a Espanha em 1898, e o corolário de (Teddy) Roosevelt para a
Doutrina Monroe antecedeu a abordagem agressiva de Taft no uso do dólar
americano e da influência diplomáticas para assegurar os
investimentos americanos no exterior. Isto ganhou o título popular de
"Diplomacia do dólar". A importância da mudança
de Roosevelt foi que a nossa intervenção agora podia ser
justificada pela mera "aparência" de que um país com
interesse para nós era política ou fiscalmente vulnerável
ao controle europeu. Não só afirmámos um direito como
até uma "obrigação" oficial do governo americano
de proteger nossos interesses comerciais frente aos europeus.
Esta nova política veio no calcanhares da diplomacia da
"canhoneira" dos fins do século XIX, e isto significou que
podíamos comprar influência antes de recorrer à
ameaça da força. No momento em que a "diplomacia do
dólar" de William Howard Taft ficou claramente articulada, as
sementes do império americano ficaram plantadas. E elas estavam
destinadas a crescer no fértil solo político de um país
que perdeu o seu amor e respeito pela república que nos foi legada pelos
autores da Constituição. E na verdade perdeu. Não tardou
muito até que a "diplomacia" do dólar tornou-se a
"hegemonia" do dólar, na segunda metade do século XX.
Esta transição só podia ter ocorrido com uma
mudança dramática na política monetária e na
natureza do próprio dólar.
O Congresso criou o Federal Reserve System em 1913. Entre essa data e 1971 o
princípio da moeda sã foi minado sistematicamente. Entre 1913 e
1971, o Federal Reserve achou muito mais fácil expandir a oferta de
moeda à vontade para financiar a guerra ou manipular a economia com
pouca resistência do Congresso enquanto beneficiava os interesses
especiais que influenciam o governo.
O domínio do dólar adquiriu um enorme impulso após a
Segunda Guerra Mundial. Fomos poupados à destruição que
tantas outras nações sofreram, e os nossos cofres estavam cheios
com o ouro do mundo. Mas o mundo escolheu não retornar à
disciplina do padrão ouro, e os políticos aplaudiram. Imprimir
dinheiro para pagar as contas era um bocado mais popular do que aplicar
impostos ou restringir gastos desnecessários. Apesar dos
benefícios de curto prazo, foram institucionalizados
desequilíbrios nas décadas que se seguiriam.
O acordo de 1944 em Bretton Woods solidificou o dólar como a divisa de
reserva predominante no mundo, substituindo a libra britânica. Devido ao
nosso músculo político e militar, e porque tínhamos uma
enorme quantidade física de ouro, o mundo prontamente aceitou o nosso
dólar (definido como 1/35 avos de uma onça de ouro) como a divisa
de reserva universal. Dizia-se que o dólar era "tão bom
quanto o ouro", e convertível para todos os bancos centrais
estrangeiros àquela taxa. Para os cidadãos americanos, contudo,
continuava a ser ilegal possuí-lo. Isto foi um padrão
gold-exchange que desde o seu início estava condenado a fracassar.
Os EUA fizeram exactamente o que muitos previram que fariam. Imprimiram mais
dólares para os quais não havia ouro como suporte. Mas o mundo
manteve-se satisfeito a aceitar aqueles dólares durante mais de 25 anos
até que o franceses e outros no fim da década de 1960
exigiram que cumpríssemos nossa promessa de pagar uma onça de
ouro por cada US$35 que entregassem ao Tesouro dos EUA. Isto resultou numa
enorme drenagem de ouro que pôs fim a um muito fracamente concebido
padrão pseudo-ouro.
Isto tudo acabou em 15 de Agosto de 1971, quando Nixon fechou o guichê do
ouro e recusou-se a pagar 280 milhões de onças. Em
resumo, declarámos nossa insolvência e toda a gente reconheceu que
algum outro sistema monetário tinha de ser concebido a fim de trazer
estabilidade aos mercados.
Espantosamente, foi concebido um novo sistema que permitiu aos EUA operarem as
máquinas de impressão para a divisa de reserva do mundo sem
restrições que os tolhessem nem mesmo uma pretensa
convertibilidade em ouro, sem restrição alguma! Embora a nova
política fosse ainda mais profundamente enviesada, ela no entanto abriu
a porta para a difusão da hegemonia do dólar.
Percebendo que o mundo estava a embarcar em alguma coisa nova e estonteante, a
elite dos administradores de dinheiro, com apoio especialmente forte das
autoridades americanas, carpinteirou um acordo com a OPEP para cotar o
petróleo exclusivamente em dólares norte-americanos em todas as
transações do mundo. Isto deu ao dólar um lugar especial
entre as divisas mundiais e, em essência, "suportou" o
dólar com petróleo. Em troca, os EUA prometeram proteger os
vários reinos ricos em petróleo do Golfo Pérsico contra
ameaças de invasão ou golpe interno. Este arranjo ajudou a
atear o movimento radical islâmico entre aqueles que se ressentiam com
a nossa influência na região. O arranjo deu fortaleza artificial
ao dólar, com tremendos benefícios financeiros para os Estados
Unidos. Ele nos permitiu exportar a nossa inflação
monetária através da compra de petróleo e outros bens com
um
grande desconto enquanto a influência do dólar florescia.
Este sistema pós-Bretton Woods era muito mais frágil do que o
sistema que existiu entre 1945 e 1871. Embora o arranjo
dólar/petróleo fosse de grande auxílio, ele não era
nem de longe tão estável quanto o padrão pseudo-ouro sob
Bretton Woods. E era certamente menos estável do que o padrão
ouro do fim do século XIX.
Durante a década de 1970 o dólar quase entrou em colapso, pois os
preços do petróleo agitaram-se e o ouro disparou para US$800 por
onça. Em 1979 foram necessárias taxas de juro de 21% para
recuperar o sistema. A pressão sobre o dólar na década de
1970, apesar dos benefícios ampliados, reflectiu os défices
orçamentais imprudentes e a inflação monetárias
verificada durante a década de 1960. Os mercados não foram
enganados pela pretensão de LBJ de que nos podíamos permitir em
simultâneo "canhões e manteiga".
Mais uma vez o dólar foi recuperado, e isto abriu a era da verdadeira
hegemonia do dólar que durou do princípio da década de
1980 até o presente. Com a formidável cooperação
dos bancos centrais e dos bancos comerciais internacionais, o dólar foi
aceite como se fosse ouro.
O presidente do Fed, Alan Greenspan, em várias ocasiões, perante
o House Banking Commitee, respondeu aos desafios que lhe fiz acerca das suas
opiniões favoráveis sobre o ouro afirmando que ele e outros
banqueiros centrais haviam conseguido que o dinheiro de papel i.e., o
sistema dólar respondesse como se ele fosse ouro. Cada vez que
eu discordava com veemência, e destacava que se eles houvessem
alcançado um tal feito teriam desafiado séculos de
história económica quanto à necessidade de a moeda
ser alguma coisa de valor real. Ele presunçosa e confiantemente
contribuiu para isto.
Em anos recentes, bancos centrais e instituições financeiras
várias, todas com interesses estabelecidos na manutenção
de um padrão dólar fiduciário
(fiat dollar)
funcional,
não faziam segredo acerca da venda e empréstimo de grandes
quantidades de ouro para o mercado mesmo no momento em que a
redução dos
preços do ouro levantava sérias questões acerca da
sabedoria de uma tal política. Eles nunca admitiram fixar o
preço do ouro, mas há evidência abundante de que
acreditavam que se o se preço caísse isto transmitiria um
sentido de confiança ao mercado, confiança de que na verdade
haviam alcançado um êxito espantoso na transformação
de papel em ouro.
Aumentos nos preços do ouro historicamente foram encarados como um
indicador de desconfiança na divisa em papel. Este esforço
recente não foi de todo diferente daquele do Tesouro americano ao vender
a US$35 por onça na década de 1960, numa tentativa de convencer o
mundo que o dólar era são e tão bom quanto o ouro. Mesmo
durante a Depressão, um dos primeiros actos de Roosevelt foi remover o
apreçamento do ouro no mercado livre, como indicação de um
sistema monetário deficiente, ao tornar ilegal para cidadãos
americanos possuir ouro. A lei económica no final das contas limitou
aquele esforços, tal como o fez no princípio da década de
1970 quando o nosso Tesouro e o FMI tentaram fixar o preço do ouro ao
despejar toneladas dele no mercado para amortecer o entusiasmo dos que
procuravam um lugar seguro para um dólar cadente depois de a
propriedade de ouro ter sido re-legalizada.
Mais uma vez, os esforços entre 1980 e 2000 para enganar o mercado quanto
ao verdadeiro valor do dólar provaram-se não ter êxito. Nos
últimos 5 anos o dólar tem sido desvalorizado em termos de ouro
em mais de 50%. Você simplesmente não pode enganar todas as
pessoas todo o tempo, mesmo com o poder das potentes máquinas de
impressão e do sistema de criação de dinheiro da Federal
Reserve.
Mesmo com todas as deficiências do sistema monetário
fiduciário
(fiat monetary system),
a influência do dólar prosperou. Os resultados pareciam
benéficos, mas distorções brutais embutidas dentro
do sistema permaneciam. E, verdade consagrada, os políticos em
Washington estão muitíssimo ansiosos por resolver os problemas
que surgem por meio de camuflagens
(window dressing),
enquanto fracassam no entendimento e tratamento das políticas
distorcidas subjacentes. Proteccionismo, fixação de taxas de
câmbio, tarifas punitivas, sanções motivadas politicamente,
subsídios corporativos, administração do comércio
internacional, controles de preços, controles da taxa de juro e dos
salários, sentimentos super-nacionalistas, ameaças de
força, e mesmo a guerra são utilizados para resolver todos os
problemas criados artificialmente por sistemas monetários e
económicos profundamente distorcidos.
No curto prazo, o emissor de uma divisa fiduciária de reserva pode
acumular grandes benefícios económicos. No longo, isto apresenta
uma ameaça para o país que emite a divisa mundial. Neste caso,
são os Estados Unidos. Enquanto países estrangeiros tomarem
nossos dólares em troca de bens reais, nós vamos para a frente.
Isto é um benefício que muitos no Congresso não conseguem
identificar, pois eles atacam a China por manter uma balança comercial
positiva connosco. Mas isto conduz a uma perda de empregos manufactureiros
para mercados além mar, pois nos tornamos mais dependentes dos outros e
menos auto-suficientes. Os países estrangeiros acumulam os nossos
dólares devido às suas altas taxas de poupança, e
graciosamente emprestam-nos de volta a taxas de juro baixas para financiar o
nosso consumo excessivo.
Isto parece um grande negócio para toda a gente, excepto que virá
o tempo em que os nossos dólares devido à sua
depreciação serão recebidos menos entusiasticamente
ou serão mesmo rejeitados pelos países estrangeiros. O que
poderia criar uma situação inteiramente nova e forçar-nos
a pagar um preço por vivermos além dos nossos meios e da nossa
produção. A mudança de sentimento em
relação ao dólar já começou, mas o pior
ainda está para vir.
O acordo com a OPEP na década de 1970 para cotar o petróleo em
dólares proporcionou tremenda força artificial para o
dólar como a divisa de reserva predominante. Isto criou uma procura
universal pelo dólar, e enxugou o enorme número de novos
dólares gerados a cada ano. Só no ano passado o M3 aumentou mais
de US$700 mil milhões.
A procura artificial pelo nosso dólar, juntamente com o nosso poder
militar, coloca-nos na posição única de
"dirigir" o mundo sem trabalho produtivo ou poupanças, e sem
limites nos gastos de consumo ou nos défices. O problema é que
isto não pode durar.
A inflação nos preços está a levantar a sua
cabeça feia, e a bolha do NASDAQ gerada pelo dinheiro
fácil arrebentou. A bolha da habitação criada da
mesma forma está a esvaziar
(deflating).
Os preços do ouro duplicaram, e os gastos federais estão fora
da vista com zero de vontade política para travá-los. O
défice do comércio externo no ano passado foi de mais de US$728
mil milhões. Uma guerra de US$2 milhões de milhões
(trillions)
está a travar-se, e estão a ser preparados planos para expandir
a guerra ao Irão e possivelmente à Síria. A única
força restritiva será a rejeição mundial do
dólar. Isto é forçoso vir e cria condições
piores do que as de 1979-1980, as quais exigiram taxas de juro de 21% para a
correcção. Mas todo o possível será feito para
proteger o dólar nesse ínterim. Temos um interesse partilhado
com aqueles que possuem os nossos dólares em manter toda a charada em
andamento.
Greenspan, no seu primeiro discurso depois de deixar o Fed, disse que os
preços do ouro estavam altos devido à preocupação
com o terrorismo e não por causa de preocupações
monetárias ou porque ele criou demasiados dólares durante o seu
mandato. O ouro tem de ser desacreditado e o dólar impulsionado. Mesmo
quando o dólar fica sob sérios ataques das forças do
mercado, os bancos centrais e o FMI seguramente farão tudo o que for
concebível para enxugar os dólares na esperanças de
restaurar a estabilidade. No final das contas, eles fracassarão.
Ainda mais importante: o relacionamento dólar/petróleo tem de
ser mantido para manter o dólar como divisa predominante. Qualquer
ataque a este relacionamento será vigorosamente contestado como
já foi.
Em Novembro de 2000 Saddam Hussein exigiu euros pelo seu petróleo. Sua
arrogância era uma ameaça para o dólar, sua falta de
qualquer poder militar nunca foi uma ameaça. Na primeira reunião
do gabinete com a nova administração em 2001, como relatado pelo
secretário do Tesouro Paul O'Neill, o tópico principal era como
nos livraríamos de Saddam Hussein embora não houvesse
qualquer evidência de que ele representasse uma ameaça para
nós. Esta profunda preocupação com Saddam Hussein
surpreendeu e chocou O'Neill.
É agora de conhecimento comum que a reacção imediata da
administração após o 11/Set revolveu-se em torno da
questão de como podiam conectar Saddam Hussein com os ataques, para
justificar uma invasão e o derrube do seu governo. Mesmo sem provas de
qualquer conexão com o 11/Set, ou evidência de armas de
destruição em massa, foi gerado apoio público e do
Congresso através de distorções e
adulterações directas dos factos para justificar o derrube de
Saddam Hussein.
Não houve conversa pública quanto a remoção de
Saddam Hussein devido ao seu ataque à integridade do dólar como
divisa de reserva por vender petróleo em euros. Muitos acreditam que
isto foi a razão real da nossa obsessão com o Iraque. Duvido que
fosse a única razão, mas pode muito bem ter desempenhado um papel
significativo nas nossas motivações para travar a guerra. Num
período muito curto após a vitória militar, todas as
vendas iraquianas de petróleo foram efectuadas em dólares. O
euro foi abandonado.
Em 2001, o embaixador da Venezuela na Rússia disse que o seu país
comutaria para euros todas as suas vendas de petróleo. Dentro de um ano
houve uma tentativa de golpe contra Chavez, confirmadamente com a
assistência da nossa CIA.
Após estas tentativas de empurrar o euro em
substituição do dólar como divisa de reserva do mundo, a
queda aguda do dólar contra o euro foi revertida. Estes eventos podem
muito bem ter desempenhado um papel significativo na manutenção
do domínio do dólar.
Ficou claro que a administração americana era simpática
àqueles que conspiraram para derrubar Chavez, e ficou embaraçada
com o seu fracasso. O facto de Chavez ter sido eleito democraticamente teve
pouco influência sobre qual dos lados nós apoiámos.
Agora, uma nova tentativa está a ser feita contra o sistema do
petrodólar. O Irão, outro membro do "eixo do mal",
anunciou seus planos para iniciar uma bolsa de petróleo em Março
deste ano. Imagine em que moeda: as vendas de petróleo serão
cotadas em euros, não em dólares.
A maior parte dos americanos esquecem como as nossas políticas
sistematicamente e desnecessariamente antagonizaram os iranianos aos longo dos
anos. Em 1953 a CIA ajudou a derrubar o presidente eleito democraticamente,
Mohammed Mossadegh, e instalar o Xá autoritário, que era amistoso
para com os EUA. Os iranianos ainda estavam fumegando quanto a isto quando os
reféns foram capturados em 1979. Nossa aliança com Saddam
Hussein na sua invasão do Irão no princípio da
década de 1980 não ajudou, e obviamente não o fez nosso
relacionamento com Saddam Hussein. O anúncio da
administração em 2001 de que o Irão era parte do eixo do
mal não fez grande coisa para melhorar o relacionamento
diplomático entre os nossos dois países. Ameaças recentes
acerca da energia nuclear, enquanto ignoram o facto de que eles estão
cercados por países com armas nucleares, não parecem condizer com
aqueles que continuam a provocar o Irão. Com aquilo que a maior parte
dos muçulmanos percebem como sendo a nossa guerra contra o Islão,
e isto é história recente, não é de admirar que o
Irão possa preferir prejudicar a América através da
minagem do dólar. O Irão, tal como o Iraque, tem capacidade zero
para atacar-nos. Mas isto não nos impediu de transformar Saddam Hussein
num Hitler da idade moderna pronto a conquistar o mundo. Agora o Irão,
especialmente desde que fez planos para cotar o petróleo em euros, tem
estado como receptáculo final de uma guerra de propaganda não
muito diferente daquela travada contra o Iraque antes da nossa invasão.
Não é provável que a manutenção da
supremacia do dólar fosse o único factor motivante para a guerra
contra o Iraque, nem para a agitação contra o Irão.
Embora as razões reais para ir à guerra sejam complexas, agora
sabemos que as razões dadas antes de a guerra começar, como a
presença de armas de destruição em massa e a
conexão de Saddam Hussein ao 11/Set, eram falsas. A importância
do dólar é óbvia, mas isto não diminui a
influência dos diferentes planos legados anos atrás pelos
neoconservadores para refazer o Médio Oriente. A influência de
Israel, bem como aquela dos cristãos sionistas, desempenhou um papel
semelhante na prossecução desta guerra. Proteger os
"nossos" abastecimentos de petróleo tem influenciado a nossa
política para o Médio Oriente durante décadas.
Mas a verdade é que pagar as contas desta intervenção
agressiva é impossível da maneira antiga, com mais impostos, mais
poupança e mais produção pelo povo americano. Grande
parte da despesas da Guerra do Golfo Pérsico em 1991 foi suportada por
muitos dos nossos aliados aquiescentes. Não é assim hoje.
Agora, mais do que nunca, a hegemonia do dólar o domínio
como divisa de reserva mundial é exigida para financiar nossas
enormes despesas de guerras. Esta infindável guerra de US$2
milhões de milhões tem de ser paga, de uma forma ou de outra. A
hegemonia do dólar proporciona o veículo para fazer exactamente
isso.
A maioria das verdadeiras vítimas não está consciente de
como pagará as contas. A licença para criar moeda a partir do ar
fino permite que as contas sejam pagas através da inflação
de preços. Os cidadãos americanos, bem como a média dos
cidadãos do Japão, China e outros países, sofre com a
inflação dos preços, que representa o "imposto"
que paga as contas das nossas aventuras militares. Isto é assim
até que seja descoberta a fraude, e os produtores estrangeiros decidam
não receber dólares nem mante-los muito tempo pelo pagamento dos
seus bens. É feito todo o possível para impedir que a fraude do
sistema monetária seja exposta às massas que sofrem com ela. Se
os mercados petrolíferos substituíssem dólares por euros,
isto com o tempo restringiria nossa capacidade para continuar a imprimir, sem
restrições, a divisa de reserva mundial.
É um inacreditável benefício para nós importar bens
valiosos e exportar dólares depreciados. Os países exportadores
tornaram-se viciados nas nossas compras para o seu crescimento
económico. Esta dependência torna-os aliados na
continuação da fraude, e a sua participação mantem
o valor do dólar artificialmente alto. Se este sistema fosse
praticável a longo prazo, os cidadãos americanos jamais teriam de
trabalhar outra vez. Nós também poderíamos desfrutar
"pão e circo" tal como os romanos, mas o seu ouro finalmente
desapareceu e a incapacidade de Roma para continuar a pilhar
nações conquistadas levou o seu império ao fim.
O mesmo nos acontecerá se não mudarmos nossos costumes. Embora
não ocupemos países estrangeiros para saqueá-los
directamente, espalhámos no entanto nossas tropas em 130 países
do mundo. Nosso esforço intenso para difundir nosso poder no
Médio Oriente rico em petróleo não é uma
coincidência. Mas ao contrário dos velhos dias, não
declaramos directamente propriedade sobre os recursos naturais apenas
insistimos em que podemos comprar o que quisermos e pagar por isso com o nosso
dinheiro de papel. Qualquer país que desafie a nossa autoridade incide
em grande risco.
Mais uma vez o Congresso comprou a guerra de propaganda contra o Irão,
tal como o fez contra o Iraque. São fabricados agora argumentos para
atacar o Irão economicamente, e militarmente se necessário.
Estes argumentos são todos baseados nas mesmas falsas razões para
a mal concebida e custosa ocupação do Iraque.
Todo o nosso sistema económico depende da continuidade do actual arranjo
monetário, o qual significa que a reciclagem do dólar é
crucial. Actualmente, emprestamos mais de US$700 mil milhões todos os
anos dos nossos graciosos benfeitores, que trabalham arduamente e recebem o
nosso papel pelos seus bens. A seguir, tomamos emprestado todo o dinheiro que
precisamos para assegurar o império (orçamento do Departamento da
Defesa: US$ 450 mil milhões) e ainda mais. O poder militar que
desfrutamos torna-se o "suporte" da nossa divisa. Não
há outros países que possam desafiar nossa superioridade militar,
e portanto eles têm poucas opções além de aceitar os
dólares que declaramos ser o "ouro" de hoje. É por
isso que os países que desafiam o sistema como o Iraque,
Irão e Venezuela tornam-se alvos dos nossos planos para
mudança de regime.
Ironicamente, a superioridade do dólar depende da nossa fortaleza
militar, e a nossa fortaleza militar depende do dólar. Enquanto
receptores estrangeiros tomarem nossos dólares por bens reais e
estiverem dispostos a financiar nosso consumo e militarismo extravagantes, o
status quo continuará não importando quão enorme venha a
ser nossa dívida externa e nosso défice em
transações correntes.
Mas ameaças reais vêm dos nossos adversários
políticos que são incapazes de nos confrontar militarmente, ainda
que não tenham embaraços em nos confrontar economicamente. Eis
porque consideramos que o novo desafio do Irão deve ser encarado com
seriedade. Os argumentos urgentes acerca de o Irão apresentar uma
ameaça militar à segurança dos Estados Unidos não
são mais plausíveis do que as falsas acusações
levantadas contra o Iraque. Mas ainda não há esforços
para resistir a esta marcha para a confrontação por parte
daqueles que por razões políticas se pronunciam contra a guerra
do Iraque.
Parece que o povo e o Congresso são facilmente persuadidos pelo
nacionalismo extremado
(jingoism)
dos promotores da guerra antecipativa
(preemptive).
É só depois de o custo em vidas humanas e dólares ser
calculado que o povo objecta contra o militarismo insensato.
A coisa estranha é que o fracasso no Iraque agora é evidente para
uma grande maioria do povo americano, mas ainda assim ele e o Congresso
estão aquiescentes ao apelo de uma desnecessária e perigosa
confrontação com o Irão.
Mas apesar de tudo, nosso fracasso em descobrir Osama bin Laden e destruir a
sua rede não nos dissuadiu de enfrentar os iraquianos numa guerra
totalmente desvinculada do 11/Set.
A preocupação com a cotação do petróleo
apenas em dólares ajuda a explicar nossa propensão para
desencadear tudo e dar uma lição a Saddam Hussein pelo seu
desafio ao exigir euros pelo petróleo.
E mais uma vez há este apelo urgente a sanções e
ameaças de força contra o Irão no preciso momento em que o
Irão está a abrir uma nova Bolsa de Petróleo com todas as
transações em euros.
Utilizar força para obrigar povos a aceitarem dinheiro sem valor real
pode funcionar só a curto prazo. Isto acaba por levar a
deslocações económicas, tanto internas como
internacionais, e o preço acaba sempre por ser pago.
A lei económica de que o intercâmbio honesto exige apenas coisas
com valor real como moeda não pode ser revogada. O caos que um dia
sobrevirá do nosso experimento de 35 anos com dinheiro
fiduciário à escala mundial exigirá o retorno a uma moeda
de valor real. Saberemos que este dia está a aproximar-se quando
países produtores de petróleo exigirem ouro, ou seu equivalente,
pelo seu óleo ao invés de dólares ou euros. Quanto
mais cedo melhor.
Sobre o mesmo assunto ver também:
A proposta Bolsa do Petróleo iraniana
, de Krassimir Petrov.
[*]
Congressista do Partido Republicano, eleito pelo Texas
. Discurso pronunciado
perante a U.S. House of Representatives em 15/Fevereiro/2006.
O original encontra-se em
http://www.energybulletin.net/12987.html
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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