Novo aeroporto
O falso problema e o verdadeiro
por Jorge Figueiredo
A falta de foco nas discussões que decorrem em Portugal acerca da
construção de um novo aeroporto é espantosa. Todos
discutem a questão da sua localização, mas não o
problema que deveria antecedê-lo: o da sua necessidade real.
Dos inúmeros sábios e candidatos a sábios que tem perorado
na televisão acerca do novo aeroporto até hoje não houve
um único que houvesse pronunciado a expressão
"Pico Petrolífero".
Não se deve fazer um mau juízo dizendo que estas sumidades
técnicas omitem a expressão "Pico Petrolífero"
por ignorância. É de admitir que já tenham
conhecimento do assunto. Mas então, coloca-se a pergunta: por que
omitem o Pico? Seria curial que o considerassem. Não é tabu,
não é uma expressão maldita nem de baixo calão
imprópria para ser dita em lugares públicos.
Seria errado fazer processos de intenção para explicar
esta omissão gritante. Cabe aos distintos engenheiros consultores,
investigadores, professores universitários e outros técnicos em
transportes que vão à TV e têm acesso aos media explicarem
porque evitam cuidadosamente qualquer referência ao "Pico
Petrolífero". Eles não negam a existência do Pico,
apenas o silenciam. Mas tal silêncio deve ser explicado por eles
próprios.
E pur se move,
disse Galileu. Não é por ignorar, omitir ou negar uma realidade
que ela deixa de existir. Não é porque há entidades
como a Agência Internacional de Energia, a UE, o U.S. Geological
Service, a Shell e outras que apresentam previsões
mistificatórias quanto ao futuro da produção
petrolífera mundial que o nível actual de extracção
poderá perdurar para todo o sempre. Há um limite máximo
de produção possível chama-se a isto Pico
Petrolífero.
Numerosos investigadores independentes a independência neste caso
é muito importante, pois para mante-la não podem estar
subordinados a
agências internacionais, governamentais ou companhias petrolíferas
admitem que o limite máximo possível de
extracção
de petróleo convencional está a ser atingido por esta altura.
Kenneth Deffeyes
afirma que o Pico se verificou em Novembro de 2005, Ali
Bakhtiari considera que foi em 2006, Colin Campbell coloca-o em 2010, outros
investigadores em datas próximas (nenhum ultrapassa o ano 2015). O
facto de haver também produção de petróleo
não convencional
[1]
não pode alterar significativamente a perspectiva da escassez global de
petróleo.
Alguns governantes do mundo estão conscientes desta realidade. Ainda
que não falem dela, tomam desde já medidas preventivas a fim de
tentar minimizar o choque do início do declínio da
produção. Mas outros governantes parecem não estar
conscientes e continuam tranquilamente a agir
business as usual.
É lamentável que o governo português esteja entre eles.
Há investigadores que admitem ser de 7% (sete por cento) a "fatia" do
consumo de
petróleo destinada à aviação civil. Assim, no
mundo pós-Pico Petrolífero, quando começar o
declínio da produção isso não poderá deixar
de se reflectir na intensidade do tráfego aéreo. Nem sequer
existe a hipótese da isenção fiscal para os
combustíveis destinados à aviação, pois o
jet fuel
não é onerado por impostos. Assim, altas nos preços do
petróleo terão inevitavelmente de reflectir-se em altas nos
preços do
jet fuel.
Esta é a segunda maior categoria de custos
numa empresa aérea, logo após o trabalho. A repercussão
nos preços dos bilhetes aéreos será inevitável. Por
muita elasticidade-preço que tenham a viagens aéreas, a procura
não poderá crescer indefinidamente às taxas previstas
pelos promotores do novo aeroporto.
Quem, em sã consciência, pode garantir que o número de 12,3
milhões de passageiros que em 2006 transitou pelo Aeroporto da Portela
irá aumentar a taxas de 4,5% ao ano nos próximos 30 anos? Como
pode a
NAER
falar em movimentos de até 20 milhões de passageiros/ano? Como
dizia
John Busby
em 2005, "ao longo dos 25 anos que vão até 2030, apenas
cerca de 60% das expectativa do mercado de passageiros e 45% do de carga
poderá ser cumprida, embora o défice de combustível venha
a ser mais evidente sobretudo no fim deste período".
A tabela ao lado mostra que em 2048 a produção mundial de
petróleo poderá ter sofrido uma redução de 55% em
relação a 2007. No ano em que seria inaugurado o novo aeroporto
(2017) já poderia estar reduzida em 15% em relação ao
presente. E o período em que o investimento no aeroporto terá de
ser amortizado é precisamente 2018-2048. Assim, diante do não
recebimento das receitas esperadas, será provável que os privados
donos do novo aeroporto recorram ao avalista Estado para pagarem as
amortizações. Ou seja, a dívida acabaria em última
análise por ser paga pelos contribuintes portugueses. Socializar os
prejuízos e privatizar os lucros é uma prática tradicional
dos governos neoliberais. O negócio pouco transparente da
privatização da ANA em troca da construção do novo
aeroporto não augura nada de bom.
Discutir questões acessórias e ignorar a fundamental não
é política e intelectualmente idóneo. Seria
desejável que os sábios, ilustres e doutos técnicos que
intervêm no assunto nos falassem acerca da
oportunidade e conveniência, à luz do Pico Petrolífero, de
iniciar agora a construção de um novo aeroporto
(e, a propósito, também o Sr. Ministro dos Transportes). Por
enquanto, que se saiba, nenhum daqueles que habitualmente participam em debates
na TV e escrevem artigos em revistas manifestou ter conhecimento deste
silenciado Pico.
07/Junho/2007
[1]
polar, deep-offshore, areias betuminosas, coal to liquid, asfaltos, etc.
Leituras recomendadas:
Peak Oil: A crise global que se aproxima e o declínio da aviação
, de Alex Kuhlman.
O Novo Aeroporto de Lisboa e a escassez de petróleo
, de Demétrio Carlos Alves.
A produção de jet fuel e a dispensabilidade de novos aeroportos
, de John Busby.
Esgotamento do petróleo, tráfego aéreo e construção de novos aeroportos
, de John Busby.
Leia e se concordar assine a petição on line para impedir a construção de
qualquer novo aeroporto (seja qual for a sua localização):
http://www.PetitionOnline.com/naoaerop/petition.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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